segunda-feira, 1 julho, 2024
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    Combate ao preconceito no futebol exige punições rigorosas


    O Dia Mundial da Eliminação da Discriminação Racial é celebrado em 21 de março. Esta data foi escolhida em memória do massacre perpetrado pela polícia do regime de segregação racial, que resultou na morte de 69 pessoas negras na cidade de Sharpeville, na África do Sul.

    Desde aquele incidente, em 1960, houve progressos, mas são insuficientes para erradicar completamente o preconceito racial.

    No último fim de semana, o futebol internacional foi marcado por dois casos de racismo, envolvendo torcedores do Sheffield Wednesday, da Inglaterra, e da Udinese, da Itália, que imitaram gestos de macacos para os jogadores adversários, com registro imediato pelas câmeras de transmissão.

    Na Itália, o goleiro do Milan, Mike Maignan, informou ao árbitro e se retirou de campo, sendo seguido pelos colegas de equipe. A partida foi retomada, mas o dano já estava feito, independentemente do resultado a favor do Milan.

    Repercussão global
    As atitudes foram imediatamente condenadas e repercutiram em todo o mundo, inclusive com a enérgica manifestação do presidente da Fifa, Gianni Infantino, que apresentou uma proposta dura, porém necessária: derrota para a equipe cujos torcedores interrompam o jogo por atos ou gestos racistas [1].

    O futebol tem a bela virtude de unir culturas e povos, sem fazer distinção de crença, raça ou origem. A linguagem da bola é universal. No entanto, os recentes casos de discriminação racial em jogos de futebol ao redor do mundo deixam claro que o preconceito é uma ferida que envergonha a raça humana e que precisa ser erradicada de uma vez por todas.

    Antes de questionar como a medida sugerida pela Fifa poderia ser implementada, talvez seja o momento ideal para refletir sobre o que tem sido feito. Existem algumas campanhas, penalidades e visibilidade, mas não são suficientes para impedir essa abominação que é reflexo de uma sociedade doente.

    Esporte bretão
    O jogador Vinícius Júnior, do Real Madrid, sofre constantemente com ataques covardes e tem sido a principal voz na denúncia do racismo no esporte.

    No livro O Negro no Futebol Brasileiro, Mário Filho relata que no início do século 20 o futebol era praticado quase que exclusivamente por clubes de engenheiros e técnicos ingleses, além de jovens da elite metropolitana que conviviam nesse ambiente. Os principais times de futebol eram compostos por profissionais liberais, servidores públicos, acadêmicos e bacharéis em Direito que dominavam os campeonatos nos bairros nobres.

    Para entrar no Fluminense, era necessário ser de “boa família”, caso contrário, a pessoa certamente seria excluída. Alguns clubes da época demonstravam em seus nomes sua inegável origem, como o Paissandu Cricket Club, o The Bangu Athletic Club e o Rio Cricket and Athletic Association, sendo que este último era exclusivo para ingleses e seus filhos. Já o Bangu, apesar de ser de ingleses, admitia negros em seu elenco, que eram os operários da fábrica, colocando-os em igualdade com os mestres ingleses, o que não acontecia com Botafogo e Fluminense (MÁRIO FILHO, 2003 – p. 29).

    Pioneirismo cruzmaltino
    A quebra desse paradigma ocorreu somente em 1923, com a vitória do Vasco da Gama, que era um clube de origem popular e que abriu novas oportunidades para a prática esportiva nobre, sendo crucial destacar a observação feita pelo cronista Mário Filho:

    “Os clubes finos, de sociedade, como se dizia, estavam diante de um fato consumado. Não se ganhava campeonato só com times de brancos. Um time multirracial era o campeão da cidade. Contra esse time, os times de brancos não tinham podido fazer nada. Desaparecera a vantagem de ser [ap_mais]de boa linhagem, de ser aluno, de cor clara. O jovem de boa estirpe, o estudante, o de cor clara, precisava competir, em igualdade de circunstâncias, com o desfavorecido, quase iletrado, o mestiço e o negro, para ver quem jogava melhor”.

    A grandiosa conquista do Vasco em 1923 e o bicampeonato estadual no ano seguinte incomodaram os outros clubes cariocas, afinal, como poderia um time composto por jogadores negros, pobres e oriundos da períferia ter tanto sucesso dentro das quatro linhas?

    Inicialmente, tentaram excluir os jogadores que não pudessem assinar a súmula, em seguida, os clube de elite se desligaram da Liga organizadora do campeonato e fundaram a Associação Metropolitana de Esportes Amadores (Amea). Ao Vasco foi negado o acesso à referida associação, sob a falsa alegação do clube não ter um estádio próprio, porém, o real motivo da negativa veio à tona quando foi apresentada uma proposta indecorosa, na qual o Vasco da Gama seria admitido na Amea desde que eliminasse do time 12 jogadores, mais explicitamente os negros, pardos, caixeiros e operários.

    Diante da proposta racista e preconceituosa, o clube cruzmaltino não se intimidou e apresentou a seguinte resposta:

    “Estamos certos de que V.Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno de nossa parte sacrificar, ao desejo de filiar-se à Amea, alguns dos que lutaram para que tivéssemos, entre outras vitórias, a do campeonato de futebol da cidade do Rio de Janeiro de 1923. São 12 jogadores jovens, quase todos brasileiros, no começo de suas carreiras. Um ato público que os maculasse nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que eles com tanta galhardia cobriram de glórias. Nestes termos, sentimos ter que informar à V.Exa. que desistimos de fazer parte da Amea.”

    Neste ano de 2024 a “Resposta Histórica” comemora 100 anos e pode ser considerada a “Lei Áurea” do futebol brasileiro, pois, no ano seguinte, em 1925, o Vasco foi admitido na Amea, com dignidade.

    O ídolo Friedenreich
    Independentemente de preferências clubísticas, raça, credo ou cor, os gênios da bola foram os responsáveis pelo fascínio do público em admirar a arte dentro dos gramados. Muitos craques tiveram esse importante papel, apesar de um número extremamente reduzido destes é que grava seu nome no mural história.

    Arthur Friedenreich foi o primeiro jogador brasileiro a ter sua popularidade reconhecida ao ser carregado, em triunfo, na vitória do campeonato Sul-Americano de 1919. Sua chuteira ficou exposta na vitrine de uma joalheria no centro do Rio de Janeiro.

    Este jogador traduz o significado da raça brasileira. Foi contemporâneo de Charles Miller e sua infância se deu em um período em que o futebol era praticado pela elite nacional, composta também de filho de imigrantes, que praticavam esse esporte no São Paulo Athletic Club, no Germânia e no Mackenzie College. Nesse círculo infelizmente não havia espaço para negros e pobres, daí a importância de Friedenreich que ajudou a iniciar o processo de integração racial e cultural entre os povos. Nascido no bairro da Luz, em São Paulo, era filho de um alemão e uma empregada doméstica de pele escura, era mulato de olhos claros e estudou nos melhores colégios de São Paulo.

    Medidas necessárias
    É absolutamente incompreensível que, em pleno século 21, atitudes irracionais sejam manifestadas por certos torcedores de determinados clubes. O racismo é um ato criminoso e tem que ser punido da forma mais severa possível.

    Os códigos desportivos disciplinares preveem penas para essa prática criminosa, inclusive, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva prevê a exclusão do clube do torneio.

    A exclusão do time envolvido, daquele campeonato, pode parecer uma pena injusta e desproporcional, pois, afinal, foi apenas um grupo de indivíduos (não evoluídos) que cometeu o ato. Nada obstante, a partir do momento em que você pune a agremiação emmotivo por trás da ação criminosa cometida por um determinado grupo, é possível que a reincidência não ocorra, pois os líderes estarão mais atentos à fiscalização de seus torcedores.

    É relevante ressaltar que no Brasil está em atuação o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, entidade proativa e engajada, que reforça a importância do futebol como um vetor significativo de inclusão social e de combate à violência e à discriminação racial. Trata-se de um movimento que tem se estabelecido como um efetivo instrumento de discussão, alerta e conscientização sobre a discriminação racial no futebol brasileiro, com a implementação de medidas preventivas e educacionais.

    “Pseudotorcedores e a valentia de Vini Jr.”
    Sendo assim, para além de os responsáveis pelo Direito Desportivo terem a coragem de aplicar as sanções disciplinares mais severas dos respectivos códigos disciplinares, é crucial que se comece a utilizar, de maneira efetiva, as ferramentas e leis disponíveis, especialmente as criminais, sem desculpas, sem atenuantes, de forma imediata e firme, sem omissão e conivência com as atitudes criminosas que devem ser erradicadas do futebol mundial.

    Após a conclusão deste artigo, foi divulgada a animadora notícia de que o “pseudotorcedor” que proferiu insultos racistas contra o goleiro foi identificado e banido do estádio da Udinese. A medida foi possível graças à união de forças entre os serviços policiais e as câmeras de segurança do Estádio Blueenergy. Além disso, a Comissão Disciplinar da Série A, organizadora do Campeonato Italiano, puniu a Udinese com a realização de um jogo com portões fechados.

    A luta contra a discriminação racial é uma tarefa árdua e os casos de racismo que são noticiados causam perplexidade, porém, ainda são poucos aqueles cidadãos que, como o atleta Vinícius Júnior, têm coragem para enfrentar e mudar essa realidade.

    Seguindo as palavras do presidente da Fifa, De uma vez por todas: Não ao racismo! Não a qualquer forma de discriminação!

     

    [1] “Os acontecimentos que tiveram lugar em Udine e Sheffield no sábado são totalmente abomináveis e completamente inaceitáveis. Não há lugar para o racismo ou qualquer forma de discriminação – tanto no futebol como na sociedade. Os jogadores afetados pelos acontecimentos de sábado têm todo o meu apoio. Para além do processo em três fases (jogo interrompido, jogo novamente interrompido, jogo abandonado) temos de implementar uma perda automática de direitos para a equipa cujos adeptos cometeram racismo e causaram o abandono do jogo, bem como a proibição de acesso aos estádios em todo o mundo e acusações criminais para os racistas.

    A FIFA e o futebol são totalmente solidários com as vítimas de racismo e de qualquer forma de discriminação. De uma vez por todas: Não ao racismo! Não a qualquer forma de discriminação!”

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