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Ponto de Vista
Depois de constatar que as empresas devedoras estavam frequentemente adiando as reuniões gerais de credores por longos períodos, às vezes por anos, o legislador, por meio da Lei 14.112/2020, inseriu o § 9º no artigo 56 da Lei 11.101/2005, com uma redação clara e direta, limitando o prazo de duração da reunião geral de credores convocada para votação do plano de recuperacao judicial:
§ 9º Caso a reunião-geral de credores convocada para votar o plano de recuperação judicial seja suspensa, ela deverá ser concluída em até 90 (noventa) dias, a partir da data de sua instalação.
Apesar da clareza do texto, surgiram interpretações que não condizem com a intenção da alteração da lei, que foi justamente evitar adiamentos sem fim das reuniões de credores e dar agilidade ao processo.
Alguns estão levantando ideias absurdas e contrárias ao interesse legal, alegando que, caso não haja votação dentro do prazo de 90 dias, a reunião poderia ser encerrada e uma nova convocada, o que vai contra o objetivo da lei.
O § 9º do artigo 56 não estabelece punições para o descumprimento do prazo, pois não há previsão para isso, ou seja, a determinação deve ser rigidamente cumprida e depende exclusivamente do administrador judicial.
O administrador judicial é encarregado de conduzir a reunião-geral de credores (artigo 37) e é responsável por colocar o plano de recuperação judicial em votação no prazo máximo permitido por lei.
Logo, se os credores ou a empresa devedora solicitarem a suspensão da RGC por um prazo superior ao permitido, cabe ao administrador judicial informar que esse prazo não pode ser aceito e colocar em votação a suspensão por apenas o prazo máximo previsto em lei.
Se, no último dia do prazo legal, os credores ou a empresa devedora solicitarem uma nova suspensão, o administrador judicial deve informar que não é possível e colocar o plano de recuperação judicial em votação.
Vale ressaltar que a legislação indica que a RGC “deverá” ser concluída em até 90 dias a partir de sua instalação, ou seja, a lei traz um termo de caráter imperativo.
Dessa forma, o administrador judicial deve respeitar e seguir a previsão de encerramento da reunião dentro de 90 dias desde sua instalação, sem considerar novos pedidos de suspensão da empresa devedora e/ou dos credores.
A intenção da alteração da lei, com a inclusão desse dispositivo, foi justamente evitar as inúmeras e prolongadas suspensões que acabavam por alongar o processo de recuperação judicial e, consequentemente, atrasar o pagamento aos credores concursais.
Sobre o assunto, Geraldo Fonseca afirma:
A reunião convocada para discutir o plano, se suspensa, deve ser concluída em até 90 dias a partir de sua instalação. A nova disposição tinha como objetivo acabar com as suspensões intermináveis da recuperação judicial.
A Ilustríssima Dra. Maria Rita Rebello Pinho Dias defende a observância do prazo legal:
Por fim, destaca-se que, conforme o §9º do referido artigo, se a Assembleia-Geral de Credores for suspensa, ela deve ser encerrada em até 90 dias, contados a partir de sua instalação. Importante ressaltar que, mesmo suspensa, a assembleia é única, ou seja, as outras sessões posteriores fazem parte do mesmo encontro.
o mesmo ato, cuja conclusão deve acatar o prazo estabelecido pela legislação.
Dias, Maria Rita Rebello Pinho; Cunha, Fernando Antonio Maia da. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 (Edição em português) (p. 403). Editora Contracorrente. Edição do Kindle.
Mesmo assim, conforme anteriormente mencionado, parte da doutrina e jurisprudência defende a possibilidade de flexibilização do prazo para encerramento da AGC, inclusive mediante decisão dos credores, sem necessidade de determinação judicial.
Prazo encerrado
Em oposição a essa posição, entendemos que, caso chegue ao final o prazo e a empresa em processo de recuperação peça uma nova suspensão no conclave, o plano deve ser submetido à votação pelo administrador judicial mesmo que a decisão resulte em rejeição, o que poderia levar à falência, conforme previsto claramente no artigo 73.
O administrador judicial deve obedecer à disposição expressa na Lei e não permitir flexibilização do prazo para conclusão da assembleia, que não é permitida pela Lei 11.101/2005, mesmo que os credores aprovem.
A única exceção seria uma decisão judicial autorizando a suspensão por período superior ao limite legal, o que deve ser uma exceção, apenas em situações específicas, e unicamente por decisão do Juízo, nunca do administrador judicial.
No Agravo de Instrumento nº 2006089-39.2022.8.26.0000, o desembargador e relator do recurso, Alexandre Lazzarini, diante de um caso em que as empresas em recuperação solicitaram a suspensão da assembleia por 120 dias, negou o pedido de tutela com o entendimento de que:
“[…] a norma em discussão veio para limitar, nesse aspecto, a vontade das partes interessadas (devedor e credor), sendo que a norma destinada à mediação e conciliação deveria ser buscada no momento adequado e não para excepcionar uma regra específica que rege a assembleia de credores. […].”
Apesar das alegações das empresas devedoras, tanto no caso citado quanto na maioria dos demais, de que o princípio da preservação da atividade empresarial deve ser garantido, juntamente com o princípio da soberania assemblear, é importante ressaltar que, apesar de orientadores da LREF, ambos os princípios têm sua aplicação limitada pela própria lei, uma vez que a legalidade dos atos realizados em assembleia está sujeita à apreciação do Juízo.
O referido agravo enfocou diretamente o argumento de preservação da empresa previsto no artigo 47 da Lei 11.101/2005 e da vontade da maioria dos credores:
“As empresas recorrentes se opõem, afirmando que a decisão vai contra o disposto no art. 47 da Lei n. 11.101/05, sendo que a vontade da maioria dos credores deve ser preservada e que, para uma reestruturação adequada, a suspensão por 120 dias é necessária, prosseguindo, portanto, a assembleia no dia 16/3/2022.”
Portanto, mesmo que se argumente que a flexibilização do prazo para encerramento possa ser aprovada pelos credores, é fato que isso viola o dispositivo legal.
Decisão semelhante foi emitida nos autos da recuperação judicial do Grupo Heber, registrada sob o nº 1080871-98.2017.8.26.0100, em andamento na 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo:
“Apesar de tais suspensões terem o acordo dos credores, o fato é que agora temos uma regra legal limitando o tempo de realização das reuniões em recuperação judicial, conforme texto do artigo art. 56, § 9º, da Lei 11.101/2005, com redação dada pela Lei 14.112/2020, de aplicação imediata. Embora o prazo de 90 dias seja totalmente questionável em situações como a presente, que apresentam numerosos desafios a serem enfrentados, em virtude da complexidade da operação empresarial que busca recuperação, foi a vontade do legislador não permitir que a AGC se prolongue indefinidamente, mesmo que seja a vontade das partes.”
(TJ-SP – Recuperação Judicial: 1080871-98.2017.8.26.0100, Juiz Dr. João de Oliveira Rodrigues
Filho, 12/05/2021, fls. 38252/38256)
Evidencia-se que, apesar de agravada, a decisão de 1º instância foi confirmada em caráter provisório e, devido à data da reunião, o recurso, analisado somente após o término do conclave, tornou-se sem efeito.
Além disso, o renomado estudioso Marcelo Barbosa Sacramone argumenta que a restrição legal também visa impedir que a devedora solicite a suspensão de forma a prolongar as negociações com os credores, ou que os credores adiem a AGE para além do prazo de stay period, com o intuito de dar continuidade às execuções individuais:
Ainda que possa ser interrompida sucessivamente pelos credores para que estes possam negociar condições mais favoráveis no plano ou para que estejam aptos a deliberar sobre o plano apresentado, restringiu-se a possibilidade de dilatação temporal para evitar que os credores não deliberem sobre o plano de recuperação judicial até que se exceda o prazo do stay period e como forma de lhes ser possibilitada a apresentação de plano alternativo431 ou mesmo para evitar que o devedor prolongue injustificadamente as negociações com estes.
Deste modo, a transcorrência do prazo de 90 dias não implica na imediata interrupção do stay period. O prazo foi estabelecido para garantir que não ocorra dilatação na deliberação pelos próprios credores, aos quais a lei atribuiu o poder de interromper a AGE. A restrição evita que os credores adotem comportamento estratégico de adiar a votação do plano para ultrapassar o stay e prosseguir com as execuções individuais ou apresentar plano alternativo. A proibição de extensão da AGE por mais de 90 dias também limita o próprio comportamento estratégico do devedor. A dilatação do tempo da Assembleia Geral de Credores poderia prolongar o período de interrupção e evitar que os credores não sujeitos à recuperação judicial e previstos no artigo 49, § 3º, consigam efetuar a constrição de bens de capital essenciais à manutenção da atividade.
Sacramone, Marcelo. Comentários Lei Recuperação de Empresas Falência (Portuguese Edition) (p. 340). Saraiva jur. Edição do Kindle.
Marcelo Sacramone defende, ainda, que é dever do Auxiliar preservar a observância aos princípios que regem o procedimento e, consequentemente, administrar o andamento do procedimento para que seja, não só efetivo, como célere.
[…] Seu controle, entretanto, é obrigação do administrador judicial, haja vista que deve zelar pelo regular prosseguimento do feito e evitar procedimentos protelatórios, tanto do devedor quanto dos credores (art. 22, II, f), sob pena de substituição e, excepcionalmente, diante da consideração sobre a desídia no cumprimento dos seus deveres, sua destituição.
Sacramone, Marcelo. Comentários Lei Recuperação de Empresas Falência (Portuguese Edition) (p. 340). Saraiva jur. Edição do Kindle.
Diante do exposto, mesmo não havendo qualquer punição prevista em lei para o caso de descumprimento do prazo estabelecido no artigo 56, § 9º, conclui-se que a determinação deverá ser cumprida, cabendo ao administrador judicial, presidente da assembleia-geral de credores, assegurar o cumprimento da lei e submeter o plano de recuperação judicial à votação dentro do prazo de 90 dias contados da instalação da AGC, ainda que credores e/ou a devedora queiram interromper a AGC para além do limite legal.
Barros Neto, Geraldo Fonseca de. Reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falência – Comentada e Comparada (Portuguese Edition) (p. 101). Forense. Edição do Kindle.
Cunha, Fernando Antonio Maia da; Dias, Maria Rita Rebello Pinho. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 (Portuguese Edition) (p. 403). Editora Contracorrente. Edição do Kindle.
Sacramone, Marcelo. Comentários Lei Recuperação de Empresas Falência (Portuguese Edition) (p. 340). Saraiva jur. Edição do Kindle.
TJ-SP – AI: 2006089392022826000/0 SP 2006089-39.2022.8.26.0000, Relator: Alexandre Lazzarini
TJ-SP – Recuperação Judicial: 1080871-98.2017.8.26.0100, Juiz Dr. João de Oliveira Rodrigues Filho, 12/05/2021, fls. 38252/38256
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