sábado, 14 setembro, 2024
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    Restrição do ‘dolus bonus’ em ofertas de títulos financeiros

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    Em etapa pré-contratual, durante conversas iniciais e análise de propostas, alguns elementos específicos podem influenciar a formação da vontade contratual das partes, gerando uma discrepância entre a vontade real e a presumida ou suposta de forma a afetar a validade jurídica do futuro negócio a ser firmado.

    O dolo, caracterizado como uma “ação enganosa praticada por um dos negociantes ou por terceiros com o propósito de induzir o outro negociante a erro sobre as circunstâncias reais do negócio” [1], tem o poder de anular negociações jurídicas, conforme previsto no artigo 145 do Código Civil.

    dolus bonus, uma variação do conceito de dolo, estabelecida no antigo Direito Romano, que “consistia na astúcia ou artifício empregados para concluir um negócio jurídico, mas aceitos pela sociedade, já que a opinião pública não os considerava capazes de influenciar de forma decisiva a vontade da pessoa” [2].

    Em um julgamento de apelação pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, essa ideia foi reconhecida no contexto do Direito Contratual brasileiro:

    o dolus bonus é reconhecido e aceito pelo direito contratual [o art. 253, 2, do Código de Portugal é explícito nesse sentido], sendo exemplificado pela conduta do vendedor ao exaltar a qualidade do produto com advertências sobre sua escassez no mercado, acreditando-se que os vendedores agem, ao proceder assim, sem dolus malus, pois não são obrigados, pela lei, a informar possíveis pendências que afetem o bem a ser alienado e suas dívidas, já que cabe ao interessado pesquisar e averiguar as condições essenciais do negócio. No entanto, para julgar corretamente a conduta do comprador diligente, vale ressaltar que a recusa em aceitar a oferta de negócio decorre do exercício do direito de se proteger contra os exageros da proposta” [3].

    Visão da doutrina e anulabilidade

    No contexto das relações comerciais, é válido também considerar o ensinamento de Sílvio Rodrigues “o exemplo comum de dolus bonus é a exaltação, por vezes exagerada, que o alienante faz do que está colocando à venda; é a publicidade, a promoção realizada com o objetivo de seduzir o comprador”.

    O dolus bonus, portanto, é um tipo de dolo tolerável, que não acarreta a anulação do negócio jurídico, dado o seu baixo impacto na formação da vontade contratual da parte, ainda que seja utilizado como um dos meios de convencimento do outro negociante.

    Claro que há limites para sua tolerância, como previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC), que proíbe explicitamente a propaganda abusiva e enganosa. Também parece incongruente a mesma tolerância no contexto de ofertas públicas de títulos financeiros (ações, debêntures, certificados de recebíveis, contratos de investimento coletivo etc.), pois a moderação na linguagem, transparência sobre riscos e a plenitude das informações são os princípios da comunicação destinada a divulgar a oferta pública, conforme estabelecido pelas normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

    Spacca

    De modo relevante, a Resolução CVM nº 161, de 13 de julho de 2022, que trata das regras, procedimentos e controles internos a serem seguidos na intermediação de ofertas públicas de títulos financeiros, estabelece como responsabilidades do coordenador de ofertas públicas de títulos financeiros (artigo 13), entre outros, garantir que todas as formas de comunicação, publicidade e linguagem utilizadas na interação com os investidores sejam adequadas com a complexidadeda proposta e com o grau de sofisticação dos investidores (inciso V) e observar todas as precauções e agir com altos padrões de diligência, assumindo a responsabilidade pela falta de diligência ou omissão, a fim de garantir que as informações fornecidas sejam verídicas, coerentes, corretas e suficientes, possibilitando que os investidores tomem decisões fundamentadas sobre a proposta (inciso I).

    A Resolução CVM nº 160, de 13 de julho de 2022, regula os procedimentos e ritos básicos a serem seguidos em ofertas públicas de valores mobiliários, ao tratar da publicidade a ser concedida à proposta (artigo 12) estabelece que os materiais e comunicações devem adotar linguagem tranquila e moderada (§2º, inciso II) e abster-se de usar linguagem que oculte ou que não represente de forma adequada a existência de riscos (§2º, inciso IV, alínea “a”).

    Conclusão

    Dessa forma, mesmo que outros elementos sejam considerados na decisão do investidor de aderir a uma determinada oferta pública, parece não haver espaço para o dolo positivo, nos conceitos e definições mencionados acima, quando ocorre uma clara violação aos deveres de serenidade, transparência e completude estabelecidos nas resoluções complementares emitidas pela Comissão de Valores Mobiliários.

     

    [1] BDINE JÚNIOR, Hamid Charaf. O dolo como defeito do negócio jurídico. In: Estudos em homenagem a Clóvis Beviláqua por ocasião do centenário do Direito Civil codificado no Brasil, Vol. 1. Escola Paulista da Magistratura, São Paulo: 2018., p. 167.

    [2] ALVEZ, José Carlos Moreira, Direito Romano, Ed. Forense, Rio de Janeiro, P. 184.

    [3] TJSP – Apelação n. 994.09.339794-0, julgada em 8 de abril de 2010, com relatoria do Desembargador Enio Zuliani.

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