segunda-feira, 8 julho, 2024
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    Apropriação de ICMS nas compras de produtos intermediários

    O ICMS (Tributo sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação) é inegavelmente um tributo controverso no Brasil, devido às suas complexidades operacionais, regulamentações, disputas entre outros. Nesse contexto, um dos aspectos mais destacados refere-se à possibilidade de aproveitamento de créditos e todas as nuances e questionamentos que são objeto de discussões. Assim, os contribuintes avaliam as ponderações e argumentos e recorrem ao judiciário, o qual, recentemente, se posicionou de forma favorável ao aplicar o critério da importância na apropriação de créditos de ICMS dos produtos intermediários.

    Primeiramente, é importante abordar a aplicabilidade do princípio da não cumulatividade ao ICMS, o qual se apresenta como corolário constitucional (mandatório) nos termos do artigo 155, parágrafo II, inciso I. Em sua literalidade:

    Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:  

    II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, mesmo que as operações e as prestações se iniciem no exterior;   

    § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:     

    I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal; (g.n.)

    O princípio da não cumulatividade é discutido no julgado a seguir detalhado, o qual avalia a possibilidade de apropriação do ICMS com as considerações devidas acerca da sistemática aplicável e a relação com o princípio da capacidade contributiva, visto que ambos impedem que o tributo se torne um ônus exponencialmente oneroso nas várias operações de circulação da mercadoria/produto, logo, evita a tributação em “cadeia”, comumente conhecido como “imposto sobre imposto”.

    Diante desse contexto, a Lei Complementar nº87/1996 normatizou a aplicabilidade da não cumulatividade, principalmente nos artigos 20, 21 e 33, sistemática que determina a possibilidade do crédito do imposto (ICMS) anteriormente cobrado em operações que tenham ingressado mercadorias no estabelecimento. Posicionamento claro sobre a possibilidade do crédito de ICMS nas aquisições de insumos e itens destinados ao uso e consumo, este apenas sendo passível o aproveitamento em 2033.

    Neste ponto específico, sobre os itens passíveis de aproveitamento, surge a controvérsia, visto que os Estados restringem o direito ao efetuarem uma interpretação limitada e questionável. Por exemplo, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo se posiciona de forma repetida acerca da necessidade em vincular o crédito de ICMS apenas aos itens que são adquiridos e consumidos na atividade de industrialização e no mesmo procedimento “se incorpora ao produto final”. A Solução de Consulta nº 27214/2023 ratifica o exposto, vejamos:

    7. Dessa forma, verifica-se que, de acordo com o subitem 3.1 da Decisão Normativa CAT 01/2001, para ser classificado como insumo, determinado produto deve: (i) integrar o produto objeto da atividade de industrialização ou (ii) ser consumido no processo produtivo industrial.

    8. Ressaltamos que não geram direito ao crédito as aquisições de materiais: (i) que se desgastam ao longo de processos produtivos, sendo que os mesmos devem ser substituídos, após certo tempo, porque perderam suas propriedades; e (ii) que compõem partes e peças do ativo imobilizado, ainda que relativas a maquinário de produção, quando da sua reposição periódica por desgaste ou quebra.

    8.1. Tais materiais são genericamente conhecidos como materiais para uso e consumo do próprio estabelecimento.

    Ora, evidente que o Fisco Estadual diminui o conteúdo constitucional do princípio da não cumulatividade ao impor que o crédito de ICMS se refere apenas aos itens que são objeto de consumo no processo produtivo e a inserção deste no produto objeto de mercancia. Ou seja, produtos que são adquiridos e consumidos no processo produtivo e não são incorporados ao “produto final” — chamados de produtos intermediários — não poderiam ser classificados como insumos, sendo necessariamente classificados como “uso e consumo” com a possibilidade do direito ao crédito apenas em 2033 [1], logo, a compra de produtos nessa situação tem o poder de onerar a operação devido à impossibilidade de deduzir os créditos de ICMS.

    Com base no cenário acima descrito, fica claro que o cerne da questão refere-se à possibilidade de crédito de ICMS nas compras de produtos intermediários pelos contribuintes, logo, diante das inúmeras posições divergentes, a matéria foi objeto de análise pelo judiciário.

    O Superior Tribunal de Justiça, por meio do voto da Ilustre ministra Regina Helena Costa (Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial nº 1.775.781-SP), analisou a presente controvérsia com considerações que não podem ser ignoradas pelos contribuintes.

    Isso porque o referido julgado publicado em 1º/12/2023 considera a necessidade na análise da importância do produto em relação à atividade fim da empresa. Critério que também foi observado em outros precedentes inclusive quando da análise dos descontos de créditos das contribuições (PIS e Cofins) [2].

    Com o objetivo de delinear seu julgamento, a ilustre ministra relatora indica o correto respeito à sistemática da não cumulatividade, ponto abordado anteriormente. Na sequência, passa a analisar, brilhantemente, sobre a obtenção do crédito decorrente da compra de materiais essenciais ao processo produtivo, incluindo os desgastados ou consumidos de modo gradual.

    Diante desse cenário, o julgado conceitua um dos principais pontos de análise referente aos produtos intermediários, ou seja, a importância. Logo, suscita o seguinte conceito:

    Importância diz respeito ao item do qual dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou o serviço, constituindo elemento estrutural e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço, ou, quando menos, a sua falta lhes prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência.

    Continua ainda com a ponderação acerca da análise da Lei Complementar nº 87 de 1996, inclusive ao afastar o conceito de produtos intermediários de itens classificados como de “uso e consumo”. Se não, vejamos:

    Portanto, é necessário ter presente que a Lei Complementar n. 87/1996 não sujeita à restrição temporal do art. 33, I, o aproveitamento dos créditos de ICMS referentes à aquisição de materiais utilizados no processo produtivo, inclusive os consumidos ou desgastados gradativamente, na hipótese de comprovada a necessidade de sua utilização para a realização do objeto social da empresa.

    Dessa forma porque o atributo eleito como distintivo pelo Fisco – desgaste gradual – mostra-se insuficiente para desqualificar a importância do produto intermediário diante do processo produtivo, uma vez que tal material concorre diretamente e necessariamente para o desenvolvimento da matriz produtiva, afastando, por conseguinte, a regra do art. 33, I, da Lei Kandir, a qual condiciona, a termo futuro, a compensação de crédito.

    Desse modo, o que se observa é que a essencialidade do produto intermediário afasta as restrições temporais e possibilita a compensação de crédito de ICMS, desde que demonstre-se a necessidade de sua utilização para a atividade da empresa.

    Todas essas considerações reforçam a importância do tema e a necessidade de uma análise criteriosa acerca do credito de ICMS nas aquisições de produtos intermediários, ratificando a complexidade e as múltiplas vertentes jurídicas que envolvem a questão.

    Referências:

    [1] Link referência 1.

    [2] Link referência 2.

    Desta maneira, os recursos adquiridos para a realização do propósito social da companhia não se classificam como de uso e consumo do estabelecimento e, portanto, a restrição temporal do art. 33, I, da Lei Complementar n. 87/1996, é inaplicável.” (g.n.)

    Conforme a ementa, o julgamento conclui sobre a possibilidade do aproveitamento de crédito referente à aquisição de produtos intermediários, in verbis:

    À vista das normas estabelecidas nos arts. 20, 21 e 33 da Lei Complementar n. 87/1996, é legítimo o aproveitamento de crédito referente à aquisição de materiais (produtos intermediários) utilizados no processo produtivo, incluindo aqueles que são consumidos ou desgastados gradualmente, desde que justificada a necessidade de sua utilização para a realização do propósito social da empresa – essencialidade em relação à atividade-fim.

    IV – Tais materiais não estão sujeitos à limitação temporal prevista no art. 33, I, da referida lei complementar, uma vez que a postergação em questão se restringe aos itens de uso e consumo.

    O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é de extrema importância para os contribuintes de ICMS que adquirem materiais intermediários e sempre estiveram sujeitos às interpretações restritivas dos fiscos estaduais, os quais impõem obstáculos ao crédito de forma equivocada, despropositada e contrária aos princípios da não cumulatividade e capacidade contributiva.

    Além disso, o entendimento adotado pela Corte Superior é de suma importância no contexto tributário do Brasil, uma vez que o ICMS é alvo da tão esperada reforma tributária, e possíveis impactos significativos devem ser observados, portanto, avaliar os itens passíveis de crédito pode representar uma excelente oportunidade e contribuir para o devido fortalecimento do compliance.

    Adicionalmente, nesse contexto, deve-se notar que o aumento de crédito traz pontos de extrema importância, como: redução do custo de aquisição dos produtos; aumento de créditos de ICMS; aplicação da sistemática de ICMS atualmente vigente, que pode ser alterada caso haja a mudança constitucional e, posteriormente, legislativa com impactos no tributo estadual (instituição do Imposto sobre Bens e Serviços). Adiciona-se a possibilidade eventual de utilização dos saldos credores de ICMS na extinção do tributo em até 240 meses, logo, o aumento de crédito de ICMS pode contribuir para essa situação e delineará de forma construtiva um novo cenário aplicável aos tributos sobre o consumo.

    Em conclusão, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça deve ser analisado pelas empresas, tendo em vista a oportunidade de discutir a possibilidade de creditar o ICMS referente aos produtos intermediários com base na essencialidade aplicável em relação à atividade-fim.

    [1] Apenas a partir de 1º de janeiro de 2033, nos termos do artigo 33, da Lei Complementar nº 87 de 1996.

    [2] Recurso Especial nº1.221.170

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