sexta-feira, 28 junho, 2024
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    De que forma a PGR deve elaborar acusação contra Bolsonaro por alegado golpe


    Juristas que acompanham atentamente a apuração sobre a suposta tentativa de golpe de Estado, no final de 2022, entendem que a Procuradoria-Geral da República (PGR) já dispõe de indícios suficientes para apresentar denúncia contra Jair Bolsonaro (PL) pelo delito no Supremo Tribunal Federal (STF). Analisam, contudo, que isso não implica, necessariamente, em elementos para uma condenação do ex-presidente.

    Segundo três advogados da área consultados pela Gazeta do Povo, os promotores tendem a buscar mais evidências, especialmente que envolvam Bolsonaro diretamente na ação de 8 de janeiro de 2023, em que ocorreu invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília.

    No âmbito da PGR, que detém a palavra final para acusar ou não Bolsonaro, a orientação é de máxima discrição neste momento. Quem está à frente do caso internamente não fornece pistas sobre o timing, o modo e a viabilidade de uma possível denúncia.

    Mesmo nas manifestações sobre o caso encaminhadas ao STF, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, tem sido parcimonioso nas palavras e evita antecipar qualquer juízo. Apesar de ter apresentado algumas ressalvas na investigação – foi contra, por exemplo, a proibição de contato entre Bolsonaro e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto – ele tem aprovado quase todas as diligências solicitadas pela Polícia Federal e autorizadas pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito no STF.

    Entre os ministros do STF, a expectativa é que a apuração da PF seja finalizada ainda neste semestre. Somente após isso a PGR poderá formular a denúncia.

    PGR deverá estabelecer linha cronológica partindo de reunião de julho de 2022

    Para juristas ouvidos pela reportagem, se a PGR optar pela denúncia, a tendência é que estabeleça uma linha cronológica que reúna alguns acontecimentos públicos e outros revelados na investigação que evidenciem que, muitos meses antes da eleição, Bolsonaro já considerava e preparava uma tentativa de reverter sua derrota nas urnas.

    Um ponto-chave dessa trama é o vídeo da reunião ministerial, ocorrida em 5 de julho de 2022, em que Bolsonaro prevê que perderia para o então candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva e pressiona seus ministros a questionar o processo eleitoral conduzido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sob o argumento de que seria impossível verificar a lisura das urnas eletrônicas.

    Na reunião, o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, tratou o tribunal como “inimigo”, e o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, afirmou que era necessário “virar a mesa” antes das eleições e “agir contra determinadas instituições”.

    Antes disso, Bolsonaro já questionava a integridade da votação eletrônica. Durante o mandato, mencionou algumas vezes que teria sido eleito no primeiro turno em 2018, e em 2021, em uma entrevista à imprensa transmitida ao vivo, em que anunciaria “provas” de fraude, exibiu vídeos da internet nos quais eleitores reclamavam de supostos desvios nos votos como “indícios” de fraude. Em julho de 2022, ele convocou embaixadores para lançar novas dúvidas sobre as urnas e a imparcialidade do TSE.

    A PGR também deverá utilizar na denúncia contra Bolsonaro fatos até então desconhecidos, mas agora revelados na investigação da Polícia Federal, para reforçar a acusação de que o objetivo sempre foi anular a eleição de Lula. Dentro desse rol estão:

    • o texto de um decreto em que Bolsonaro instituiria um Estado de Defesa no TSE para “garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022” – que vem sendo denominado de “minuta do golpe”. A investigação da PF indica que, apesar de o documento não possuir assinatura, o ex-presidenterevisou o texto para prever a detenção de Moraes;
    • mensagens do ex-auxiliar de ordens Mauro Cid que sugerem que Bolsonaro teria procurado apoio do Exército e de forças especiais (os “garotos negros”) para realizar a detenção – alguns diálogos mostram que um coronel monitorava deslocamentos do ministro no final de 2022;
    • testemunhos do ex-líderes do Exército, Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Junior, em que relatam reuniões com Bolsonaro e Paulo Sérgio Nogueira, para avaliarem o plano – mensagens do ex-diretor da Casa Civil Walter Braga Netto também indicam que eles sofriam pressão, dentro das Forças Armadas, para endossarem uma intervenção;
    • ciência e possível apoio, por parte de Bolsonaro e Braga Netto, das manifestações de apoiadores em frente aos quartéis em favor de uma intervenção – há vídeos registrando aparições públicas de Bolsonaro e Braga Netto na época, em frente ao Palácio da Alvorada, reconhecendo os atos, bem como mensagem de Cid oferecendo apoio financeiro.

    PF tenta ligar falsificação de cartão de vacina à investigação sobre tentativa de golpe

    Na terça-feira (19), ao indiciar Bolsonaro por falsificar cartão de vacina contra a Covid, o delegado Fabio Shor escreveu que essa e outras ações investigadas – dos “ataques” a opositores políticos e a integrantes de instituições nas redes sociais até à suposta apropriação de presentes dados à Presidência – visavam a “garantir a permanência no poder”. Segundo a PF, Bolsonaro e seu entorno integrariam associação criminosa para cometer vários delitos com esse objetivo.

    A falsificação do cartão de vacina, nas palavras do delegado, “pode ter sido utilizada pelo grupo para permitir que seus integrantes, após a tentativa inicial de Golpe de Estado, pudessem ter à disposição os documentos necessários para cumprir eventuais requisitos legais para entrada e permanência no exterior (cartão de vacina), aguardando a conclusão dos atos relacionados a nova tentativa de Golpe de Estado que eclodiu no dia 08 de janeiro de 2023”.

    Outros pontos que podem ser ligados à narrativa sobre tentativa de golpe

    Para Gabriel Frias Araújo, advogado, professor e mestre em Direito pela Unesp, há um “ideário comum” por trás de fatos mais recentes que culminaram nos ataques ao STF, ao Congresso e ao Palácio do Planalto em 8 de janeiro de 2023 – ato que a PF, a PGR e os ministros do STF já consideram como tentativa de golpe, definido no Código Penal, como a tentativa de “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”.

    Exemplos disso são a declaração de Bolsonaro de que não cumpriria ordens de Moraes, durante discurso em 7 de setembro de 2021, na avenida Paulista (embora tenha recuado do posicionamento dois dias depois); a fiscalização reforçada da Polícia Rodoviária Federal em estados do Nordeste no segundo turno da eleição de 2022; o vandalismo contra a PF em Brasília no dia da diplomação de Lula, em dezembro, após a prisão de um indígena que protestava contra o presidente eleito; a tentativa de explodir uma caminhão-tanque antes do Natal naquele ano; bem como as manifestações em frente ao quartel-general (QG) do Exército em Brasília, de onde partiram os “executores” do 8 de Janeiro.

    Para Araújo, no entanto, a PF ainda deve buscar os elos de ligação entre todos esses eventos.

    “Acho que já existem elementos para a fazer denúncia, estão tentando encontrar um rastro que leva uma coisa à outra”, diz. “A PF espera encontrar elementos de fato que liguem tudo isso ou pessoas que participaram de todos esses atos. Não eram coincidências. Vai se chegar a algum nome ou nomes. A questão vai ser individualizar condutas, para que cada um responda na medida do que colaborou”, diz o advogado, que já defendeu réus na Operação Lesa Pátria, que apura os financiadores e instigadores do 8 deJaneiro. Ele presume que tenha existido alguém que determinou a invasão.

    “Em algum momento ocorreu um gatilho. Resta descobrir quem deu início e por ordem de quem. Os protestantes estavam se organizando e se mobilizando desde o desfecho das eleições. Enquanto isso, o presidente realizava reuniões a portas fechadas, trabalhava antes e depois das eleições, e certamente sabia que as pessoas se encontravam na frente dos quartéis”, opina.

    Antonio Carlos de Freitas Jr., mestre em Direito Constitucional pela USP, também considera que os elementos colhidos na investigação, até agora divulgados, são suficientes para uma acusação, mas não necessariamente para uma condenação de Bolsonaro.

    “Não são evidências irrefutáveis. Não quer dizer que ele será condenado, nem estou falando que ele seja culpado. Uma vez acusado, ele terá o direito de ampla defesa e contraditório para produzir provas [em seu favor]. Mas vejo que já existem indícios suficientes para materialidade: houve tentativa de golpe”, pondera.

    É o que também entende Acacio Miranda, mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada. Para ele, a PF ainda deve buscar elementos mais sólidos da participação de Bolsonaro no 8 de Janeiro.

    “Há indícios de materialidade e autoria suficientes para a acusação, mas não para condenação. Precisamos levar em consideração que, processualmente, essas provas serão analisadas sob o crivo do contraditório. Se elas vão se sustentar na ação penal, não sei”, diz o advogado.

    O que Bolsonaro já falou sobre o caso

    Bolsonaro sempre negou qualquer tentativa de golpe e afirma que não tomou nenhuma medida concreta para se manter no poder – ao contrário, diz que
    seu governo colaborou para a transição para a nova gestão de Lula e que ele
    mesmo nomeou os comandantes das Forças Armadas escolhidos pelo novo presidente.

    “Golpe? Que golpe? Onde estava o comandante? Onde estavam as tropas, onde estavam as bombas?”, disse Bolsonaro em fevereiro do
    ano passado, em entrevista ao jornal “The Wall Street Journal” sobre o 8 de
    Janeiro. Ele destacou que na data estava nos Estados Unidos.

    Em junho, ele declarou que não tinha conhecimento da minuta do decreto de Estado de Defesa encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. “Não tive conhecimento. Não existe golpe com respaldo jurídico. Golpe é pé na porta e arma na cara, meu Deus do céu. Golpe tem que depor alguém. [Artigo] 142, GLO, tudo isso são remédios previstos na Constituição. (…) Golpe não tem papel, tem fuzil. Dá pra entender isso?”.

    No último dia 25 de fevereiro, em discurso na avenida Paulista, ele voltou a questionar a acusação de golpe. “Golpe é tanque na rua, é arma, é conspiração. Nada disso foi feito no Brasil. Por que continuam me acusando de golpe? Porque tem uma minuta de decreto de Estado de Defesa. Golpe usando a Constituição?”, disse.

    Reuniões com as Forças: atos preparatórios ou executórios?

    Uma discussão a ser travada no processo, já sinalizada pelo próprio Bolsonaro, diz respeito às fases de uma conduta criminosa. Pelo direito penal brasileiro, são quatro: cogitação, preparação, execução e consumação.

    Exemplo fácil de entender é de um homicídio: na fase da cogitação, uma pessoa pensa em matar outra; na da preparação, arruma uma arma e planeja uma emboscada; na fase de execução, dispara o tiro ou dá uma facada; e na consumação, consegue matar a vítima.

    O Código Penal diz que as duas primeiras fases não são puníveis, mas somente as duas últimas, exceto em determinados delitos muito específicos, em que a preparação já constitui um ato criminoso – caso do terrorismo, por exemplo.

    Para o procurador de Justiça de São Paulo César Dario
    Mariano, especialista e professor de Direito Penal, com o que se sabe até o momento,
    Bolsonaroparou na segunda etapa e, por essa razão, não pode ser culpado.

    “O que temos ali são simples atos preparatórios, e um planejamento deficiente ainda. Não houve nenhum ato de execução. As tropas foram colocadas em prontidão? Militares pegaram em armas de fogo? Carros blindados foram postos nas ruas? Não. Os líderes não concordaram com isso. Não ocorreu o início da execução, então não se pode mencionar crime. Não houve nada além de preparação. Houve desistência voluntária, não há tipicidade”, declara.

    Ele ainda recorda que os delitos de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito só se efetivam quando há uma tentativa com utilização de “violência ou grave ameaça”. “Qual foi a violência ou grave ameaça concreta? Alguma instituição ou alguma pessoa foi ameaçada?”, questiona o procurador.

    Para ele, somente é viável acusar e sentenciar Bolsonaro se ficar provado que ele teve participação no 8 de Janeiro. “Ele precisa ter planejado, induzido ou sido responsável por todas as pessoas estarem lá, ou conversou com empresários para financiarem isso. Tem algo nesse sentido? Existem apenas suposições”, relata.

    Já para Antonio Carlos de Freitas Jr. e Acacio Miranda, se ficar comprovado que Bolsonaro tentou convencer os comandantes do Exército e da Aeronáutica a aderir ao Estado de Defesa no TSE, para rever o resultado da eleição, estaria configurada não uma preparação, mas um ato executório do golpe.

    “O tipo penal que estamos tratando utiliza como verbo ‘tentar’. Portanto, não podemos exigir que para a configuração do delito, fosse necessário estar presente conseguir derrubar o governo legitimamente eleito ou mudar o Estado Democrático de Direito. E a cogitação teria que ser muito fora do plano da realidade. Teria que ser algo como ‘pensei’, ou ‘foi uma brincadeira’, ou ‘foi uma conversa que falaram e logo rejeitei, tomei medidas concretas para que não ocorra’. O fato de ter conhecimento, falar sobre a minuta com autoridades públicas, ver pessoas organizando as manifestações e executando, como no caso do 8 de Janeiro, demonstra que houve atos executórios, não preparatórios”, opina Antonio Carlos de Freitas Jr.

    “A gente pune o terrorismo da mesma forma que a tentativa. Se o golpe de Estado fosse concretizado, não haveria punição”, argumenta Acacio Miranda.

    A expectativa entre ministros do STF é que eventual denúncia da PGR seja apresentada ainda neste ano, depois que a PF concluir as investigações sobre essa suspeita.

    Uma prisão preventiva, por enquanto, está fora do horizonte, a não ser que Bolsonaro seja acusado de atrapalhar as investigações. A prisão para cumprimento de pena, em caso de condenação, só pode ser efetivada após a sentença e julgamento de dois recursos no próprio STF.

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