sábado, 5 outubro, 2024
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    25 anos da Convenção de Ottawa sobre a abolição das bombas terrestres

    Os combates armados persistentemente questionam a capacidade de o direito ser entendido como meio para conter o uso da violência e, em muitas ocasiões, ainda servem para desacreditar a força normativa do direito internacional, com notável desconfiança sobre o direito internacional humanitário.

    Além disso, há situações que merecem ser trazidas à tona na comunidade jurídica para enriquecer o entendimento sobre aspectos da realidade que comprovam seu sucesso, como é o caso da Convenção sobre a Proibição do Uso, Armazenamento, Produção e Transferência de Bombas Terrestres Antipessoais e sobre sua Destruição, de 1997, conhecida como Convenção de Ottawa, que completa 25 anos em 1º de março de 2024.

    As bombas terrestres são explosivos geralmente colocados no solo, caracterizados pela detonação ser acionada pela própria vítima, causando uma explosão. No entanto, devido à natureza do armamento, não há distinção entre o passo de um soldado e o passo de uma criança.

    Além disso, não fazem diferenciação se é tempo de guerra ou de paz, ou seja, existem situações em que campos minados têm causado mais vítimas após os conflitos armados, em alguns casos várias décadas depois do fim das hostilidades — como é o caso de bombas ainda ativas plantadas durante a Segunda Guerra Mundial.

    A negociação da Convenção de Ottawa foi impulsionada pelo impacto humanitário percebido das bombas em países, especialmente no pós-guerra. Um acidente com bombas ocorria a cada 22 minutos no mundo, resultando em 26 mil vítimas por ano, das quais 90% eram civis, principalmente após o término dos conflitos armados.

    O problema humanitário causado pela disseminação de bombas terrestres antipessoais em 103 países no final da década de 90 mobilizou a comunidade internacional para negociar um novo marco jurídico vinculativo para eliminar esses explosivos.

    Organizações da sociedade civil que perceberam o impacto, especialmente em regiões periféricas de países em desenvolvimento, se uniram em uma campanha pública internacional para despertar a vontade política internacional por meio da Campanha Internacional para Banir as Bombas Terrestres (ICBL, na sigla em inglês).

    O que é a Convenção de Ottawa
    A Convenção de Ottawa foi negociada entre outubro de 1996 e setembro de 1997, quando o texto do tratado que estabelecia o compromisso de erradicação total desse tipo de armas foi adotado, sem possibilidade de reservas, sendo aberto para assinaturas em dezembro do mesmo ano.

    A convenção estabelece o compromisso dos Estados-parte de nunca, em hipótese alguma, usar, desenvolver, produzir, adquirir, armazenar ou transferir bombas terrestres antipessoais. Além disso, os Estados-parte se comprometem a destruir seus estoques em até quatro anos após a entrada em vigor do tratado e a desarmar bombas em áreas minadas em até 10 anos — prazo que, em alguns casos, tem sido prorrogado, mediante justificativa e solicitação.

    A ICBL foi laureada com o Prêmio Nobel da Paz em 1997 pelo trabalho realizado e pelo sucesso alcançado na mobilização da vontade política internacional. Em novembro de 1998, o tratado atingiu 40 ratificações, permitindo sua entrada em vigor em 1º de março de 1999.

    Desde então, a ICBL mantém a articulação da sociedade civil em dezenas de países e se empenha pela universalização e implementação da Convenção de Ottawa, além de realizar o monitoramento global sobre o tema das bombas antipessoais por meio do Observatório das Bombas Terrestres (the-monitor.org).

    US Army

    Aliás, a ICBL constitui um exemplode influência suave pela atuação da sociedade civil, segundo a definição de Joseph Nye, ao demonstrar o seu poder e a sua capacidade de influenciar a comunidade internacional com as diretrizes estabelecidas pelo tratado [4].

    Nestes 25 anos da entrada em vigor do tratado, convém identificar os feitos alcançados e os obstáculos que persistem na busca por um mundo livre de minas (lema que impulsionou a luta pela universalização do tratado). O primeiro desafio de um tratado diz respeito à sua universalização. São 164 Estados-partes, mais de três quartos das nações do planeta, comprometidos com os termos do Tratado de Ottawa.

    Dentre os avanços promovidos a partir do Tratado de Ottawa, é digno de destaque:

    A diminuição de 25 mil para cerca de 5 mil vítimas por ano;
    A eliminação de mais de 55 milhões de minas desde a entrada em vigor do tratado pelos Estados-partes (artigo 4º), sendo que 94 Estados-partes declararam a conclusão da eliminação de seus estoques;
    30 Estados que possuíam campos minados declararam-se livres de minas;
    Em 2022, pelo menos 219.31km² foram desminados e mais de 169.000 minas foram destruídas.
    Dos 50 países que fabricavam minas em meados da década de 1990, apenas 12 ainda são reconhecidos como produtores, ainda que não ativos no momento (Armênia, China, Coreia do Norte, Coreia do Sul, Cuba, Índia, Irã, Mianmar, Paquistão, Rússia, Singapura e Vietnã). Cinco são os estados que ainda devem estar produzindo (Índia, Irã, Mianmar, Paquistão e Rússia) [5].

    O estigma gerado em torno das minas terrestres antipessoais fez com que mesmo Estados não partes do tratado agissem em conformidade com seus compromissos. Um dos exemplos é os Estados Unidos, que mesmo não se comprometendo formalmente com o tratado, cessaram o uso, a produção e a exportação, tendo destruído parte de seu estoque e apoiando a desminagem em diversos países. Há casos de países que submetem um relatório exigido pelo artigo 7º do tratado.

    Dentre os desafios que persistem, o uso de minas por atores armados não estatais ainda é algo problemático em pelo menos cinco países (Colômbia, Índia, Mianmar, Tailândia e Tunísia). Mesmo que o número de atores armados não estatais empregando minas esteja diminuindo ao longo dos anos, permanece como um obstáculo persistente em diversas regiões. Além disso, os conflitos contemporâneos desafiam os objetivos da Convenção. Rússia e Ucrânia têm promovido novas contaminações massivas, sendo que a Ucrânia é Estado parte do Tratado de Ottawa.

    O Tratado de Ottawa evidencia a possibilidade de o direito internacional funcionar, sob uma diversidade de condicionantes e, sempre com pendências notáveis. Não se resolve um problema dessa magnitude de uma vez por todas, mas demonstra a capacidade de “recalcular a rota” para que a comunidade internacional se una, notavelmente quando a consciência pública expressada pela sociedade civil possui voz para fomentar a vontade política internacional.

    Além disso, o tratado também representa um marco significativo na inclusão de atores não estatais, especialmente da sociedade civil global, nos de tratados de desarmamento com abordagem humanitária. Seu impacto reverberou em negociações subsequentes, como aquelas durante a elaboração da convenção sobre munições agrupadas em 2008 e, mais recentemente, do Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares em 2017.

    Em ambos tratados a sociedade civil global desempenhou um papel crucial na mobilização da vontade política internacional para estabelecer normas alinhadas aos princípios do direito internacional humanitário.

    [1] MASLEN, Stuart. Commentaries on Arms Control Treaties. The Convention on the Prohibition of the Use, Stockpiling, Production and Transfer of Anti-Personnel Mines and on their Destruction. Vol. I. Oxford Commentaries on International Law. Oxford: Oxford, 2004.

    [2] Ver: VIEIRA, G. O. Inovações em Direito Internacional: um estudo de caso sobre o Tratado de Ottawa. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006.

    [3] “The level of consultation and cooperation between States, NGOs and the ICRC in the elaboration of the Convention is probably unprecedented in international law”. MASLEN, op. cit. 2004, p. V.

    [4] Nye Jr., Joseph S. Soft Power: The Means To Success In World Politics. New York: Public Affairs, 2004.

    [5] Dados do Landmine Monitor 2023, Major Findings, disponível em: <

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