segunda-feira, 8 julho, 2024
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    Documento confronta governo e revela que furto de mercadorias aumentou 4,8% em 2023


    Um relatório anual do setor privado revela que o furto de mercadorias aumentou 4,8% em 2023, comparado a 2022. Esse dado contradiz as informações divulgadas em 31 de janeiro pelo então ministro da Justiça, Flávio Dino, durante o balanço de sua gestão, as quais apontavam uma redução de 11% nesse tipo de crime no ano anterior, também em comparação com 2022. Isso evidencia que o furto de mercadorias, que quase causou a paralisação do setor no Rio de Janeiro em 2017 e gerou grandes prejuízos em todo o país, volta a se tornar um destaque entre as atividades criminosas.

    Os novos dados são resultado de um estudo da multinacional de gestão de riscos Overhaul, especializada em cadeias de suprimentos. Ele indica que em 2023 ocorreram 17.108 incidentes de furto de mercadorias em todo o país. Em 2022, o número de ocorrências registradas foi de 16.324. Isso representa um aumento de 4,8%. Dino havia apresentado um total de 11.652 casos em 2023 e 13.101 em 2022, sugerindo uma redução de 11%.

    O número divulgado pelo governo revela uma defasagem de 46% em relação aos registros do setor privado. Segundo Reginaldo Catarino, gerente de Inteligência da Overhaul Brasil, a diferença se deve ao sub-registro de furtos pelas secretarias de segurança estaduais e outros órgãos relacionados. Ele explica que o Brasil não tem um sistema unificado de coleta de dados, pois cada Estado tem autonomia para definir os parâmetros de peso, volume ou valor para classificar um caso como furto de mercadorias.

    “Cada unidade da federação estabelece seu conceito e, assim, define o furto de mercadorias que será registrado ou não. Por exemplo, no Rio de Janeiro e no Mato Grosso, pequenas entregas feitas em motos e no e-commerce são registradas como furto e não como furto de mercadorias”, explica. Outros Estados registram até casos envolvendo baixo volume como furto de mercadorias.

    Catarino também afirma que há uma preocupação por parte de delegados e agentes da segurança pública para que haja uma unificação desse tipo de crime no país, o que possibilitaria uma avaliação mais precisa do panorama nacional.

    Para obter uma análise mais abrangente, a empresa não se limita aos números fornecidos pelo governo, pelas secretarias de segurança estaduais ou delegacias. Para tanto, os dados são coletados por meio de inteligência artificial, que utiliza palavras-chave para vasculhar a internet e as redes sociais em busca dos casos de furto de mercadorias no Brasil. Posteriormente, os casos são verificados e incluídos ou não na contagem total.

    O Ministério da Justiça informou que os dados publicados em sua página são enviados, consolidados e aprovados pelos Estados e pelo Distrito Federal, e que a forma de preenchimento de indicadores está regulamentada pela resolução Consinesp/MJSP No 6 de 8 de novembro de 2021. Apesar de incluir os casos de furto de mercadorias nos dados de Segurança Pública que os Estados devem fornecer ao órgão, a resolução não estabelece quais são os critérios para classificar o que seria um furto de mercadorias, conforme descreve Catarino.

    O governo enxerga na suposta redução de certas estatísticas criminais o resultado de suas políticas de combate ao crime e investe em eventos e material de divulgação para propagar essas conclusões. Isso ocorre porque a violência tem sido um dos principais pontos fracos da administração de Luiz Inácio Lula da Silva. No caso dos homicídios, houve, por exemplo, a distorção de um gráfico oficial para dar a entender que o atual governo seria responsável por uma queda acentuada no número de mortes no país.

    Furtos de mercadorias não devem diminuir em 2024, diz consultoria

    A previsão da Overhaul é que o número de furtos de mercadorias em 2024 se mantenha estável. A consultoria estima que os casos fiquem em torno de 17.300, o que representaria um aumento de aproximadamente 1%.

    Ricardo Fernandes, um dos fundadores da ARP Analytics, empresa de consultoria em gerenciamento de perigos, argumenta que a expansão e as altas taxas de furto de carga no Brasil estão conectadas à falta de punição. Ele esclarece que poucas investigações são realmente conduzidas, então, consequentemente, poucos criminosos são sancionados por essa atividade. Ademais, seria imprescindível uma legislação mais severa, por exemplo, para penalizar interceptadores e distribuidores das cargas roubadas.

    O consultor enfatiza que, da mesma maneira que no tráfico e no contrabando, os criminosos que operam no furto de cargas são extremamente pragmáticos, agem de modo direto e incisivo e conseguem alcançar seus objetivos. Desta forma, a impunidade e a ausência de barreiras morais acabam por fomentar a tendência de crescimento das estatísticas. A observação de Fernandes vai em consonância com as conclusões do relatório da Overhaul, que apontam que os transportes de cargas no Brasil estão sob grave risco de roubo, principalmente as mistas, alimentos e bebidas, cigarros, eletrônicos, autopeças e agrícolas.

    O acréscimo dos furtos de cargas no país é um fator de inquietação pois fortalece outras atividades criminosas e causa impacto nos preços dos produtos. Isso acontece porque as maiores facções criminosas, como o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital, que originalmente baseavam sua fonte de renda apenas no tráfico de entorpecentes, passaram a diversificar atividades ilícitas. O furto de cargas tornou-se particularmente lucrativo pois não há sistema de rastreio de cargas roubadas e até grandes redes varejistas passaram a comprar produtos roubados.

    Por outro lado, o acréscimo da criminalidade também auxilia a elevar o preço dos produtos legalizados, pois o custo dos seguros de transporte aumentam e são repassados ao consumidor final. Em 2017, no Rio de Janeiro, houve até risco de falta de abastecimento da capital pois corretoras deixaram de oferecer seguros ou praticavam preços exorbitantes e quase inviabilizaram o transporte de cargas por meses.

    Região Sudeste é campeã em furto de cargas

    Conforme o relatório da Overhaul, em 2023, a Região Sudeste ficou em primeiro lugar em furtos de carga, com 76% dos eventos. São Paulo e Rio de Janeiro são os Estados onde a prática é mais crítica, com 70% dos eventos nacionais. A atuação de gangues que buscam cargas de maior valor, como produtos eletrônicos e cigarros, para distribuição em mercados legais e ilegais tem crescido na região.

    Um exemplo foi o furto de um caminhão carregado de cigarros em Cubatão (SP), em 23 de janeiro. Na ocasião, ação conjunta das polícias Militar e Civil de São Paulo resultou na morte de três criminosos, que reagiram à ação policial, e na detenção de 17 suspeitos, sendo dois menores de idade. O motorista havia sido feito refém pela quadrilha, mas foi libertado. O valor total da carga era de R$ 7,2 milhões.

    O episódio revela duas tendências também destacadas pelo relatório: o acréscimo desse tipo de crime na Baixada Santista e o crescimento do furto de cargas de tabaco. Conforme o documento, os municípios de Praia Grande, São Vicente, Guarujá e Cubatão praticamente quadruplicaram os números de furtos de carga entre 2022 e 2023.

    Elevação de custos e de preços

    Como mais de 60% do transporte de cargas no Brasil é feito
    pelo sistema rodoviário, as repercussões dos furtos de carga são bastante abrangentes,
    podendo ocasionar desde o aumento de preços, até mesmo a escassez de determinados
    produtos e o não fornecimento e demora na entrega.

    Charles Ferreira, diretor executivo da JC Gestão de Riscos, que
    presta serviços para garantir a segurança patrimonial e nos transportes de
    empresas, explica que o valor do seguro contra furto aumenta de acordo com a avaliação
    de risco de uma região. Se aumentam os furtos, o valor do seguro tende a
    aumentar e, dependendo dos casos, pode ser preciso utilizar caminhõesblindados,
    proteção armada e localização, por exemplo.

    Ele justifica que, por exemplo, no Rio de Janeiro a soma
    desses gastos em segurança pode alcançar 15% do valor da carga. Para se ter uma
    noção da gravidade desses dados, durante a guerra do Iraque os custos de segurança
    estimados pelas empresas americanas que realizavam a logística de suprimentos do
    exército na área giravam em torno de 20 a 25%.

    Tamanha insegurança fez com que, por exemplo, algumas empresas
    abstivessem de fazer seguros para transporte ou entrega de cargas no Rio. Em alguns
    eventos, além de cobrar valores exorbitantes, os seguros previam a partilha das
    perdas, sendo 50% por parte da seguradora e 50% por parte do segurado. Adicionalmente,
    ele ressalta que empresas já deixaram de abrir centros logísticos na capital
    fluminense em razão do alto risco. “As pessoas não têm noção do valor adicional
    que pagam em virtude das medidas de segurança que as empresas precisam adotar”,
    afirma.

    Mercadorias subtraídas variam conforme a região

    O relatório ainda evidencia que as cargas subtraídas variam em função da produção local. No Sul, que ocupa o 2º lugar no ranking com 10% das subtrações ocorridas no país, o principal alvo dos criminosos são as cargas agropecuárias. Elas representaram 19% do total de ocorrências em 2023. Esse padrão mantém-se no Centro-Oeste, onde 38% das cargas subtraídas são do agronegócio.

    Por outro lado, no Sudeste, as cargas mistas são as mais visadas e na região Nordeste, que concentra 8% do total de subtrações de carga no país, eletrônicos e alimentos e bebidas são os principais alvos. No Norte destaca-se o roubo de produtos eletrônicos, com 31% das ocorrências na região.

    Sequestros planejados e subtrações oportunas

    A carga também pode determinar o tipo de roubo que é realizado. No caso de tabaco, por exemplo, cujo contrabando se tornou uma alta fonte de renda para facções criminosas, e de alguns produtos do agronegócio, as quadrilhas usam uma tática específica.

    Nesses eventos, o caminhão é abordado, levado para um local onde é feito o descarregamento e a redistribuição da carga para outros veículos. Geralmente, o local da “desova” fica em um raio de até 80 km da abordagem, para reduzir o risco de interceptação policial.

    Também existem as subtrações oportunas, nos quais os criminosos abordam os caminhões sem saberem qual é a carga. Geralmente, esses são realizados no perímetro metropolitano e os caminhões são levados para regiões controladas pelo tráfico ou para galpões, onde podem ser rapidamente descarregados, em menos de 15 minutos.

    Charles ressalta que, no caso do roubo de alimentos e bebidas, os riscos para a saúde da população podem ser muito altos, pois os produtos demandam cuidados de conservação que não são cumpridos nem por quem intermedia e distribui a carga subtraída e, muitas vezes, nem por quem a revende. Se houver alguma questão de saúde pública relacionada à deterioração desses produtos, a empresa fabricante ainda pode ter que responder pelos danos causados.

    Mercadoria também cai nas mãos do crime por meio de fraudes e furtos

    Além das modalidades anteriores, também há registros de fraudes e furtos. No primeiro caso, Catarino explica que não há uma ação direta dos criminosos, mas a manipulação de documentos ou uma ação para retirar um caminhão carregado de dentro de um armazém, por exemplo.

    Em alguns casos, o próprio motorista ou uma pessoa que se faz passar por motorista podem sair com a carga e, no meio do percurso, entregá-la para algum interceptador. Depois, fazem o boletim de ocorrência dizendo que a carga foi subtraída. “Infelizmente essa é uma prática que tem ocorrido no Brasil”, destaca.

    Já o furto se distingue das outras modalidades por não envolver o uso de violência ou a criação de narrativas fictícias. Ocorre quando o veículo está parado em um local de estacionamento, por exemplo, e alguém corta a lona ou abre a porta da carroceria e retira uma parte dos produtos, sem haver o sequestro do veículo ou do seu condutor.

    O Ministério da Justiça e Segurança Pública foi procurado para esclarecer e comentar a diferença entre os números que divulgou e os do relatório da Overhaul, mas, até o encerramento desta reportagem, não havia se pronunciado.

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