quarta-feira, 26 junho, 2024
spot_img
Mais

    Últimos Posts

    spot_img

    Apropriação indébita tributária e expressão ‘cobrado na qualidade de sujeito passivo’



    Opinião

    O assunto é antigo, os debates jurídicos sobre o tema, também, mas ele sempre está no centro das atenções quando se trata de crimes contra a ordem tributária. Assim dispõe o contido no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90:

    “Art. 2°. Constitui delito da mesma natureza: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000) (…)

       II – Omitir-se, no prazo legal, a pagar o valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou arrecadado, na qualidade de sujeito passivo da obrigação e que deveria entregar aos cofres públicos” (destaques da articulista).

    Faz-se necessário esclarecer, inicialmente, que a conduta do artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, nos anos 2000 era denominada como delito de omissão no recolhimento de tributo e não como apropriação indébita tributária como ocorre nos dias de hoje, justamente porque de apropriação indébita não se trata, ao menos no que concerne as operações próprias.

    O fato é que tanto o Supremo Tribunal Federal como o Superior Tribunal de Justiça já analisaram a questão, tendo entendido a Corte Constitucional, em resumo, que “O contribuinte que, de maneira habitual e com intenção de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incorre no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990”. O STJ, por sua vez, estabeleceu a Súmula nº 658 com o seguinte teor: “O delito de apropriação indébita tributária pode ocorrer tanto em operações próprias como em razão de substituição tributária”.

    Discorda-se dessas conclusões, ao menos no que diz respeito às operações próprias e explicaremos o porquê.

    Contribuinte e responsável

    Em nosso sistema tributário, existem dois sujeitos da obrigação tributária, segundo se depreende do artigo 121, do Código Tributário Nacional: 1) o contribuinte e o responsável. Contribuinte é a pessoa que realiza o fato gerador, enquanto o 2) responsável é o eleito pela lei como devedor da obrigação tributária por razões de conveniência e de necessidade da administração tributária. Contribuinte é o personagem principal, enquanto o responsável é o figurante, como assevera Luciano Amaro.

    Spacca

    Contribuinte é quem realiza o fato gerador, enquanto responsável é o sujeito de alguma forma vinculado ao fato gerador, eleito pela lei como devedor do tributo, senão vejamos:

    “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

    Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

    I – Contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

    I – Responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei. (Grifos nossos).”

    Ou seja; ao descrever o tipo penal do artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90 fica nítida a intenção do legislador em punir quem desconta ou cobra na qualidade de sujeito passivo o tributo, não entregando o referenciado valor aos cofres públicos, diferentemente do contribuinte, que contabiliza o imposto municipal, mas não efetua o pagamento de tal receita ao Estado.

    Responsabilidade por substituição

    Uma das modalidades mais utilizadas na responsabilidade tributária é a responsabilidade por substituição, conforme reza o artigo 128, do Código Tributário Nacional.

    Especificamente no caso do ISS, por exemplo, a responsabilidade do artigo 6º, da LC nº 116/2003 — por substituição — apresenta, num primeiro momento, contornos de mera obrigação acessória.  Num segundo momento é que assume a verdadeira feição de responsabilidade,ou seja, somente se ocorrer a inobservância da obrigação acessória de reter o tributo municipal do prestador do serviço, é que o tomador será responsável pelo pagamento do tributo.

    De acordo com o ISS, se o responsável não efetuar a retenção do tributo que lhe compete realizar, ele se tornará o responsável pelo pagamento da exação, uma vez que o fisco, pelo menos em um primeiro momento, direcionará a cobrança tributária para sua pessoa. Daí a expressão “descontado ou cobrado” na condição de sujeito passivo, em face da imposição da responsabilidade por substituição.

    Vejamos um exemplo

    A Lei Complementar nº 116/2003 estabelece que, de forma geral, o imposto é devido no local do estabelecimento prestador. Como exceção à regra, a mencionada legislação enumera 25 situações em que o tributo deve ser recolhido no local onde de fato o serviço é realizado, mesmo que seja em lugar diverso da sede da empresa, situações essas em que ocorrerá a retenção do ISS pelo tomador do serviço (contratante).

    Caso esse tomador não efetue a retenção (que corresponde exatamente à expressão “descontado” do tipo penal), o fisco municipal exigirá o imposto municipal do mesmo tomador, contratante da obra (momento em que elucidamos o termo “cobrado”) do tipo penal descrito no artigo 2º, do inciso II, da Lei 8.137/90.

    Tese não se sustenta

    Afirmar, como fez o STJ, que o crime de apropriação indébita tributária pode ocorrer tanto em operações próprias como em razão de substituição tributária não é apropriado, respeitando-se os motivos acima apresentados.

    Em nossa perspectiva não há crime nas operações próprias envolvendo o ISS, no que se refere à conduta descrita no artigo 2º, do inciso II, da Lei 8.137/90.

    Segundo o STJ, tributo “cobrado” é expressão que abrange todos os demais casos em que o ônus financeiro do tributo incidente sobre o consumo (tributo indireto) é repassado (“embutido”) no preço do produto pago pelo consumidor, mas acaba sendo “apropriado” pelo contribuinte, que deixa de recolher o tributo aos cofres públicos.

    A tese de que o dolo de apropriação é genérico e inerente à conduta de declarar e não pagar o imposto descontado ou cobrado do contribuinte final, não se sustenta.

    O contribuinte de fato é um estranho na relação obrigacional tributária dentro da ótica da expressão “cobrado”. Tanto isso é verdade que somente ao sujeito passivo (o dito “contribuinte de direito”) é conferida essa faculdade de repetir o indébito tributário, desde que cumpridos os requisitos do artigo 166 do Código Tributário Nacional.

    É exatamente essa orientação que foi consolidada, no âmbito do STJ, no REsp repetitivo 903.394/AL. Ou seja: o fato de o contribuinte não entregar para o Estado o montante tributário que ele teria “cobrado” do terceiro, não pode ser considerado uma conduta delituosa TRIBUTÁRIA porque se trata de uma mera inadimplência perante o Fisco.

    Veja-se que o tipo penal menciona Deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; “. E não cobrado de terceiros, como defende parte da doutrina.

    Ou seja: a palavra terceiros foi acrescentada pela doutrina. Se o legislador tivesse tido essa intenção, teria incluído a expressão “de terceiros“, mas não o fez. O tipo penal se refere à conduta de deixar de recolher tributo cobrado, na qualidade de sujeito passivo da obrigação. E somente.

    Tipicidade restrita

    Dito isso, não se pode afirmar que quando a lei menciona deixar de recolher tributo cobrado, está a indicar, “deixar de recolher tributo cobrado de terceiros”. A interpretação não deve ultrapassar o que está contido no tipo penal, considerando que nessa área prevalece o princípio da tipicidade restrita não admitindo a inclusão de elementos e expressões que a lei não utiliza, principalmente para se chegar a conclusões in malam partem, como estão.a criar os tribunais superiores.

    Por causa dessa interpretação ampliada, não é possível afirmar que na ação de deixar de pagar tributo cobrado, na condição de sujeito passivo da obrigação ocorre o uso de fraude, que é essencial para a configuração do delito de apropriação indébita.

    O descumprimento configura infração administrativa que não configura crime e resulta na cobrança do tributo acrescido de multa e juros, por meio de execução fiscal ou outra medida administrativa.

    Caso tenha ocorrido uma conduta criminosa (e essa situação precise ser comprovada) essa se deu entre o contribuinte de direito (prestador) e o consumidor do serviço (cliente final), pois, em princípio, este teria sido enganado pelo prestador, levando-o a crer que estaria exercendo seu papel de cidadão e cumprindo com seu dever de colaborar com o financiamento do Estado, quando, na verdade, o valor estaria nas mãos do particular que prestou o serviço.

    Conclusão

    Enfim, o que importa é que o tipo citado no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, não configura crime em operações próprias, de acordo com entendimento do STJ consolidado na Súmula nº 658, pois para a caracterização da apropriação indébita tributária nesses casos, não é suficiente o contribuinte cobrar o tributo de terceiro e não repassar o valor referente ao imposto aos cofres públicos, pois essa não é a redação do tipo penal.

    spot_img

    Últimas Postagens

    spot_img

    Não perca

    Brasília
    céu pouco nublado
    14.5 ° C
    14.5 °
    14.5 °
    77 %
    1kmh
    20 %
    qua
    28 °
    qui
    29 °
    sex
    29 °
    sáb
    30 °
    dom
    23 °

    3.129.20.133
    Você não pode copiar o conteúdo desta página!