quarta-feira, 11 setembro, 2024
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    Declaração de Lula sobre Venezuela reforça alinhamento à “democracia relativa”

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    O chefe Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reiterou o apoio ao regime de Nicolás Maduro na Venezuela. Enquanto Maduro utiliza artifícios eleitorais para se manter no comando, Lula defendeu a “presunção de inocência” para a eleição convocada pelo líder venezuelano. De acordo com os especialistas consultados pela Gazeta do Povo, ao negligenciar as transgressões cometidas por Maduro, o petista reforça mais uma vez seu respaldo ao ditador.

    “Lula endossa as ações de Maduro e se omite diante de outras, como a ameaça do ditador à Guiana, sobre a qual sequer se pronunciou para não prejudicar o companheiro Maduro”, destaca o analista de relações internacionais Cezar Roedel, referindo-se à ameaça de invadir e anexar o território de Essequibo, na Guiana, feita por Maduro. Essa área corresponde a 70% do território da Guiana e possui reservas de petróleo, minerais e até urânio.

    Ao abordar a situação eleitoral no país vizinho, nesta quarta-feira (6), o petista também criticou a principal adversária de Maduro, María Corina Machado, que foi impedida de participar da eleição.

    Em declarações à imprensa, Lula fez uma comparação indireta entre a situação de María Corina e a dele próprio, que em 2018, condenado por corrupção, não pôde concorrer nas eleições presidenciais daquele ano. “Fui impedido de me candidatar em 2018. Em vez de ficar lamentando, indiquei outro candidato”, afirmou o petista. Em seu perfil no X (antigo Twitter), a candidata acusou Lula de apoiar as violações cometidas pelo autocrata venezuelano.

    “Luto para fazer valer o direito de milhões de venezuelanos que votaram em mim nas primárias e daqueles que têm o direito de votar em uma eleição presidencial livre, na qual vencerei Maduro. Você está legitimando os abusos de um autocrata que desrespeita a Constituição e o Acordo de Barbados, os quais ele supostamente apoia. A única verdade é que Maduro teme enfrentar-me porque sabe que o povo venezuelano está hoje nas ruas comigo”, escreveu Corina.

    Após os comentários dela e a repercussão negativa na imprensa brasileira da declaração de Lula, o Planalto enviou um comunicado aos jornalistas afirmando que o “presidente não fez afirmação sobre nenhuma pessoa em particular” e que Corina teria feito uma “suposição sem fundamento” que “demonstra que ela não conhece o presidente”, conforme divulgado pela CNN.

    María Corina Machado venceu as primárias de seu partido, o Vente Venezuela, em outubro de 2023 e desde então se tornou alvo do governo de Maduro. Em janeiro, o Supremo Tribunal Federal do país, alinhado a Maduro, desqualificou Corina como concorrente no pleito.

    Recentemente, o ditador também ordenou a prisão da ativista política Rocío San Miguel, decretou a expulsão de membros da Organização das Nações Unidas (ONU) do país e removeu das duas principais operadoras locais de TV a cabo a transmissão do canal alemão Deutsche Welle (DW) após a emissora veicular uma reportagem sobre corrupção no chavismo e conexões com o crime organizado.

    O presidente brasileiro evitou comentar esses casos. Nas poucas vezes em que se pronunciou sobre a situação política no país vizinho, fez gestos de apoio a Maduro. Em junho de 2023, o petista chegou a afirmar que a Venezuela realizava mais eleições que o Brasil e que a concepção de democracia é “relativa”.

    Governo Lula intermediou para viabilizar eleições na Venezuela

    No ano passado, o governo Lula atuou para que a Venezuela firmasse um acordo em prol das eleições no país vizinho. Diversos países, membros do atual governo e partidos da oposição venezuelana assinaram o Acordo de Barbados. No texto, Maduro se comprometeu a realizar um processo eleitoral democrático e seguro no país em 2024 e a cumprir uma série de medidas para garantir a transparência do pleito.

    Como estímulo, os Estados Unidos concordaram em reduziros embargo impostos à Venezuela com a condição do governo firmar compromisso com o tratado. O Brasil participou ativamente do acordo e Lula enviou seu assessor para assuntos especiais, Celso Amorim, para atuar nas negociações. O regime de Maduro, entretanto, não tem agido de acordo com o que havia prometido.

    Além de tornar sua principal adversária inelegível, o político Henrique Capriles, um possível substituto para María Corina e que já foi candidato à presidência duas vezes, também foi considerado inabilitado para concorrer ao pleito deste ano. Na última semana, o governo da Venezuela ainda apresentou ao Conselho Nacional Eleitoral uma proposição para eleições de acordo com interesses do ditador. O novo documento tem a intenção de anular o Acordo de Barbados.

    Apesar das evidências e das diversas artimanhas, Lula ainda insiste em defender o processo eleitoral que Maduro está organizando.

    “A gente não pode já começar a jogar dúvida antes de as eleições acontecerem. Porque aí começa a ter um discurso de que vai prever antecipadamente que vai ter problema. Nós temos que garantir a presunção de inocência até que haja as eleições”, afirmou o petista.

    Para o cientista político e especialista em política da Venezuela, William Clavijo Vitto, Lula respaldar a decisão do poder judiciário venezuelano, controlado por Maduro, contraria o estabelecido no Acordo de Barbados, que Lula diz apoiar.

    “É impressionante a determinação de Lula de respaldar o governo Maduro colocando em risco seu próprio capital político interno além da sua credibilidade internacional, mesmo consciente de que este é um governo autoritário e desprestigiado internacionalmente”, critica Vitto.

    Eleições na Venezuela não garantem processo eleitoral democrático, avaliam especialistas

    Após forte pressão internacional, Maduro anunciou que o pleito presidencial na Venezuela ocorrerá em 28 de julho. Mas o fato de marcar eleições não garante que o processo eleitoral de um país seja democrático, segundo apontam analistas com quem a reportagem conversou. Além disso, Lula, com seus comentários, acaba minando sua credibilidade para atuar como um intermediador da situação interna no país vizinho.

    “[Essas eleições são] um teatro farsesco. Uma ditadura deprimente querendo vender a ideia de que há democracia e alternância de poder na Venezuela. Procedimento muito similar ao russo. Maduro e o seu ‘Tribunal Constitucional’, demoveram todos os opositores do pleito, pelos motivos mais risíveis”, pontua Cezar Roedel.

    O consultor de política internacional da BMJ Consultores Associados, Vito Villar, explica que um dos pontos de referência para considerar um pleito democrático é a determinação utilizada pelo Instituto Carter. O organismo norte-americano foi fundado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter e atua como observador de eleições internacionais.

    Entre as caraterísticas observadas pelo instituto para aprovar uma eleição estão: o voto secreto, a liberdade de expressão, liberdade de agremiação, liberdade de protesto e a liberdade de votar e ser eleito. A transparência e a possibilidade de observadores internacionais isentos também são consideradas. Características que, para os especialistas, não são observadas na Venezuela.

    “Ao se observar, são aspectos que se não totalmente suprimidos, são parcialmente contestados [na Venezuela]”, pontua Vito Villar. Além das recentes manobras de Maduro para eliminar os principais opositores da disputa, o consultor de política internacional relembra ainda o fato de que o processo pós-eleições também pode ser questionável na Venezuela.

    “É óbvio que Maduro tem uma forte influência em toda cadeia pública venezuelana. E essa influência se dá em todos os níveis, seja na força militar que ele controla, em parte da população que ainda o apoia,ou ainda em virtude da capacidade que ele possui e com isso consegue ingressar nas instituições e apresentar suas visões para atingir seus propósitos”, analisa.

    Lula e seus gestos à Venezuela

    As declarações desta quarta-feira não foram as primeiras em que Lula fez gestos ao governo de Maduro. Desde que assumiu para este terceiro mandato, o petista tem atuado em uma tentativa de “reabilitar” a imagem de Nicolás Maduro.

    Acusado de violações aos direitos humanos, de manter prisioneiros políticos e manipular o pleito eleitoral na Venezuela para se manter no comando, Maduro está sob escrutínio das Nações Unidas (ONU). No poder há mais de 13 anos, o venezuelano é acusado de ser o responsável por mergulhar o país em uma grave crise econômica e humanitária.

    Lula, entretanto, tenta promover outra imagem do ditador. Em maio de 2023, o brasileiro recebeu Nicolás Maduro em Brasília para a Cúpula da América do Sul. Recebido com honrarias de chefe de Estado, Maduro foi o único presidente sul-americano que desembarcou no país um dia antes do evento.

    Após encontros bilaterais, o petista chegou a afirmar, em entrevista coletiva, que Maduro era “alvo de uma narrativa de antidemocracia e autoritarismo”. A declaração gerou diversas críticas ao brasileiro, tanto de opositores quanto de apoiadores.

    “Ao agir colocando as suas preferências ideológicas acima dos interesses nacionais, Lula atuou como presidente de um país soberano. Suas palavras serviram para reforçar ainda mais o apoio a Maduro”, avalia Roedel.

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