segunda-feira, 8 julho, 2024
spot_img
Mais

    Últimos Posts

    spot_img

    Análise inicial do mais recente código interno do Carf

    Em nosso artigo anterior, havíamos sugerido que uma abordagem multilateral e de diálogo seria vital para colocar o Carf em uma direção positiva mais uma vez. Inesperadamente, foi divulgada a Portaria MF nº 1.634/2023, que apresenta o novo Código Interno do Carf (CICarf), com alterações significativas que impactam o funcionamento do contencioso administrativo tributário federal. Diante desse novo contexto legal, é necessário fazer breves comentários, alguns expositivos e outros críticos, sobre as principais mudanças introduzidas.

    Uma das grandes modificações estruturais é a abolição da distinção entre conselheiros titulares e suplentes, unificando as funções para todos, sem a necessidade de uma lista tríplice para que os suplentes mudem de função. O artigo 80 mantém o prazo dos mandatos de dois anos, mas permite até três reeleições, totalizando oito anos de mandato, exceto para os presidentes e vice-presidentes de turmas e câmaras, que podem renovar seus mandatos até 12 anos. Nesse ponto, deveriam ter estendido o prazo dos mandatos, mantendo o tempo máximo, e eliminado completamente a necessidade de endosso das representações para a recondução, deixando esse julgamento exclusivamente a cargo da CSC, proporcionando maior estabilidade aos conselheiros.

    Spacca

    O prolongamento dos mandatos, em nossa visão, é benéfico para a permanência dos conselheiros da Fazenda por um período mais longo, o que é positivo para a estabilidade dos entendimentos nos colegiados. No entanto, essa extensão, sem a implementação de condições de trabalho e remuneração mais favoráveis, pode não ter o mesmo efeito em relação aos representantes dos contribuintes. Deve-se garantir os meios para uma permanência tão longa!

    Outra questão é que o acréscimo de dois mandatos para presidentes e vices pode inviabilizar a ascensão de duas “gerações” (considerando o prazo de um mandato) de conselheiros à Câmara Superior ou a essas posições nas turmas, afetando a ideia de uma “carreira” dentro do órgão e a renovação dos colegiados superiores.

    Além disso, o artigo 37 estabelece a criação do Serviço de Assessoria Técnica de Câmaras, responsável por, entre outras coisas, auxiliar o conselheiro relator na elaboração de relatórios e votos, e obter informações processuais necessárias para o julgamento. É preciso ver como essa “assessoria” funcionará, pois a proximidade do conselheiro com os autos do processo é crucial para uma análise técnica das (múltiplas) peculiaridades de cada caso.

    Uma outra novidade é a ampla reestruturação das turmas regulares e especiais: as últimas tinham oito conselheiros, enquanto as primeiras, quatro, ambas paritárias. Com a mudança estabelecida no artigo 64, ambas terão seis conselheiros, com paridade, retornando ao modelo anterior à Portaria MF nº 343/2015.

    As turmas especiais serão responsáveis por julgar principalmente processos envolvendo até dois mil salários-mínimos, considerando-se o valor na data do sorteio para as turmas. O fato de o dispositivo utilizar a palavra “principalmente” permite concluir que ambas as turmas podem julgar qualquer processo, já que não há uma separação clara de competências (a aplicação histórica das normas do CICarf que utilizam a expressão “principalmente” indica que o termo é mais um marco de discricionariedade decisória do que um determinante claro).

    Com a unificação da estrutura das duas turmas, a abolição da distinção entre conselheiros e a coincidência das competências para julgar as matérias (diferenciadas apenas pelo “principalmente”), podemos concluir que praticamente não há distinção entre as turmas regulares e especiais, não havendo mais justificativa para o artigo 118, §12, I, proibir o uso de acórdãos das turmas especiais como paradigmas. Essa questão deveria ter sido revisada durante a padronização das turmas do órgão.

    O artigo 92 introduz a possibilidade de um procedimento sumário e simplificado de julgamento, com sessões síncronas ou assíncronas. As sessões síncronas podem ser realizadas de forma presencial, remota (por videoconferência, como já vem ocorrendo) ou híbrida (com conselheiros tanto presenciais quanto remotos). Por outro lado, as sessões assíncronas funcionarão com o envio prévio de relatórios e votos em um sistema, nos quais os demais membros emitirão suas opiniões, mas estão sujeitas a regulamentação do presidente do Carf.

    Com relação às sessões assíncronas, há uma mudança relevante: os relatórios e votos estarão disponíveis para o público desde o início da reunião de julgamento, e não apenas com a publicação do acórdão — mas os impactos dessa alteração dependerão da regulamentação desse tipo de sessão.

    O artigo 93 determina que as turmas regulares tenham preferência por sessões síncronas principalmente para os processos prioritários, bem como aqueles com valores ou matérias determinados por ato do presidente do Carf. Para as turmas especiais, a preferência é por sessões síncronas remotas, podendo adotar também as sessões assíncronas.

    Essa previsão de sessões assíncronas para as turmas especiais, cuja competência pode ocasionalmente abranger casos das turmas regulares (o “principalmente”), pode resultar em situações em que casos de grande valor ou complexidade sejam submetidos a esse procedimento, primordialmente pensado para casos de menor valor ou complexidade.

    Com relação a isso, o artigo 104 parece mitigar esse risco, ao prever a possibilidade de solicitação de exclusão de um recurso da sessão assíncrona nos casos de i) controvérsia jurídica relevante e generalizada, conforme o artigo 16, §3, da Lei nº 13.988/2020 (“§ 3º Considera-se controvérsia jurídica relevante e generalizada a que trata de questões tributárias que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”) ou ii) elevada complexidade na análise de provas.

    No entanto, trata-se de termos extremamente vagos e indeterminados, que podem provocar controvérsias no Carf, especialmente devido ao fato de que a decisão sobre essa solicitação recai sobre o presidente da turma, tornando a interpretação desses termos vagos uma questão de subjetividade. Será que um conselheiro considerará um determinado caso como complexo, do ponto de vista probatório, enquanto outro — com maior experiência no assunto — o considerará simples, resultando em interpretações diferentes entre as turmas? Ou como determinar quando uma questão tributária ultrapassa o interesse subjetivo da causa? É raro que o Carf se depare com situações jurídicas completamente únicas, e mesmo essas eventualmente envolvem questões recorrentes como decadência, responsabilidade e qualificação de multas, que são comuns no contencioso administrativo.

    Além disso, a solicitação pode ser feita por: i) o relator, antes do início da reunião; ii) qualquer outro conselheiro; ou iii) as partes, no prazo para solicitação da sustentação oral; com a particularidade de que, se o relator fizer a solicitação, a decisão não caberá ao presidente da turma.

    O §3º do artigo 104 estabelece uma regra peculiar: se as partes solicitarem o julgamento síncrono e esse for deferido após o início da reunião, a solicitação “será convertida em pedido de vista”. Mas a quem o pedido de vista será atribuído? Isso é importante, pois, durante a votação, o CICarf (artigo 110, §2º) estabelece que o conselheiro que teve vista dos autos tem prioridade na votação.

    Além disso, se o julgamento continuar na sessão síncrona e houver um pedido de vista de um dos julgadores, o processo será paralisado e

    ela será imediatamente transformada em vista coletiva, conforme o artigo 110, §11? Nos parece que a opção mais adequada, aqui, seria substituir esse “requerimento convertido em vistas” por uma simples retirada justificada de pauta, pelo presidente.

    Quanto às turmas, o artigo 46, II prevê a formação de turmas e câmaras com nível elevado de especialização, assegurando que haja pelo menos duas turmas de cada nível de especialização, para permitir a existência de divergências entre elas (§2º), o que é positivo. Isso indica a possível criação de turmas específicas para o julgamento de questões aduaneiras, que tradicionalmente fogem à expertise dos tributaristas.

    Por outro lado, há um erro grosseiro na alínea “b” desse artigo, ao se referir aos “tributos previstos nos incisos IX a XX do artigo 45”, quando o rol em questão contempla diversas cobranças de natureza não tributária — o que significa que essa redação equivocada pode levar um desprevenido a uma adjudicação igualmente errada do regime jurídico adequado à exação.

    O artigo 45, §2º, amplia para a 3ª Seção a competência para julgar PIS, Cofins  e IPI reflexos de IRPJ e CSLL, matéria que habitualmente era competência exclusiva da 1ª Seção. Isso pode acarretar o risco de avaliações distintas dos mesmos fatos por turmas de Seções distintas, o que deveria ser suficiente para determinar o sobrestamento do processo reflexo até que o principal fosse julgado definitivamente.

    Houve uma ampliação das situações que impedem o julgador, no artigo 82, IV (“participou ou venha a participar como perito, testemunha, representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau” e V (“esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou companheiro”), bem como no seu § 5º, relacionado aos lotes de processos repetitivos.

    O artigo 90, §1º, esclarece que a inclusão do processo na pauta ocorrerá com a disponibilização pelo relator de ementa, relatório e voto completos do processo no sistema informatizado do Carf, o que evita situações com julgamentos interrompidos devido à minuta estar incompleta. Além disso, o artigo 85, V, reduziu de 30 para 15 dias o prazo para os conselheiros formalizarem os acórdãos sob sua relatoria.

    O artigo 105, §4º, por sua vez trouxe a interessante determinação de que o conselheiro que discordar ou acompanhar o relator nas conclusões deverá apresentar suas razões de decidir ou acompanhar as razões já apresentadas por outro conselheiro do colegiado, dentro do período da reunião assíncrona, o que ajuda a tornar mais claras a fundamentação do voto de cada membro da turma.

    No que diz respeito à dinâmica de julgamento, chamou a atenção o artigo 96, que reduziu o prazo de sustentação oral nos processos de embargos de declaração para dez minutos, que podem ser prorrogáveis a critério do presidente, e limitou o teor da sustentação “aos pontos admitidos no Despacho de Admissibilidade do Presidente da Turma”.

    Essa restrição não nos parece apropriada por duas razões: a primeira pela possibilidade de ser suscitada questão de ordem pública no julgamento dos embargos; e a segunda pela existência de manifestações de turmas do próprio Carf que “a existência de um prévio despacho positivo de admissibilidade para este recurso [Embargos] não é impeditivo para que este colegiado reveja tal questão”, pois se trataria de um juízo de prelibação no despacho de admissibilidade (e.g. acórdãos nº 3402-005.265 e 3402-005.310).

    Quanto à relevante interação entre o Carf e a jurisprudência dos Tribunais Superiores, é extremamente relevante o artigo 99, que mantém a necessidade de observância de decisões do STF e STJ sob a sistemática da repercussão geral ou de recursos repetitivos, respectivamente, desde que verificado o trânsito em julgado da decisão.

    A novidade está no parágrafo único, que afasta a obrigatoriedade de observância de tema decidido pelo STJ, nos casos em que a matéria tenha sido objeto de recurso extraordinário para o STF, e tenha sua repercussão geral reconhecida, restando pendente de julgamento. Como proceder nos casos em que o recurso extraordinário foi apresentado, mas ainda não houve a análise da repercussão geral? Aplica-se o repetitivo do STJ? Suspende-se o processo para aguardar a análise? A regra não traz uma resposta clara.

    Quanto ao sobrestamento, o artigo 100 estabelece que a submissão de tema a julgamento em repercussão geral ou recursos repetitivos não autoriza o sobrestamento de julgamento no Carf, mas, por outro lado, esse sobrestamento será obrigatório quando já houver acórdão de mérito ainda não transitado em julgado, mas que declare a norma inconstitucional ou, no caso de matéria exclusivamente infraconstitucional, que declare ilegalidade da norma.

    Essa medida é importante para evitar que mesmo com a decisão sobre o mérito nos Tribunais Superiores, o Carf prossiga proferindo decisões em sentido contrário, que certamente serão revertidas nos tribunais, com custos cobertos pelo Erário.

    Também é relevante o artigo 101, que estabelece que não será reconhecido o recurso interposto contra decisão que adote como razão de decidir decisões do STF dotadas de eficácia normativa forma ou súmula do Carf, mas corretamente ressalva as situações em que o recurso envolva argumentação voltada ao distinguishing na aplicação do precedente vinculante ou súmula, por questões de fato ou de direito, ou matéria não abarcada por eles.

    Enfim! Trata-se de uma mudança bastante ampla, e que demandará ainda muita análise por parte dos conselheiros e advogados, e aqui tentamos pontuar apenas aqueles pontos que nos pareceram mais relevantes, em uma primeira leitura, tanto em aspectos positivos como negativos do novo Ricarf.

    O Carf, por outro lado, perdeu a oportunidade de trazer avanços bastante relevantes, como i) o estabelecimento de critérios objetivos e claros para a composição da câmara superior (o artigo 53 manteve o “preferencialmente” mais discricionário do Direito Público pátrio); ii) previsão de um mês de férias para os conselheiros (sem distribuição, ao menos); iii) estabelecimento de prazo máximo de permanência nas CSRF; iv) contabilização do tempo gasto com vistas, declarações de voto e afins; etc.

    Na estruturação de um processo administrativo democrático, não se deve temer, mas incentivar, a colaboração de todos os envolvidos, pois o diálogo técnico ainda é o melhor ingrediente para uma legislação azeitada e funcional.

    spot_img

    Últimas Postagens

    spot_img

    Não perca

    Brasília
    céu limpo
    11.5 ° C
    11.5 °
    11.5 °
    82 %
    0.5kmh
    0 %
    seg
    28 °
    ter
    29 °
    qua
    30 °
    qui
    29 °
    sex
    28 °

    3.149.247.26
    Você não pode copiar o conteúdo desta página!