quarta-feira, 11 setembro, 2024
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    PT enterra proposta de se aproximar de evangélicos com atos recentes

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    No decorrer das eleições de 2022, o então postulante à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva e outras personalidades proeminentes do Partido dos Trabalhadores (PT), respaldadas pelos conselhos de intelectuais de esquerda, estabeleceram uma meta: se aproximar do crescente público de evangélicos do país, que representa praticamente um terço da população, para conquistar eleitores da direita.

    As recentes afirmações sobre Israel praticamente puseram fim àquele projeto eleitoreiro do petismo. A analogia feita por Lula entre os ataques de Israel ao Hamas na Faixa de Gaza e o Holocausto nazista, respaldada por outros membros do governo e petistas importantes, é, segundo especialistas consultados pela Gazeta do Povo, a pá de cal na tentativa de cortejar o público evangélico.

    Guilherme de Carvalho, teólogo público e cientista da religião, ressalta que as falas recentes de petistas colocam em xeque de forma praticamente definitiva a possibilidade de diálogo que se vislumbrava em 2022. “Um novo ponto de fricção foi aberto oficialmente pelo Lula. E a probabilidade dos evangélicos reverterem dessa posição, na minha opinião, é perto de zero, é quase nula. Quem pensa que, se houver boa negociação de Lula com lideranças evangélicas, isso pode suavizar… Não, não vai acontecer. Essa posição não é baseada em manipulação de lideranças de megaigrejas, de lideranças nacionais, não é isso”, observa.

    A conexão com os judeus, destaca Carvalho, está enraizada no imaginário do povo evangélico, e independe do que digam até mesmo os líderes das igrejas. “O desejo do crente comum é ir passear em Israel. O pessoal fica falando que os pastores estão levando os crentes no bolso. Não é assim. É uma questão de imaginário. É isso o que precisa ser compreendido. Não é uma questão de política, denominacional, de liderança de igreja… É uma questão de imaginário”, explica o teólogo.

    Thiago Vieira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), ressalta que, para muitos evangélicos, “Israel desempenha um papel central nos eventos proféticos do fim dos tempos”. “Eles enxergam o retorno dos judeus à Terra Santa como um cumprimento das promessas e alianças bíblicas e uma preparação para a segunda vinda de Cristo”, afirma.

    Além disso, existe uma ligação histórica e cultural entre Israel, o povo judeu e a fé cristã. “Eles [evangélicos] valorizam a preservação da herança judaica e reconhecem Israel como o lar espiritual e histórico do povo judeu”, esclarece Vieira. A respeito desse mesmo ponto, Carvalho acrescenta: “Jesus é judeu, fim de papo. É simples assim.”

    Quanto ao atual Estado de Israel, Vieira recorda que cristãos em geral tendem a valorizar o fato de que se trata da única democracia do Oriente Médio e único lugar da região onde há liberdade religiosa. “Existe uma admiração com o compromisso de Israel para com os valores democráticos e a proteção da liberdade religiosa, especialmente em contraste com muitos de seus vizinhos”, diz.

    O vínculo dos evangélicos com Israel é reforçado por uma visão compartilhada de enfrentamento ao terrorismo e à intolerância religiosa em determinados países. “Muitos evangélicos veem Israel como um aliado em uma luta compartilhada contra o terrorismo e o extremismo islâmico, especialmente vivenciados pelos cristãos na Janela 10/40”, afirma Vieira. (“Janela 10/40” é uma expressão usada no contexto de missões cristãs para descrever uma área geográfica do mapa mundial que se estende do grau 10 ao grau 40 de latitude norte, abrangendo partes da África, do Oriente Médio e da Ásia. Esta região é considerada estratégica para as missões cristãs porque abriga alguns dos países com maiores populações não alcançadas pelo cristianismo.)

    Outros gestos do governo Lula contribuem para enterrar a relação com evangélicos.

    Não apenas a afirmação recente, mas diversos gestos ao longo da atual administração têm feito o petismo afastar os evangélicos que ainda tinham confiança nele, principalmente por seu posicionamento em temas como ideologia de gênero e interrupção da gravidez.

    Em janeiro deste ano, a alteração na legislação sobre arrecadação de tributos de líderes religiosos também gerou controvérsia com grupos evangélicos e foi mais um elemento de distanciamento.

    A recente decisão de Lula de aumentar os investimentos na Agência das Nações Unidas para Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA), mesmo após o órgão ser acusado de colaborar com o Hamas, e a promessa de apoiar na ONU a criação de um Estado palestino, apenas contribuíram para ampliar a percepção de conflito com Israel e, consequentemente, com os evangélicos brasileiros.

    Para Carvalho, a questão de Israel “não é tão crucial quanto os valores, mas se aproxima, pois está enraizada na mentalidade evangélica”. “Existem outras questões que não têm o mesmo impacto. Por exemplo, esse tema que mobiliza líderes religiosos sobre impostos e isenção fiscal afeta igrejas grandes, mas não tanto as massas cristãs. Já a questão de Israel é de outra magnitude”, observa.

    “Na visão tradicional evangélica, mesmo em igrejas que não são neopentecostais e que não praticam o sincretismo ao unir elementos do cristianismo protestante com o judaísmo, a salvação de Israel ainda é aguardada, e os cristãos devem interceder pelos judeus; mesmo que não compartilhem da fé em Jesus, eles ainda são, de certa forma, como Paulo menciona em Romanos, o povo de Deus. Isso está enraizado na identidade dos evangélicos”, complementa.

    Por isso, Carvalho acredita que aquela estratégia idealizada pela esquerda de estabelecer vínculos com evangélicos para conquistar eleitores da direita, até mesmo promovendo publicamente líderes religiosos com inclinação esquerdista, já pode ser descartada.

    “Essa elite mais secular que se manifesta na grande mídia, que chamo de ‘elite GNT’, tinha, até as eleições, a esperança de apresentar um líder religioso de esquerda, alguém de esquerda que se identificasse como líder religioso, porque pensavam que isso influenciaria os sentimentos dos evangélicos. Mas, na minha opinião, nesse ponto, todo mundo já percebeu que isso é uma farsa. Quem admira esses evangélicos geralmente são pessoas de esquerda que não são evangélicas. Eles são meramente um eco da própria elite. Têm quase nenhuma influência”, comenta.

    Quanto ao motivo pelo qual Lula e o PT teriam decidido abandonar de vez a tentativa de atrair politicamente os evangélicos, Carvalho ainda não tem uma resposta. “Estou tentando compreender o governo ainda, mas suspeito que tenham desistido da ideia de construir uma relação com os evangélicos, ou estejam elaborando uma estratégia que ainda não foi revelada. E, do lado evangélico, acredito que agora os fiéis vão levantar a questão do antissemitismo do governo até a volta de Jesus. Agora acabou.”

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