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O mandatário Luiz Inácio Lula da Silva (PT) elevou o tom ao apontar falhas na Vale nesta semana, deixando evidente que não desistiu de tentar intervir nos caminhos da mineradora, privatizada há cerca de 30 anos.
Lula busca opções que possam ampliar sua influência na segunda maior empresa do território nacional, após fracasso ao tentar empossar o ex-ministro da economia Guido Mantega (PT) na presidência da entidade. O atual CEO, Eduardo Bartolomeo, discreto e pouco interessado em articulações políticas, nunca contou com o apoio do Palácio do Planalto.
Mas as aspirações de Lula não se encerram por aí. Em entrevista na noite da terça-feira (27) à RedeTV, o presidente explicitou sua convicção de que as organizações devem seguir a orientação do governo em suas decisões. O líder afirmou que a Vale “não é proprietária do Brasil” e que, assim como todas as corporações pátrias, deve estar alinhada com a filosofia de avanço do governo.
“A Vale não pode cogitar que ela é proprietária do Brasil, não pode cogitar que ela pode mais do que o Brasil. Portanto o que almejamos é o seguinte: corporações pátrias precisam estar consonantes com aquilo que é a filosofia de evolução do governo pátrio. É isso que almejamos”, afirmou.
A afirmação chamou atenção pelo teor desenvolvimentista e autoritário em relação a uma corporação privada. “É uma visão essencialmente fascista, remete a [Benito] Mussolini [ditador italiano] achar que a empresa tem de atender ao propósito do governo”, afirma Marcelo Faria, presidente do Instituto Liberal de São Paulo (Ilisp).
Apesar de Lula desejar determinar os rumos da Vale, o governo não detém participação acionária na entidade desde que o BNDES vendeu suas ações, na administração de Jair Bolsonaro (PL). O que persiste é uma espécie de interferência indireta por meio da Previ, fundo de pensão dos colaboradores do Banco do Brasil. Principal acionista individual da mineradora, o fundo conta com dois representantes no conselho de administração, composto por 13 assentos ao todo.
O economista observa que, em sua manifestação, Lula não se refere a companhias estatais ou de economia mista, nas quais o governo tem participação acionária, mas a corporações brasileiras de maneira geral. “Pelo visto, a iniciativa privada deve realizar o que é importante na visão do grande comandante Lula, que sabe o que é melhor para o país”, destacou.
Hélio Beltrão, presidente do Instituto Mises Brasil, endossa o argumento. “Essa manifestação tem o tom de um déspota. Ele [Lula] não é proprietário do Brasil nem dono da Vale, porém age como se fosse dono do mundo. Por que qualquer pessoa física ou jurídica é compelida a concordar com a visão de mundo do governo eleito para administrar o país por quatro anos?” questionou em comentário à CNN.
“E como se denomina quando alguém quer obrigar uma pessoa a concordar com qualquer coisa? Ninguém é forçado a concordar com o governo. O Lula é incapaz de lidar com a dissidência, com a discordância. Do ponto de vista dele, quem não concorda com ele é fascista”, complementou Beltrão.
Direção estatal é a essência do pensamento de Lula
Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), lamenta que o líder continue a pensar que o desenvolvimento econômico se opera por meio do Estado.
“No lugar de ponderar sobre a lucratividade da empresa, que gera proventos para acionistas, trabalhadores e também para o governo, por meio de tributos, Lula almeja maior intervenção estatal. Almeja que a corporação execute as ações que ele julga mais corretas, seja explorar uma mina em Moçambique ou agregar valor ao minério de ferro, ou incrementar uma indústria siderúrgica”, declara.
Lula também se queixou, durante a entrevista, do abandono pela Vale do projeto de uma mina.Na África, em que o governo tinha se esforçado para abrir portas.
Para o mestre do Ibre, o dirigismo estatal e a noção de desenvolvimento induzido pelo Estado são a essência do pensamento de Lula e do PT) Mas lembra que não se trata de uma visão exclusiva da esquerda. “O nacionalismo e o desenvolvimentismo existem nos dois lados do espectro político. Nós já tivemos isso no período da ditadura militar, especialmente no governo [Ernesto] Geisel [1974-1979]”, diz.
Também existem experiências recentes que, na avaliação de Pessôa, não deveriam ser esquecidas, como a política econômica elaborada no governo Dilma Rousseff (2011-2016). “É lamentável observar que as lideranças não aprendem com os equívocos. Já experimentamos este capitalismo de Estado uma vez e isso resultou na maior crise de nossa história”, recorda.
Falhas, contradições e hipocrisia
Além do alegado abandono de projetos estratégicos, Lula criticou o que ele chamou de monopólio da mineração, embora a empresa não seja a única na exploração da atividade.
“Não compreendi bem o que o presidente quis dizer com monopólio da Vale”, comenta Pessôa. “A empresa trabalha com uma commodity que tem seu preço determinado pelo mercado internacional. Nada impede a concorrência de outras empresas. Por outro lado, declarações como a do presidente afastam qualquer investidor estrangeiro do Brasil.”
Os especialistas destacam a contradição do governo em criticar o suposto monopólio da mineradora, mas tentar restabelecer o monopólio da Petrobras, reestatizando refinarias privatizadas no governo anterior.
“Pelo visto, monopólios públicos são do agrado do governo”, afirma Pessôa. “É uma grande hipocrisia do governo”, diz Faria, do Ilisp.
Lula já enviou outros avisos
Não é a primeira vez que Lula envia mensagens para pressionar a mineradora. Em janeiro, após ficar claro a resistência do conselho de administração ao nome de Mantega, o presidente aproveitou o aniversário de cinco anos da tragédia de Brumadinho, em Minas Gerais, para alertar sobre a importância da fiscalização em projetos de mineração.
“É preciso o suporte às famílias das vítimas, recuperação ambiental e, principalmente, fiscalização e prevenção em projetos de mineração, para evitarmos novas tragédias como as de Mariana e Brumadinho”, escreveu o presidente no X (antigo Twitter).
Na última entrevista, Lula retornou ao tema, afirmando que a Vale não arcou com as “desgraças” causadas pelo rompimento de Brumadinho. A mineradora, no entanto, já quitou 69% dos R$ 37,7 bilhões do acordo de reparação para 15,4 mil pessoas.
Lula também cometeu outras imprecisões. Alegou que a empresa tem vendido mais ativos do que produzido minério de ferro, argumento desmentido pelos relatórios anuais, que mostram o aumento da produção. Em 2023, foram produzidos 321 milhões de toneladas do minério, contra 308 milhões em 2022.
Sob o comando de Eduardo Bartolomeo, desde 2019, a Vale só realizou uma venda de ativos de minério de ferro, no valor de US$ 140 milhões, e fez duas aquisições que totalizaram US$ 682,5 milhões.
Altamente regulamentada, mineração é sensível às pressões
Apesar da reação negativa do mercado às declarações de Lula, os economistas alertam que o governo tem efetivo poder de pressão, já que o setor de mineração é regulado externamente e os grandes acionistas privados da mineradora – Mitsui, BlackRock, Bradesco e a Cosan – também dependem de decisões do Executivo federal para diversas demandas. As empresas prezam por ter uma boa relação com o governo.
Há vários interesses em jogo. Entre eles, a concessão de licenças ambientais para projetos atuais e novos, e também as negociações de reparação de danos ambientais e sociais da Vale. São debates que envolvem dezenas de bilhões de reais e órgãos do governo, Justiça e Ministério Público.
Nessa direção, Lula mencionou a interrupção de projetos da Vale no Pará, feita pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas), devido ao “não cumprimento de condicionantes ambientais”. A empresa apelou e está em operação por meio de decisão judicial de varas cíveis locais.
A Vale também tem uma lista de projetos, especialmente na área de infraestrutura, que envolvem órgãos federais, como por exemplo, as concessões de ferrovias para escoamento da produção. O Poder Executivo pretende reavaliar os contratos prorrogados na gestão Bolsonaro, sob a justificativa do valor aparentemente baixo pago pelas concessionárias.
De acordo com informações internas, o ex-ministro Guido Mantega teria mencionado a alguns contatos que poderia auxiliar na agenda, atuando como o elo entre a empresa e o Palácio do Planalto. Porém, não surtiu efeito.
Lula evita continuidade e refuta intervenção
Lula optou por não comentar sobre a continuidade da empresa. Em ocasiões anteriores, também havia negado qualquer interferência, apesar de diversas investigações da mídia terem reportado a influência do ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, entre os conselheiros da Vale.
As últimas informações internas indicam que o presidente insiste em um assento para Mantega no conselho de administração e está trabalhando para tentar emplacar como segunda opção o nome de Paulo Cafarelli, ex-diretor da Cielo – companhia que tem como acionistas o BB e o Bradesco, que também são acionistas da Vale.
Pessôa observa que, apesar da administração da Vale, o governo Lula já conseguiu criar uma situação complicada dentro do conselho de administração. “Os representantes dos acionistas estão em desacordo. Já houve reviravoltas nas votações sobre a recondução do atual presidente”, afirma.
O economista se refere à última reunião do colegiado sobre o assunto, em 15 de fevereiro. Dos 13 conselheiros, seis votaram pela recondução de Bartomoleo e seis votaram pelo início de um processo de seleção de outro nome.
Contra a continuidade do atual presidente, votaram os dois representantes da Previ, o indicado pela Bradespar, outros dois conselheiros independentes e o representante dos trabalhadores.
Os demais conselheiros independentes e o indicado pela Mitsui votaram pela permanência do atual CEO. Luís Henrique Guimarães, indicado da Cosan no colegiado, se absteve. “Lula já está obtendo sucesso em sua estratégia”, diz Pessôa.
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