domingo, 7 julho, 2024
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    Decreto ilegítimo do RJ estabelece cobrança do adicional de 2% para FECP

    Ponto de vista

    O governador do Rio de Janeiro promulgou, em agosto deste ano, o Decreto nº 48.664/2023, que decretou a cobrança do adicional de 2% ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) para ser destinada ao Fundo Estadual de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais (FECP). A cobrança passará a ser efetiva a partir de 1º de janeiro de 2024 para diversas atividades que não podem ser consideradas supérfluas, em contrariedade à Constituição de 1988 (CF88).

    Instituído em 2000 por meio de emenda constitucional (EC), que incluiu novos dispositivos ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição, o FECP equivale a uma alíquota adicional do ICMS que estados, Distrito Federal e municípios devem estabelecer para serem geridos por entidades que contem com a participação da sociedade civil.

    Dentre os dispositivos adicionados ao ADCT, destaca-se a determinação de que o adicional de até 2% seja cobrado sobre produtos e serviços supérfluos, conforme prevê § 1º do artigo 82. Além disso, merece destaque o artigo 83 do ADCT, também adicionado pela emenda constitucional que instituiu o FECP e que determina que: “Legislação federal definirá os produtos e serviços supérfluos mencionados nos arts. 80, II, e 82, § 2º”.

    O decreto do Rio de Janeiro, no entanto, estipula que, entre as atividades sujeitas à cobrança, estão: comércio varejista de caráter eventual ou provisório em épocas festivas; fornecimento de alimentação; refino de sal para alimentação; e demais relacionadas no Livro V do Regulamento do ICMS (prestação de serviço de transporte rodoviário intermunicipal de passageiro; prestação de serviço de transporte aquaviário de passageiro, carga ou veículo; e comércio varejista de produtos de padaria, laticínio, doces, balas e semelhantes).

    Ao analisar rapidamente esse decreto, é perceptível que o estado do Rio de Janeiro exigirá o adicional ao FECP sobre operações que não podem ser consideradas supérfluas, conforme determinado o § 1º do artigo 82 do ADCT.

    O Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou diversas vezes a favor da possibilidade de cobrança do FECP mesmo antes da edição de lei complementar federal que estabelecerá quais são os bens supérfluos, desde que atendidas as demais disposições das EC nº 33/2001 e 42/2003.

    No entanto, mesmo que não haja a regulamentação por lei, há bens e serviços evidentemente essenciais que, de acordo com as disposições do ADCT, não podem ser tributados pelo FECP.

    No estado do Rio de Janeiro, o FECP foi estabelecido pela Lei Estadual nº 4.056/2002 e atualmente é disciplinado pela Lei Complementar (LC) nº 210/2023, que define as regras de aplicação dos recursos do Fundo com objetivo de viabilizar iniciativas que beneficiem pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade social. Dentre as iniciativas, destaca-se o combate à fome e à desnutrição, moradia digna, transporte acessível, educação e saúde.

    É viável analisar o conceito de produtos e serviços supérfluos sob a perspectiva da seletividade do ICMS, prevista no artigo 155, § 2º, inciso III, da CF88, o qual dispõe que o ICMS poderá ser seletivo em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços. Isso significa que o legislador estadual poderá estabelecer alíquotas de ICMS de acordo com a essencialidade do produto ou serviço, sendo menores para os considerados essenciais e maiores para os supérfluos.

    Vale ressaltar que no Tema nº 745 de repercussão geral e diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) correlatas, o STF afastou a cobrança do ICMS em alíquotas majoradas sobre bens tidos essenciais, como energia elétrica e telecomunicações [1].

    Nessa linha, a LC nº 194/2022 inseriu o artigo 18-A ao Código Tributário Nacional e artigo 32-A à Lei Kandir (LC nº 87/1996), listando os produtos e serviços que não podem receber o tratamento de supérfluos, diante da essencialidade e indispensabilidade, tais como: combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo.

    Importante notar que, embora a LC nº 194/2022 não seja a norma prevista no artigo 83 do ADCT, ainda não editada e que definirá quais são os bens supérfluos para fins de (não) incidência do FECP, os bens e serviços nela listados não podem ser onerados pelo Fundo por determinação do legislador estadual, como parece ser o caso do transporte coletivo, serviço no qual o Decreto RJ nº 48.664/2023 atualmente impõe a obrigação ao pagamento do adicional.

    Neste ponto, a CF88 estabelece a competência concorrente de União e Estados para legislar sobre direito tributário (artigo 24, inciso I). No entanto, a superveniência de lei federal suspende a eficácia da legislação estadual caso os comandos normativos sejam contrários (§4º[2]), e, obviamente, a lei federal já vigente constitui impedimento a disposições contrárias pelo legislador estadual (como decidido pelo STF nas ADIs nº 6284 e 442, por exemplo). Portanto, não caberia ao legislador fluminense impor a cobrança do FECP sobre bens considerados essenciais pela legislação federal.

    No entanto, é preciso considerar que o rol de bens essenciais previsto na LC nº 194/2022 não é exaustivo. Existem produtos e serviços igualmente essenciais, ou até mais, que certamente serão onerados pelo adicional do FECP, como a alimentação, cuja alíquota específica é de 12% e, com a adição do FECP, passará para 14%.

    Além disso, com base no citado artigo 82 do ADCT, até mesmo os bens e serviços não indicados como essenciais pelo legislador não devem estar sujeitos à incidência do adicional do FECP, desde que não sejam supérfluos.

    Ainda que não haja, até o momento, legislação federal definindo as condições e quais seriam os produtos e serviços considerados supérfluos, é evidente que alimentação e prestação de serviço de transporte coletivo não podem ser considerados bens e serviços supérfluos, o que demonstra que o Decreto RJ nº 48.664/2023 é contaminado pela inconstitucionalidade, uma vez que estabeleceu de forma contrária ao artigo 82, § 1º do ADCT ao instituir a cobrança do FECP sobre bens essenciais, infringindo, ainda, as disposições da LC nº 194/2022 (especificamente no que se refere ao transporte coletivo).

    Há, portanto, argumentos fundamentais que tornam discutível a cobrança do FECP no Estado do Rio de Janeiro conforme previsto pelo Decreto RJ nº 48.664/2023 sobre o fornecimento de alimentação e prestação de serviço de transporte coletivo, considerando que os fundos estaduais de combate à pobreza devem ser financiados com recursos provenientes de bens e serviços considerados supérfluos.

    [1] “Adotada pelo legislador estadual a técnica da seletividade em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços.”

    [2] “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
    I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
    (…)

    1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
    2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
    3º Na ausência de lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
    4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”

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