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Situações estressantes como o falecimento de um dos genitores, o divórcio ou uma enfermidade grave enfrentada na infância ou na meia-idade podem nos deixar mais propensos ao desenvolvimento do mal de Alzheimer mais adiante, de acordo com uma pesquisa recente.
As conclusões são apresentadas em um artigo de análise de março nos Anais de Neurologia.
Detalhes da pesquisa
O fardo crônico afeta o funcionamento e a estrutura do cérebro, e cada vez mais, evidências sugerem que também desempenha um papel no desenvolvimento do mal de Alzheimer. O estudo de março analisou as conexões entre os “eventos estressantes da vida” acumulados e seus impactos em diferentes biomarcadores associados ao Alzheimer – incluindo o volume de massa cinzenta e a inflamação cerebral.
Participaram do estudo 1.290 indivíduos com risco elevado de desenvolver Alzheimer – em grande parte por serem descendentes de alguém na família que convivia com a doença. O grupo estava “cognitivamente íntegro” e tinham entre 45 e 74 anos.
Os pesquisadores analisaram dezoito eventos estressores específicos da vida e quando ocorreram na vida dos participantes. Os eventos avaliados no estudo foram:
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- Óbito materno
- Óbito paterno
- Separação dos genitores
- Vítima de maus-tratos
- Aborto espontâneo
- Criança com deficiência
- Separação conjugal
- Falecimento de um companheiro
- Falecimento de uma criança
- Falecimento de alguém próximo
- Doença grave de pessoa próxima
- Doença grave
- Institucionalização
- Ficar desempregado
- Aposentadoria
- Perda financeira
- Questões legais
- Traumatizantes nos primeiros anos de vida
O estudo caracteriza esses acontecimentos como “capazes de desencadear mudanças que demandam adaptação na vida dos indivíduos”. Contudo, a forma como cada pessoa encara a experiência pode também classificá-los como eventos impactantes – mas abordaremos isso mais adiante.
Uma parcela reduzida do grupo (393 de 1.290) teve amostras de líquor colhidas para examinar a presença de proteínas amiloides e tau – proteínas relacionadas à enfermidade de Alzheimer.
Os cientistas também analisaram o volume de substância cinzenta no cérebro dos participantes. A matéria cinzenta é essencial para receber e processar dados do nosso entorno. Com frequência, há uma diminuição da massa cinzenta em indivíduos com Alzheimer.
Os pesquisadores também avaliaram a inflamação cerebral, que se acredita ser um dos mecanismos centrais da enfermidade de Alzheimer.
Processo Inflamatório Cerebral
Na última década, a inflamação cerebral emergiu como uma das principais patologias da enfermidade de Alzheimer, juntamente com a presença de placas beta amiloides e emaranhados neurofibrilares, de acordo com um estudo publicado na revista Alzheimer e Demência em 2018.
Múltiplas pesquisas demonstraram que, adicionalmente às placas beta amiloides e aos emaranhados neurofibrilares, havia evidências de inflamação prolongada e sustentada no cérebro de pacientes com Alzheimer. Esta resposta inflamatória foi observada em pacientes com Alzheimer após a morte e nos estágios iniciais da doença, prévio ao diagnóstico, concluiu o estudo.
O mesmo estudo constatou que a inflamação crônica no cérebro não é exclusiva da enfermidade de Alzheimer, e o aumento da inflamação foi observado no cérebro de indivíduos com doença de Parkinson, esclerose lateral amiotrófica e esclerose múltipla.
A origem da inflamação cerebral é a micróglia – as células imunes do cérebro. Essas células são cruciais para a saúde cerebral e superam nossos neurônios em dez para um. A micróglia possui o papel fundamental de eliminar neurônios falecidos e outros resíduos, incluindo placas beta amiloides, e auxiliar na contenção da propagação das proteínas tau – mantendo o cérebro em ótimas condições de funcionamento.
Quando ocorre inflamação no cérebro, devido à ação da micróglia, a comunicação entre os neurônios se torna mais lenta, dificultando a geração de energia. Isso resulta em sintomas que vão desde confusão mental e pensamento moroso até dificuldade de concentração. A inflamação prolongada leva à morte neuronal e ao surgimento de doenças neurodegenerativas como a enfermidade de Alzheimer e outras demências.
O estresse é essencial para a sobrevivência, e o aumento dos níveis de hormônios como o cortisol e a adrenalina (que ativam nossa resposta de luta ou fuga) são cruciais para evitar situações perigosas. Contudo, quando o estresse persiste, a liberação constante desses hormônios pode resultar em inflamação e desencadear uma série de severas consequências para a saúde.
Resultados da Pesquisa
Os cientistas identificaram que eventos estressores na infância e
Na meia-idade, estavam relacionados a proteínas beta amiloides e tau anômalos no cérebro, que são considerados indicadores biológicos da enfermidade de Alzheimer. Contudo, não descobriram-se que eventos estressantes diminuíssem o volume geral de massa cinzenta.
O estudo indica que existe uma conexão entre trauma na infância e inflamação. “Os nossos resultados estão em conformidade com as evidências emergentes que sugerem que o trauma infantil está associado ao aumento da inflamação na idade adulta e com as evidências que sugerem que o perigo de desenvolver inflamação crônica é afetado pelo desenvolvimento inicial e perdura ao longo da vida, influenciando a saúde mais adiante na vida”.
Diversos estudos também sugerem que a meia-idade é quando os indicadores biológicos da enfermidade de Alzheimer começam a se acumular no cérebro e estudos indicam que eventos intensamente estressantes podem impactar ou mesmo apressar esse processo.
Outras descobertas do estudo evidenciaram que eventos estressantes totais estavam ligados a proteínas beta amiloides, neuroinflamação e redução da massa cinzenta, porém apenas em indivíduos com histórico de transtornos psiquiátricos.
Os resultados também foram distintos entre homens e mulheres.
Para as mulheres do grupo, os eventos estressantes totais da vida estavam associados à diminuição da massa cinzenta, mas o mesmo não ocorreu com os homens. Nos homens, os eventos estressantes totais da vida estavam relacionados às proteínas tau, porém o mesmo não aconteceu com as mulheres. Embora o estudo não tenha determinado o porquê, pode ser a diferença na maneira como homens e mulheres reagem ao estresse–tanto fisicamente quanto psicologicamente.
Pressão, trauma e o cérebro
O falecimento de um dos pais, o divórcio, a perda do trabalho ou o diagnóstico de uma patologia são situações que muitos de nós enfrentaremos, e os especialistas que estudam o trauma começam a compreender que esses acontecimentos adversos que todos nós passamos podem modificar o cérebro e mudar a maneira como percebemos o nosso mundo.
Uma definição simples de trauma é um evento que ultrapassa a nossa habilidade de lidar com ele no instante. Trauma é o impacto do estresse constante ou intenso.
Em seu filme A sagacidade do trauma Gabor Mate, médico, autor de best-sellers e especialista em trauma e vício, descreve o trauma dessa forma: “Trauma não são os acontecimentos ruins que vivenciamos, mas o que ocorre dentro de nós como resultado do que vivenciamos”. Trauma é como reagimos às situações que nos acontecem e não aos eventos em si.
Um artigo difundido na Chronic Stress explica os efeitos do estresse no cérebro. “O cérebro é o
Centro principal do estresse e da adaptação ao estresse porque identifica e determina o que é ameaçador…”
O conjunto límbico (decade3d – anatomia online/Shutterstock)
Uma publicação disponível em Diálogos em Neurociência Clínica afirma que o Trauma impacta três regiões do cérebro: a amígdala, o hipocampo e o córtex pré-frontal.
O núcleo emocional está situado nas profundezas do cérebro e faz parte do conjunto límbico. Está implicado em reações afetivas e comportamentais, especialmente aquelas cruciais para a sobrevivência. A amígdala é uma pequena estrutura em forma de amêndoa responsável por processar emoções e regular nossa reação ao temor. Ao detectar uma ameaça, a amígdala ativa nossa reação de combate, fuga ou congelamento.
O hipocampo é a região cerebral que processa as emoções e é essencial para criação e retenção de memórias de longo prazo. Ao detectar uma ameaça, o hipocampo sinaliza a liberação de cortisol, um hormônio do estresse que desloca todos os recursos do corpo para funções essenciais à sobrevivência diante da situação ameaçadora. Além disso, ele desabilita processos não vitais, como a digestão, proporcionando a melhor chance de sobrevivência.
Numa pesquisa publicada na Biological Psychology, exames cerebrais mostraram que, após o trauma, o hipocampo teve redução de tamanho.
O córtex pré-frontal é a região cerebral responsável pelo pensamento, raciocínio, solução de problemas e lógica mais avançada e controla o foco e a atenção.
Um estudo divulgado na Neurobiological Stress investigou a reação ao estresse, o transtorno de estresse pós-traumático e seus impactos no córtex pré-frontal. Concluiu-se que a disfunção nessa região cerebral causada por trauma pode resultar em alterações comportamentais que envolvem “condutas agressivas e irritáveis, explosões de humor, comportamento imprudente, problemas de concentração em tarefas que demandam vigilância, como trabalhos escolares, e distúrbios do sono”.
Um artigo em Stat Pearls analisa a fisiologia da resposta ao estresse, explicando que quando esses sistemas funcionam de maneira adequada, reagem à ameaça percebida e retornam ao estado normal após o perigo passar, gerando uma reação conhecida como estresse agudo. O estresse ou trauma crônico, porém, classificado no artigo como traumático, ambiental, psicológico e fisiológico, acarreta uma variedade de problemas extensos e compromete a saúde e o bem-estar.
Uma amígdala excessivamente ativa faz-nos sentir perigo em todas as situações (mesmo na ausência dele). Isso pode levar a angústia e melancolia, além de outros impactos adversos em nossa saúde, incluindo inflamação.
Uma análise sistemática divulgada na Psychopharmacology examinou os impactos dos estressores psicossociais nas microglia (células de defesa do cérebro) e suas implicações nas enfermidades mentais. O estudo concluiu que “diversos fatores de estresse psicossocial ocasionam uma atividade microglial elevada no hipocampo, e há evidências consistentes de que isso também ocorre em outras áreas do cérebro”.
A liberação contínua de hormônios do estresse, como cortisol e adrenalina, também pode ter desdobramentos negativos. Por exemplo, níveis prolongados de cortisol podem ocasionar enfraquecimento do sistema imune e tornar as pessoas mais suscetíveis a enfermidades e infecções. Pesquisas têm apontado que níveis elevados de cortisol em longos períodos podem resultar em hipertensão, diabetes, aterosclerose e inflamação.
Essas vivências também parecem ter um impacto mais profundo na infância, e estudos sugerem que indivíduos que passaram por traumas na infância têm uma probabilidade muito maior de desenvolver enfermidades crônicas na fase adulta.
Neuroplasticidade
Apesar da análise anterior indicar que esses eventos desfavoráveis têm a capacidade de modificar nossos cérebros e desencadear problemas como enfermidades neurodegenerativas mais tarde, um fator nos traz esperança de que o cérebro possua a habilidade de se regenerar por si mesmo: a neuroplasticidade.
A neuroplasticidade consiste em mudanças e reorganizações contínuas do cérebro em resposta ao ambiente em que está inserido. Essa capacidade de adaptação e transformação possibilita a recuperação do cérebro frente a eventos traumáticos. Um pesquisa divulgada no Biological Psychiatry mostrou que a redução do volume no hipocampo era reversível quando o estresse e seus correspondentes níveis de cortisol eram reduzidos.
Outras pesquisas confirmam que a direção da neuroplasticidade pode ser uma ferramenta eficaz no tratamento de enfermidades neurodegenerativas.
Uma análise divulgada na revista Translational Neurodegeneration em 2020 utilizou diferentes métodos de estimulação cerebral para atingir a neuroplasticidade em pacientes com Alzheimer e Parkinson. Apesar de ainda estar em fase de estudo, os autores concluíram que “visar a neuroplasticidade comprometida com métodos avançados de estimulação cerebral poderia proporcionar uma abordagem nova e eficaz para o tratamento da DA [doença de Alzheimer] e DP [doença de Parkinson]”.
Um artigo editorial divulgado na Frontiers
No campo da Neurociência, foi realizado um estudo sobre os benefícios da plasticidade cerebral induzida pela atividade física. Observou-se que a prática de exercícios resistidos em específico, é capaz de diminuir a acumulação de beta-amiloide, a neuroinflamação e os emaranhados neurofibrilares em modelos experimentais de Alzheimer, tanto em seres humanos quanto em animais. Por essa razão, foi sugerido como uma estratégia terapêutica viável, não apenas para a melhoria dos sintomas, mas também para a prevenção e controle do avanço da degeneração cerebral na doença de Alzheimer.
Considerações Finais
Embora não haja garantias absolutas na prevenção do Alzheimer, A Associação de Alzheimer propõe dez práticas saudáveis para promover a saúde cerebral e diminuir o risco de declínio cognitivo, e quiçá, de Alzheimer e demência.
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- Mantenha seu cérebro ativo
- Seja um eterno aprendiz
- Pratique exercícios regularmente
- Proteja sua cabeça – use sempre capacete e cinto de segurança quando necessário para evitar lesões
- Evite o tabagismo
- Monitore sua pressão arterial
- Controle a diabetes
- Adote uma alimentação saudável
- Mantenha um peso adequado
- Tenha um sono de qualidade
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Ao fazer escolhas conscientes, nos capacita para manter a saúde cerebral ótima agora e no futuro.
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