segunda-feira, 8 julho, 2024
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    documento internacional e consequências legais mundiais



    Ponto de vista

    O assunto relacionado ao documento internacional, entendido como procedimento sucessório ou hereditário transnacional, levanta a observação de que não tem sido devidamente enfatizada no meio acadêmico.

    Existe uma notável falta de atenção por parte dos profissionais do Direito em relação à crescente mobilidade internacional, à globalização de casais, casamentos e divórcios internacionais e às complexidades envolvidas nas sucessões que abrangem bens e ativos dispostos em diversos países.

    Essa falta de atenção fica evidente quando observamos casos divulgados pela mídia envolvendo personalidades ou figuras públicas que enfrentam processos de divórcio, como no caso de Gisele Bündchen, ou situações de falecimento, como ocorreu com Gugu Liberato.

    Nesses contextos, as questões sobre a competência territorial, soberania de nações regidas por sistemas jurídicos distintos e as implicações (bi)tributárias surgem de maneira intrincada, não admitindo respostas simplificadas.

    No exercício prático da advocacia internacional de família, nos deparamos com inúmeras situações envolvendo inventários e partilhas, separações ou divórcios internacionais que abrangem bens de cidadãos brasileiros, dupla ou tripla nacionalidade, nos Estados Unidos, Europa e Ásia.

    Como resultado, é comum encontrar a dispersão de bens estrangeiros entre nações culturalmente distintas, e, na maioria dos casos, o caráter contencioso dos procedimentos e processos se manifesta já na análise preliminar da legislação a ser aplicada: brasileira ou estrangeira?

    A complexidade aumenta quando se trata de um documento internacional.

    Convenção Relativa à Lei Uniforme sobre a Forma de Um Documento Internacional
    Na Europa, a Convenção Relativa à Lei Uniforme sobre a Forma de Um Documento Internacional, também conhecida como Convenção de Washington, busca facilitar o inventário e a partilha transnacional, dispensando a necessidade de averiguação sobre qual legislação deve reger o documento.

    A Convenção prevê no seu artigo 2º, a designação por cada parte contratante, das pessoas habilitadas a tratar das matérias relativas ao documento internacional no respectivo território,  ratificada por boa parte dos países europeus.

    Dispõe nos artigos 2º e 5º: “um documento será válido quanto à forma, independentemente do lugar em que for feito, da localização dos bens e da nacionalidade, domicílio ou residência do autor do documento, se elaborado nos moldes do documento internacional“.

    A Convenção busca facilitar o inventário e partilha transnacional, na Europa, dispensando a averiguação e tratativas sobre a lei de qual país deverá ser aplicada no documento internacional.

    No mesmo sentido, diversos países europeus permitem a elaboração de pactos antenupciais com previsão da lei de qual país será aplicada em caso de eventual divórcio do casal, possibilidade inexistente no ordenamento jurídico brasileiro.

    Contexto local
    O Brasil, infelizmente, não é signatário dessa convenção, e as disposições acerca de documentos internacionais encontram-se dispersas em diversas normativas, tais como o Código Civil, Código de Processo Civil, leis complementares, Constituição Federal e decretos antiquados.

    Nesse contexto, a competência territorial em matéria de sucessão hereditária é regulamentada pelo artigo 23, II, do CPC, que confere à autoridade judiciária brasileira a confirmação de documentos particulares e a realização de inventários e partilhas de bens situados no Brasil, vejamos:

    Artigo 23, II, do CPC: “Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra, em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de documento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil, aindaque o legatário não seja de nacionalidade estrangeira ou tenha residência fora do território nacional”.

    Entretanto, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça tem sido flexibilizado quando a decisão estrangeira está de acordo com a vontade final do falecido e transmite propriedades localizadas no Brasil aos herdeiros indicados no testamento.

    Além disso, em um julgamento datado de 17 de outubro de 2023, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu a viabilidade de flexibilizar os procedimentos normalmente exigidos para conferir validade a um testamento. Nessa ocasião, destacou-se a importância de atenuar certos procedimentos a fim de assegurar o respeito adequado às declarações finais da vontade do testador, como registrado no Recurso Especial (REsp)  2.080.530.

    O Princípio da Unidade Sucessória é aplicado sem restrições aos bens situados no território brasileiro, entretanto a dinâmica se modifica quando os bens estão no exterior, afetando o Princípio da Soberania Nacional e demandando uma análise internacional detalhada.

    Lex Loci Actus
    A aplicação da lei estrangeira e do princípio da Lex Loci Actus nos tribunais de segunda instância é ilustrada pelo Acórdão nº 70075364786/2018/TJ-RS, que analisou um testamento particular feito em Hong Kong, beneficiando uma filha brasileira e partilhando  imóveis no Brasil.

    Nesta situação, o Colegiado exigiu que, para confirmação e validação do testamento particular estrangeiro no Brasil, é essencial a observação e respeito aos requisitos formais exigidos pela lei de Hong Kong (princípio da lex loci actus),  um caso clássico da aplicação da lei estrangeira para validade e eficácia do documento em território brasileiro.

    O que diz a Linbd?
    A constatação de que a sucessão, quando envolve elementos internacionais, é um processo verdadeiramente fragmentado não se restringe à identificação da jurisdição, estendendo-se também à determinação da legislação que regulamenta os direitos sucessórios.

    A maior complexidade em casos que abrangem sucessões transnacionais se manifesta nas situações em que prevalece o conflito positivo de jurisdições, cenários em que múltiplos ordenamentos jurídicos possuem jurisdição para aplicar a legislação sucessória.

    Nesse sentido, dispõe o artigo 10 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb) que “a sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens”.

    Isto significa que, de forma geral, a legislação do domicílio do falecido prevalece, de acordo com a teoria da lei domiciliar (lex domicilii) do autor da herança na sucessão causa mortis, tornando-se irrelevante a natureza ou localização dos bens transmitidos aos herdeiros.

    Em resumo, sem o conhecimento da legislação do domicílio do falecido (lei estrangeira), não é possível determinar se a legislação brasileira é mais favorável.

    Bens no Brasil deixados por estrangeiros
    Em relação aos bens localizados no Brasil e pertencentes a estrangeiros, a Lindb estipula que a sucessão será regida pela legislação brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, desde que não lhes seja mais favorável a legislação pessoal do falecido.

    Esse preceito legal encontra correspondência na Constituição de 1988, a qual garante a aplicação, na sucessão hereditária, da legislação mais benéfica ao cônjuge sobrevivente ou aos filhos brasileiros, seja ela a legislação nacional ou a lei pessoal do falecido.

    Importa ressaltar que a menção à “lei pessoal” do falecido deve ser compreendida em referência à legislação do seu domicílio (e não à residência).

    Desafios e compensações nas partilhas internacionais
    Uma questão de grande interesse e que tem despertado a atenção da doutrina no contexto das sucessões  e partilhas internacionais é a possibilidade de inclusão dos bens situados no exterior na partilha dos bens localizados em território nacional, visando à equalização das quotas atribuíveis a cada parte de acordo com a legislação brasileira.

    Em alguns casos isolados, o Superior Tribunal de Justiça interpretou que a partilha realizada no Brasil deveria contemplar, para efeitos de compensação, o valor dos bens partilhados no exterior.

    Entretanto, essa questão é de extrema complexidade e suscita uma série de questionamentos que precisam ser abordados em cada caso específico.

    Portanto, apesar da relativa complexidade inerente aos elementos de conexão internacional, a análise minuciosa do domicílio do falecido, da localização dos bens e a observância dos requisitos formais do testamento são elementos fundamentais para a condução de procedimentos excepcionais ao lidar com testamentos internacionais.

     

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