quarta-feira, 9 outubro, 2024
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    Desafios e alternativas legais para a vida em conjunto residencial

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    O aumento do número de pessoas vivendo em conjuntos habitacionais vem crescendo a cada ano, devido à praticidade que oferecem, diminuição do tamanho das famílias, alto índice de separações e, principalmente, segurança.

    Spacca

    De acordo com o levantamento demográfico do IBGE de 2022, atualizado em 2023, a proporção de apartamentos no país aumentou mais de 4,1 pontos percentuais em 12 anos, passando de 8,5% para 12,5%, e expandiu-se em todas as regiões e estados.i Isso sem mencionar os conjuntos de escritórios e os residenciais planos, que se ampliam nas metrópoles e em regiões turísticas.

    Essa mudança social levou muitas pessoas acostumadas a uma vida individualista a ter que se adequar às regras de convivência de outros, o que gera conflitos, às vezes por falta de conhecimento, em outras por simples falta de educação, moradores peculiares ou até mesmo criminosos.

    Os conjuntos residenciais foram normatizados pela Lei 4.591, de 1964, época em que a maioria da população vivia em residências unifamiliares. Alguns dispositivos ainda estão em vigor, e em 2002 entrou em vigor um novo Código Civil que trata do assunto em diversos capítulos.

    O art. 1.333 trata da convenção que estabelece o conjunto habitacional, a qual deve ser assinada pelos proprietários de, no mínimo, dois terços das frações ideais. O regulamento interno, agora chamado de R.I., complementa a convenção e é previsto no art. 9º, § 2º da Lei 4.591/64. Vale ressaltar que enquanto o R.I. trata mais das questões do dia a dia e da convivência entre os moradores, a convenção aborda questões mais abrangentes do conjunto habitacional, inclusive sobre diretrizes administrativas.ii Muitas vezes o R. I. faz parte da própria convenção.

    Obviamente, as situações são distintas em um pequeno edifício com 6 apartamentos e em um conjunto com diversas torres e centenas de unidades residenciais. Contudo, é indiscutível que os desafios não se restringem a nenhuma camada social, estando presentes tanto nos conjuntos habitacionais populares quanto nos mais sofisticados.

    Os direitos e obrigações dos moradores estão regulamentados nos artigos 1.335 e 1.336. Como os conflitos entre os moradores são inevitáveis, o art. 1.536, inc. IV, estabelece expressamente que o imóvel não pode ser utilizado de forma prejudicial ao sossego, saúde e segurança dos ocupantes, ou aos bons costumes.

    Muitas das controvérsias existentes já possuem jurisprudência consolidada nos tribunais, o que facilita a tomada de decisões por parte do síndico. Por exemplo, locação de imóvel pelo sistema AirBnB. Essa prática, que é internacional e relativamente recente, pode causar transtornos e riscos aos demais moradores, já que a entrada do locatário é praticamente livre, sem qualquer averiguação além da comprovação do depósito. Nesse tipo de contrato, o STJ estabeleceu jurisprudência proibindo a locação, desde que haja cláusula proibitiva na convenção do conjunto habitacional.iii Portanto, aos moradores que se sentem prejudicados, cabe zelar para que a proibição seja incluída na convenção do conjunto habitacional, com a presença de 2 terços dos condôminos. Importante salientar que, se não houver vedação a esse tipo de locação.e o arrendador alugar a pessoas que ocasionem perturbação no local, ele assume a responsabilidade civil em conjunto com o arrendatário.iv

    Em geral, as práticas que geram mais conflitos são as seguintes:

    Descarte de cigarros e de resíduos em prédio vertical

    É habitual os regulamentos internos proibirem cuspir, jogar papel, dejetos pela janela. Pontas de cigarros acesas acrescentam um perigo fora do comum, porque podem causar dano a bens de outros condôminos ou do prédio, eventualmente até incêndio. A complexidade está em fazer a prova da autoria, já que raramente se sabe de onde foram lançados. No entanto, hoje em dia há câmeras que alcançam 20 metros no escuro. Por exemplo, a Canon anuncia a câmera de segurança MS-500, como a melhor captação de imagem no escuro, mesmo sem função infravermelha.v

    Excesso de barulhos dentro e fora do horário permitido

    Os barulhos em prédios verticais ou horizontais geralmente são de festas noturnas. Festas podem ocorrer nas unidades e prejudicar diretamente os vizinhos mais próximos. A primeira medida é tentar dialogar. Se não funcionar, o melhor a fazer é gravar com o celular o som e filmar o horário em frente a um programa de TV que demonstre a hora. Em casos extremos, comunicar à Polícia e fazer registro do ocorrido. Posteriormente, comunicar ao síndico, com cópia do registro e arquivo da gravação e vídeo, para aplicação de penalidades. A vítima direta também pode propor ação indenizatória por danos morais, inclusive contra o proprietário, pois, conforme decidiu o TJMG, a responsabilidade civil é solidária.vi

    Também é importante que os prédios tenham nos seus R.I. o horário para encerrarem as festas e, no salão disponível, qual o número máximo de convidados. Por fim, nos prédios de grande porte é recomendável que o síndico tenha e informe aos condôminos o número de decibéis permitidos pelo municípiovii e adquira um decibelímetro (R$ 108,90) para emergências.viii Por exemplo, em Curitiba, à noite permite-se até 50 decibéis e de dia, 55.

    Uso e tráfico de entorpecentes no prédio, tanto nas áreas comuns quanto nas particulares

    O uso de entorpecentes constitui crime previsto no art. 28 da Lei 11.343/206. Mesmo que pareça desnecessário, é recomendável que a proibição em área comum conste na convenção do prédio. Câmeras com gravações serão provas sólidas da prática da infração. Se for reiterada, a multa poderá ser estipulada, com base no art. 1.337, par. único, do Cód. Civil, no décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, por ser um comportamento antissocial reiterado.

    Caso o uso seja feito no interior de uma unidade, situação mais comum entre jovens, o melhor caminho é notificar os pais do usuário, alertando sobre a sua responsabilidade. Se for imóvel alugado, será adequado comunicar os fatos ao locador, informando-o de que poderá ser responsabilizado administrativa e civilmente, com base no art. 1.336, IV da legislação civil. Neste sentido a jurisprudência do TJSP.ix

    Não surpreenderá a ninguém que um morador mais ousado comece a comercializar entorpecentes no edifício, ainda que de forma discreta. Tal comportamento configura o delito previsto no art. 33 da mencionada Lei 1.343. Uma vez constatado o tráfico, referente a pessoa sem periculosidade, o administrador poderá dialogar sobre a situação, antes de buscar evidências, que podem ser vídeos das câmeras, a quantidade de indivíduos que entram e saem do local e depoimentos, reunindo elementos para a imposição de sanção. Em situações extremas, com risco de uma vingança violenta ou até fatal, deve ser feita comunicação à autoridade policial. No entanto, o administrador não deve assiná-la sozinho, mas sim com os demais integrantes do Conselho.

    Despejo de resíduos em via pública e descarte de detritos orgânicos em lugar destinado ao reciclável

    Por desinformação ou desinteresse, indivíduos abandonam resíduos nas áreas coletivas, prática sempre vedada nos Regulamentos Internos, tornando o ambiente desagradável, propiciando a proliferação de insetos e desvalorizando os imóveis. Além disso, muitos não separam lixo reciclável dos rejeitos inaproveitáveis, acarretando prejuízo econômico nas vendas posteriores de catadores de papel ou do próprio condomínio. Os resíduos sólidos são regulados pela Lei 12.305, de 2010, a qual aborda a reciclagem nos princípios e objetivos (art. 6º, XI, “a”). Dessa forma, tais comportamentos devem ser combatidos e a segunda situação (lixo reciclável) incluída também no Regulamento Interno. Mesmo cientes da dificuldade de comprovação disso.

    Outras tantas questões podem surgir. Por exemplo: o armazenamento de explosivos no interior de apartamento. Em 24 de fevereiro deste ano, houve explosão de armas e munições de uso militar dentro de um apartamento em Campinas, provocando incêndio de grandes proporções, os quais eram guardados por um Coronel do Exército.x Outro exemplo de risco é a realização de obras internas na unidade, que comprometam a segurança da edificação, ato proibido pelo art. 1.336, inc. II do Código Civil. Ainda, dejetos de cães em condomínios horizontais, situação de simples verificação com a realização prévia de exame de DNA em todos os cães que nele habitam e averiguação posterior nos dejetos deixados. Não se trata de um devaneio, mas sim de algo praticado em condomínios nos Estados Unidos, com a condenação do responsável pelo animal ao pagamento da multa e o exame de DNA nas fezes.xi

    Além destes, diversas são as situações, como ameaças de morador multado ao administrador, ofensas na rede de comunicação e até mesmo perseguição a uma moradora ou funcionária, fato que pode configurar o delito do art. 147-A do Código Penal.

    É fundamental equilíbrio e ponderação aos condôminos e à administração do condomínio para enfrentá-los. O essencial é: a) incluir as situações mencionadas nesta pesquisa no Regulamento Interno; b) reunir evidências de tudo o que possa ser relevante, guardá-las e compartilhá-las, para que estejam disponíveis, inclusive, para futuras administrações; c) em casos mais complexos, contratar consultoria jurídica especializada; d) em situações extremas, propor ação visando à expulsão do condômino indesejado, o que é reconhecido como aceitável pelo STJ.xii

    Por último, nos condomínios de médio e grande porte a criação de um Centro de Mediação, não compulsório obviamente, voltado para incentivar tentativas de conciliação, com a participação de 3 ou mais proprietários.que atuarão como colaboradores, pode ser uma excelente alternativa para muitos desentendimentos. Uma vez firmado o acordo, elabora-se um documento que deverá ser seguido pelas partes e, se descumprido, servirá de evidência em possível litígio. Caso não haja consenso, procede-se como de praxe.

    Por fim, acima de tudo o objetivo principal deve ser buscar viver em equilíbrio com os demais moradores e desfrutar dos aspectos positivos do condomínio.

    iii STJ, Ag. no REsp Nº 2296042 – SP (2023/0041388-8), Rel. Ministro Marco Aurélio Belizze, j. 6 jun. 2023.

    iv TJRJ, APELAÇÃO CÍVEL: 0001829-70.2021.8.19.0003, Rel. Des. Marcos Chut, 22ª. Câmara de Direito Privado.

    ix TJSP, Apelação Cível nº 1103277-79.2018.8.26.0100. 32ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Luiz Fernando Nishi, j. 15 jun. 2020.

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