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A expressão “existir ou não existir, aí está o dilema” é, sem dúvida, uma das frases mais marcantes da literatura mundial, oriunda da peça Hamlet, escrita por William Shakespeare. Este trecho é pronunciado pelo príncipe Hamlet durante um monólogo no terceiro ato, cena 1, no qual ele reflete profundamente sobre a natureza da vida humana e os desafios que enfrenta. De fato, a reflexão apresentada neste monólogo desdobra-se em um dos pilares fundamentais que sustentam a complexa trama do nosso dia a dia: a necessidade de tomar decisões.
Sem dúvida, a vida nos impõe a todos a constante e inevitável tarefa de tomar decisões: existir ou não existir; fazer ou não fazer; isso ou aquilo; este ou aquele; partir ou permanecer; falar ou manter o silêncio, abraçar ou afastar-se de abraçar; casar ou adquirir uma bicicleta. Enfim, diante de um ponto de divergência ou de uma bifurcação situacional, somos convidados a exercer nossa capacidade de discernir entre diferentes opções e caminhos. Eis o questionamento que incessantemente nos desafia.
Schopenhauer e Sartre
Schopenhauer, em uma de suas obras, destaca o fato de que, ao fazermos uma escolha, devemos assumir plenamente a responsabilidade por essa decisão. Ele nos adverte que, uma vez tomada a decisão, não há como escapar das suas consequências.
O tema “tomar decisões” poderia ser abordado sob diversas perspectivas, e cada área do conhecimento oferece uma abordagem singular e valiosa para compreender a natureza humana que nos leva a decidir entre uma coisa e outra, bem como as implicações dessas escolhas tanto para nossa vida individual – eu comigo mesmo – quanto para a vida em sociedade – eu com o outro.
No entanto, para a breve análise proposta aqui, revela-se de grande importância a reflexão de Jean-Paul Sartre, segundo a qual “estamos predestinados a ser livres“, em conjunto com as percepções e o alerta de Schopenhauer [1] sobre o fato de que, ao fazermos escolhas, devemos assumir a responsabilidade por essa decisão.
O representante estatal
Certamente, o leitor pode estar se indagando sobre o significado dessas citações filosóficas e qual sua relação com o título do presente ensaio: existir ou não existir agente estatal.
A capacidade de discernir entre diferentes alternativas e optar por um caminho a seguir não apenas define nossa autonomia e molda nosso destino individual, revelando os contornos de nossa moral, ética e responsabilidade, mas também ressoa no tecido social ou institucional no qual estamos inseridos. Diante desse contexto, o objetivo deste escrito é estabelecer uma reflexão sucinta sobre a decisão de ser agente estatal – na perspectiva da liberdade intrínseca à escolha de “existir ou não existir” – e por extensão, suas respectivas e inevitáveis consequências ou repercussões.
Spacca
No âmago de uma sociedade funcional e justa repousa o trabalho dedicado e comprometido dos agentes estatais latu sensu. Esses indivíduos, frequentemente impelidos por um profundo senso de propósito e responsabilidade cívica, escolhem dedicar suas vidas ao serviço da coletividade. As motivações que os motivam a seguir por este caminho são diversas e refletem a compreensão da importância do bem comum.
A busca por estabilidade e segurança no emprego; a possibilidade de contribuir diretamente para o progresso e aprimoramento da sociedade; o sentimento de pertencimento e responsabilidade para com a comunidade; a busca pelo cumprimento de um senso de missão e a convicção de que são vocacionados para servir e fazer a diferença no mundo, são algumas das perspectivas – consciente ou inconscientemente – que levam o indivíduoa escolher a carreira pública e nela ingressar.
Além da estímulo – força motriz interna que impulsiona o processo decisório – a previsão de suas consequências; a capacidade de antecipação de seus desdobramentos e a avaliação dos riscos e benefícios da carreira, de acordo com estabelecidos em normas peculiares, formam um conjunto singular que reduz consideravelmente o “conflito constante” que normalmente envolve uma tomada de decisão.
Esta declaração é justificada porque o proveito de experiências passadas e a capacidade de avaliar as informações que cercam o exercício da função possibilitam uma avaliação antecipada equilibrada, informada, segura e consciente. Essa avaliação leva em conta as expectativas e limitações pessoais que impactam ou serão impactadas pelo objeto de escolha e o que sua aceitação demanda no universo do ser e do dever ser.
Assim, desde tempos remotos, passando pela Roma Antiga, Idade Média, até chegarmos à época em que o serviço público tem passado por uma revolução com a adoção de tecnologias da informação e comunicação, uma série de consequências e desdobramentos próprios ao exercício recaíram e recaem tanto entre os “servidores do Estado” da antiguidade quanto sobre os servidores públicos – tipo do gênero agente público – da atualidade.
Responsabilidades e consequências
Dito de outra maneira, quem, motivado em atender ao público, já possui, desde o começo, uma visão clara da trajetória que precisa percorrer para atingir seu objetivo, bem como das consequências e dos desenvolvimentos funcionais e pessoais ligados à escolha almejada. Isso inclui responsabilidades, condutas comportamentais e éticas, limitações e proibições, como o dever de imparcialidade, o compromisso com o bem comum, a integridade e a ética, o respeito às leis e regulamentos, a busca pelo interesse público, a neutralidade política, a proibição de conflitos de interesse, entre outros, fornecendo critérios que lhe permitem decidir se deseja ou não se tornar um agente público.
Nestas circunstâncias, podemos recordar o pensamento de Jean-Paul Sartre para questionar e, ao mesmo tempo, responder:
– Não estamos, por acaso, destinados a ser livres para fazer nossas escolhas?
– Sim, somos livres, mas, ao fazermos uma escolha, devemos assumir as responsabilidades e consequências dessa decisão. Quais são, então, as responsabilidades e consequências assumidas por quem opta por ser agente público?
A decisão de se tornar um agente público, servidor público por exemplo, implica uma série de responsabilidades e consequências. Entre elas, destacam-se o compromisso com a ética e a integridade, a adesão a condutas comportamentais alinhadas aos princípios da administração pública como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Este profissional deve também respeitar as leis e os regulamentos, agir com imparcialidade, manter um compromisso inabalável com o bem comum e com o interesse público, além de observar a neutralidade política e evitar conflitos de interesse. Essas responsabilidades refletem não apenas no âmbito profissional, mas também repercutem na esfera pessoal dos servidores, exigindo uma postura coerente com os valores e princípios que regem o serviço público.
Seguindo essa linha de pensamento, poder-se-ia também buscar compreender a compatibilidade entre a liberdade do indivíduo – encapsulada na noção sartreana de que “somos destinados a ser livres”– e a aparente submissão às normas de conduta traçadas pela administração pública por aqueles que a escolhem para o exercício profissional, ou até mesmo a possível restrição do direito à liberdade de expressão como consequência lógica dessa escolha.
Nesse contexto, a adesão às normas de conduta, a obrigação de cumprir regras e a limitação daautonomia de expressão, entre outras, são resultados intrínsecos à decisão de tornar-se ou não funcionário público. Qualquer tentativa de negociação é incontestável e infrutífera, pois não há espaço para flexibilizar o nível ou a abrangência dessa adesão.
Dessa forma, uma vez optada a carreira pública, suas consequências são inevitáveis. Isso ocorre pois há uma profunda ligação entre as ações do servidor público e a entidade à qual está vinculado, configurando-se, por assim dizer, uma genuína simbiose entre ambos.
O funcionário público torna-se um elemento vital que dá vida à instituição, enquanto esta, por sua vez, fornece o apoio, os recursos e o contexto regulamentar necessário para o desempenho de suas atribuições. Sendo assim, a conduta do servidor, na condição de funcionário público, tanto dentro quanto fora da instituição, repercute diretamente em sua credibilidade e no exercício de sua função social.
Com efeito, o pleno exercício da autonomia não se esgota ou encontra restrição em si mesmo – é um bem ou um atributo permanente e inesgotável – e, em qualquer momento, um indivíduo pode escolher não mais concordar com os princípios associados ao cargo público que anteriormente escolheu, entretanto, ao tomar essa decisão, não poderá se desvincular, de igual forma, de suas repercussões.
E assim será… e sempre será. Diante disso, cabe-nos reconhecer que, de fato, “… cada ser possui o talento de ser capaz e ser feliz”, como declara o poeta. Realmente, cada indivíduo está destinado a ser livre, a tomar suas decisões e suportar as consequências que delas decorrem, conforme salienta o filósofo. E realmente, ser ou não ser agente público, eis a questão… eis a escolha a ser feita. E, ao ser, o rumo será previsivelmente estabelecido mediante o desenho regulamentar, com suas devidas responsabilidades e consequências, das quais não há como se desvincular até que surja uma nova escolha. Afinal, “estamos predestinados a ser livres”, afirmo eu.
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