quinta-feira, 10 outubro, 2024
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    “combinação” de governo e STF prejudica empresas

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    A liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) que revogou a desoneração da folha de pagamento de 17 setores, além de parte dos municípios, gerou reações de empresas, especialistas em tributação e parlamentares. Isso mais uma vez evidenciou a insegurança jurídica no país.

    O novo triunfo do governo sobre os contribuintes no STF ainda não é final, porém já está produzindo efeitos. As empresas que se beneficiavam da desoneração devem retomar o pagamento integral da contribuição previdenciária já a partir de maio.

    No dia 25 de abril, o ministro do STF Cristiano Zanin suspendeu partes da lei que prorrogava a desoneração até 2027, aprovada pelo Congresso no ano anterior. A desoneração – estabelecida em 2011 no governo de Dilma Rousseff (PT) e prorrogada diversas vezes – estipula a substituição da contribuição previdenciária patronal (CPP), de 20% sobre a folha de salários, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta.

    A decisão de Zanin atendeu a solicitação feita um dia antes pela Advocacia-Geral da União (AGU), que moveu Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a desoneração. A liminar foi submetida ao plenário virtual da Corte horas depois e logo recebeu outros quatro votos acompanhando a suspensão. Com o placar de 5 a 0 a favor do governo e faltando apenas um voto para a formação de maioria, o ministro Luiz Fux solicitou vista e interrompeu o julgamento, num aparente freio de arrumação.

    Fux tem 90 dias para devolver o processo, o que permitirá a retomada do julgamento. Até lá, a decisão de Zanin continua vigente. Dessa forma, a partir do próximo dia 20 de maio, quando é realizado o recolhimento mensal, as empresas que eram desoneradas voltam a pagar a CPP sobre a folha de salários.

    A Gazeta do Povo, como empresa de comunicação, estava entre as beneficiadas pela desoneração.

    “A mudança abrupta impacta uma política pública extensivamente debatida e aguardada pelo setor produtivo, com implicações profundas para a segurança jurídica, crucial para o planejamento de longo prazo e decisões de investimento. Isso traz incerteza para as empresas que tinham planejado suas finanças e estratégias de contratação com base na continuidade da desoneração”, destaca o especialista em tributação Leonardo Roesler, do RMS Advogados. “Esse tipo de reviravolta legal pode minar a confiança no ambiente regulatório e legislativo.”

    Raciocínio por trás da decisão do STF é de arrecadação, segundo especialista em tributação

    Mariana Ferreira, do Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados, afirma que, embora tenha respaldo no princípio de responsabilidade fiscal, a argumentação da AGU é mais “voltada para a arrecadação do que para o aspecto legal”. O governo estima que deixará de arrecadar R$ 10 bilhões anualmente com a desoneração fiscal, montante que poderia colocar “em risco as contas fiscais”.

    “Toda a questão é de arrecadação”, diz a especialista em tributação. “Apesar de o argumento fiscal ser relevante, o momento da decisão, com os debates no Congresso, afetam a previsibilidade e estabilidade jurídica”.

    Para Roesler, a decisão, ao enfocar estritamente na legalidade formal, sem levar em conta as implicações econômicas, ignora a necessidade de uma “ponderação equilibrada entre os valores constitucionais em jogo e as realidades econômicas atuais”.

    Além disso, o especialista em tributação acredita que uma intervenção “drástica” do Judiciário em decisões legislativas pode representar uma ameaça ao princípio da separação dos Poderes. “A Constituição confere ao Legislativo a prerrogativa de formular políticas fiscais e econômicas, prerrogativa que deve ser respeitada, exceto em situações de flagrante inconstitucionalidade”, afirma.

    Judiciário tem sido parceiro do Executivo em decisões contra o contribuinte

    Não é a primeira vez que o Judiciário vem em auxílio do Executivo em questões fiscais. Em 2023, decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo TribunalJuízes do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram a favor da União em ao menos 16 processos tributários significativos, conforme apurado pelo escritório Machado Associados.

    Sobre a folha de salários, antes da estratégia de judicialização, o governo Lula já havia tentado impedir a decisão do Congresso vetando completamente a lei de desoneração aprovada pelos parlamentares. A medida concedia vantagens fiscais às prefeituras, o que diminuiria a contribuição previdenciária dos municípios com menos de 156,2 mil residentes.

    O veto de Lula foi derrubado pelo Congresso em dezembro. Contudo, pouco antes do fim do ano, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, emitiu a Medida Provisória (MP) 1.202, visando reonerar a folha de pagamento. A pressão dos parlamentares e dos setores econômicos afetados foi intensa devido ao risco de desemprego. Juntos, esses setores empregam cerca de 9 milhões de pessoas. Na ocasião, o Executivo alegou que a desoneração não trouxe benefícios ao mercado de trabalho nos últimos anos.

    Após muita pressão e negociação, o governo revogou a parte da MP 1.202 que prejudicava as empresas, porém manteve a parte que extinguia o benefício para os municípios. Posteriormente, no início de abril, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), optou por não estender a parte da MP relativa aos municípios – o que, na prática, restabeleceu o benefício fiscal para eles.

    No meio das negociações com o Congresso, Haddad encaminhou ao Legislativo o Projeto de Lei 493/24, com o intuito de tentar reduzir as perdas de arrecadação do governo. A proposta consiste em uma espécie de meio-termo, prevendo alíquotas reduzidas de contribuição previdenciária para os 17 setores econômicos, que seriam gradualmente aumentadas até 2027. No entanto, o Congresso não aceitou o projeto. Diante disso, Haddad decidiu levar o caso ao STF.

    O Congresso reagiu de forma negativa à iniciativa do governo. A relatora do projeto de desoneração proposto pelo Executivo, deputada Any Ortiz (Cidadania-SP), declarou à CNN nesta segunda-feira (29) que a judicialização foi uma “afronta ao Legislativo” e que o governo agiu de forma “negligente” nas discussões sobre o assunto.

    “A medida [de recorrer ao STF] também indica que o governo desistiu das negociações em torno das propostas atualmente em trâmite na Câmara sobre o tema”, analisou o economista Felipe Salto, da Warren Renna Investimentos, em comunicado.

    Governo ainda pode ser forçado a negociar

    Na sexta-feira (26), o Senado acionou o STF contra a decisão liminar, argumentando que ela se baseava em “pressupostos fáticos equivocados”. Nesta segunda-feira, o ministro Zanin deu 15 dias para a Advocacia-Geral da União se posicionar sobre o recurso.

    Entidades como a Federação das Indústrias do Paraná (Fiep) e a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) solicitaram ser incluídas no julgamento como amicus curiae, termo que designa terceiros que fornecem subsídios ao órgão julgador.

    Ao recorrer, Pacheco deixou claro que sua posição não era contra o Judiciário, mas sim contra o governo. Isso provocou uma crise que resultou em troca de críticas pela imprensa entre Haddad e Pacheco.

    O ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Alexandre Padilha, tentou suavizar o confronto. Nesta segunda-feira, ele afirmou que é “natural” o chefe da equipe econômica defender a “sustentabilidade das contas públicas” e que Pacheco defenda a decisão do parlamento.

    Na noite de segunda-feira, Haddad disse aos jornalistas que está disposto a retomar as negociações com o Congresso e que tem conversado com os setores afetados e com os representantes dos prefeitos.

    A percepção dos analistas é que o governo pode ceder, temendo possíveis derrotas em votações futuras de interesse do Executivo. As negociações podem progredir após uma conversa entre Haddad e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que deve prosseguir.ocorrer nessa terça-feira (30).

    Setores respondem com revolta à decisão do STF

    Em comunicado, 21 entidades representativas dos ramos demonstraram sua discordância com a determinação do ministro Zanin, destacando os impactos da política de desoneração. “Essa estratégia governamental da tributação substitutiva da folha por percentuais da receita bruta gerou, no intervalo de janeiro de 2011 a fevereiro de 2024, um aumento de 9,7% no volume de empregos criados pelos 17 setores incluídos nesse sistema tributário, direcionado à promoção do emprego formal”, menciona o texto.

    “Numa análise mais recente, entre janeiro de 2019 e fevereiro de 2024, esse crescimento nos empregos formais nos mesmos setores foi ainda mais significativo, atingindo 19,6%, ultrapassando em 5,3 pontos percentuais o desempenho dos demais segmentos econômicos. Esses 17 setores atualmente empregam 9,3 milhões de colaboradores, e somente nos dois primeiros meses de 2024 foram gerados 151 mil novos empregos. Além disso, o salário médio nessas áreas é 12,7% superior aos ramos que não se beneficiam dessa isenção tributária”, declara o documento.

    A Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo (Fetpesp) manifestou “profunda revolta em relação à decisão do ministro Cristiano Zanin”.

    “Essa determinação, nitidamente contrária à preservação dos empregos no país, terá um efeito negativo nas empresas de transporte que ainda lutam para se recuperar das perdas causadas pela pandemia. Além disso, elevará o custo das passagens de ônibus, sobrecarregando a população que utiliza esse meio de transporte”, relata a nota.

    De acordo com a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), a reoneração resultará em um incremento médio de R$ 0,31 nas tarifas de transporte.

    O Sindicato das Indústrias Avícolas do Estado do Paraná (Sindiavipar) enfatizou que a desoneração foi “duplamente aprovada pelo Congresso Nacional por uma maioria esmagadora de votos em um processo democrático transparente”.

    “Além de violar o princípio constitucional da equidade entre os três poderes, a lamentável medida, que atende a um pedido inoportuno do governo federal, expõe mais uma intervenção indevida do STF em atribuições que são exclusivas do Legislativo, com o potencial de levar à demissão de milhões de trabalhadores, restringir novas contratações, aumentar os custos de produção com um impacto inflacionário forte e elevar a insegurança jurídica do Brasil, fator que já está desencorajando novos investimentos na economia e freando o crescimento nacional”, declarou o Sindiavipar.

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