segunda-feira, 1 julho, 2024
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    Esquerda encabeça oposição à perdão judicial, instrumento do qual foi a principal favorecida


    A movimentação da facção em prol da aprovação pelo Congresso de um projeto de lei para conceder graça a condenados do vandalismo do 8 de Janeiro possui seu principal foco de oposição nos partidos de esquerda e no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Curiosamente, a pacificação buscada por meio dessa medida prevista pelo código penal – e que foi um dos pontos centrais do discurso do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no evento político da Avenida Paulista domingo passado (25) – beneficiou ao longo da história especialmente o campo progressista vinculado à esquerda.

    A Lei da Anistia de 1979 possibilitou que milhares de brasileiros retomassem suas atividades públicas com ficha limpa. Além daqueles que haviam apenas criticado o regime militar, também foram agraciados 700 condenados por envolvimento na luta armada, com assaltos, terrorismo, sequestros e assassinatos. A medida aprovada pelo Congresso durante o governo de João Figueiredo, o último do período militar, abriu caminho para o processo de redemocratização, consagrado na Constituição de 1988.

    Pessoas beneficiadas como José Dirceu, Miguel Arraes, Luiz Carlos Prestes e Leonel Brizola ocuparam cargos relevantes, seja por nomeação ou eleição, incluindo a Presidência da República, como no caso de Dilma Rousseff (PT), proveniente da luta armada.

    Os beneficiados do “outro lado” pertenciam por sua vez às Forças Armadas e não tiveram destaque na abertura política. Os agentes dos órgãos de repressão que foram identificados, alguns deles responsáveis por torturas e assassinatos, totalizam 337, de acordo com relatórios de comissões do Executivo e do Legislativo.

    Em 1979, após muita pressão da sociedade, o governo optou por enviar em junho uma proposta ao Congresso que instituía a anistia aos presos e exilados políticos pelo regime militar. Naquela época, o Brasil ainda estava sob o bipartidarismo, de um lado a Arena (partido do governo) e do outro o MDB (partido de oposição). O projeto foi aprovado pelo Congresso em 22 de agosto de 1979. A sanção presidencial da Lei da Anistia, em 28 de agosto, resultou na liberação imediata de 17 presos políticos. Outros 35 permaneceram aguardando julgamentos pelo Supremo Tribunal Militar (STM).

    Especialistas e políticos consultados pela Gazeta do Povo apontam que a rejeição da esquerda em apoiar a anistia para opositores de direita deve-se à conveniência política. Sua oposição busca enfraquecer bases de apoio, silenciar vozes críticas e retirar candidatos competitivos das urnas.

    Nesse sentido, o principal alvo é Bolsonaro e um indício disso está em palavras de ordem contra o perdão judicial, exigindo punições severas e imediatas a investigados pelos chamados “atos antidemocráticos”, antes mesmo do fim dos julgamentos e da apresentação de propostas de anistia.

    Oposição avalia estratégias para efetivar o projeto de anistia

    No evento na Paulista, Bolsonaro destacou que quem cometeu vandalismo na Praça dos Três Poderes deve arcar de algum modo com as consequências, porém solicitou à Justiça “um mínimo de razoabilidade”. “Já concedemos perdão no passado a quem cometeu atrocidades no Brasil. Agora, solicitamos a todos os 513 deputados e 81 senadores um projeto para que seja feita justiça no Brasil”, declarou.

    Até o momento o Supremo Tribunal Federal (STF) sentenciou 101 réus do 8 de Janeiro, com penas que variam de 3 a 17 anos de detenção. As sentenças incluem também o pagamento de indenização de R$ 30 milhões, a ser quitado de maneira solidária (em conjunto) por todos.

    Tramitam no Congresso ao menos seis projetos de anistia para o 8 de Janeiro. O PL, maior sigla de oposição, está desenvolvendo estratégias para dar seguimento à campanha iniciada por Bolsonaro. A primeira proposição foi apresentada em outubro pelo senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS).

    Em conversa com o Diário do Poder, ele criticou a “grande influência” de Moraes, protegida pelo silêncio dos outros membros da Corte, e recordou que os réus do 8 de Janeiro foram privados do justo processo ao não serem julgados por um juiz natural de primeira instância. “Ao serem julgados diretamente no STF eles vão apelar para quem? Para Deus? Isso não está certo”, afirmou.

    A adesão de centenas de milhares de pessoas ao ato político convocado pelo ex-presidente, além da presença de 117 deputados, 20 senadores e quatro governadores, impulsionou o debate sobre a anistia, em paralelo ao aumento de condenações e da pressão judicial contra ele e seus aliados. Para aprovar o projeto são necessários os votos de 257 deputados e 41 senadores. E mesmo se aprovado, o texto ainda enfrentará provavelmente um veto de Lula e será judicializado quando a decisão for levada ao STF. Em maio de 2023, o plenário da Corte anulou um indulto presidencial que perdoava a pena imposta ao ex-deputado Daniel Silveira (RJ).

    Pedido de Bolsonaro por anistia é dirigido mesmo ao governo Lula

    O senador Eduardo Gomes (PL-TO), que foi líder de Bolsonaro no Congresso, sugere que o ideal seria aguardar o desfecho das eleições municipais, quando o ex-presidente poderá colher benefícios, para fazer avançar a aprovação da anistia.

    Atualmente, a proposta beneficiaria os condenados pelo 8 de Janeiro e deveria também prever o perdão futuro para aqueles que ainda estão sendo investigados e serão julgados, incluindo políticos, militares e empresários. Esse foi inclusive o argumento contrário apresentado por Lula nesta terça-feira (27) à Rede TV!. “O cidadão lá está pedindo perdão antecipado. Quero ter a presunção de inocência que não tive”, declarou.

    “O Parlamento é o responsável por decidir sobre essa questão (anistia), mas se a proposta partir do Executivo seria bem recebida”, comentou Bolsonaro à revista Oeste, apesar de considerar “bastante difícil” essa possibilidade.

    O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), também vê a anistia como uma oportunidade para “acalmar” o Brasil, ressaltando os 40 casos de perdão político que ocorreram na história da República, permitindo que cidadãos exercessem cargos após serem anistiados. Marinho destaca a existência de uma cultura brasileira de buscar a conciliação, evitando que aqueles que cometeram delitos sejam perseguidos politicamente, mas sim processados conforme a lei.

    O senador ainda esclareceu que o apoio da oposição a uma proposta de anistia não eximiria de responsabilidade aqueles que causaram prejuízos materiais comprovados, mas ressalta que o conhecido lema “abrangente, geral e irrestrita” da lei de 1979 foi defendido no passado por Lula e seus seguidores, que agora têm uma opinião diferente. “Ao aderir à reconciliação nacional, Lula deixaria uma marca de generosidade em sua trajetória política”, afirmou Marinho.

    O cientista político e consultor Paulo Kramer destaca a anistia como algo essencial para equilibrar as disputas político-partidárias, enfatizando que a esquerda atualmente se beneficia das decisões dos tribunais superiores e das investigações da PF, colocando os rivais liberais e conservadores na defensiva.

    “Ao contrário da anistia de 1979, que perdoou até crimes graves de terroristas, a anistia buscada pela direita objetiva reparar injustiças contra manifestantes pacíficos em prol da honestidade e apoiadores do direito à livre expressão pacífica”, opinou.

    Kramer acredita que Lula só concederá anistia à direita mediante um amplo movimento cívico e político nacional, considerando essa perspectiva improvável por enquanto, visto que uma anistia ampla traria de volta Bolsonaro ao cenário eleitoral de 2026.

    Juristas apontam complicações trazidas no Código Penal

    Cláudio Caivano, advogado que representa os detidos do 8 de Janeiro, destaca que a anistia desempenha atualmente um papel no panorama político.importante como instrumento legal para assegurar a autonomia dos condenados. Ele apoia a aprovação do PL 5793/2023, apresentado pelo deputado Delegado Ramagem (PL-RJ), por incluir também aspectos da Lei 14.197/2021, que tipifica os delitos contra o Estado Democrático de Direito no Código Penal.

    O advogado identifica “abusos” de Alexandre de Moraes na interpretação desses delitos, atribuídos a diferentes acusados. Apesar das aclamações de juristas ao texto, ele salienta que sua aprovação está condicionada à participação de variados setores da população.

    Segundo André Marsiglia, advogado especializado em liberdade de comunicação, o debate sobre a concessão de perdão aos detentos do 8 de Janeiro é legítimo e justificável, pois “claramente estamos diante de condenações agravadas por motivos políticos e irregularidades judiciais não resolvidas, decorrentes da questionável competência do STF e da suspeição do relator para analisar o caso”.

    Entretanto, ele ponderou que o projeto dificilmente terá progresso, pois “seria uma afronta ao Tribunal que o Poder Legislativo já demonstrou não estar preparado para provocar”. Ele recordou que a concessão de perdão sempre foi utilizada no país com base nos interesses do momento, como uma medida mais política do que jurídica e com pouca rigidez técnica.

    Vera Chemin, advogada especializada em direito fundamental, considerou o debate sobre o perdão no atual contexto político ainda mais desafiador e controverso do que em outras ocasiões. Ela frisou que a extinção da responsabilidade penal por meio do perdão requer uma legislação específica para tratar dos delitos do 8 de Janeiro, em paralelo à Lei de 1.979, principalmente após a derrogação da Lei de Segurança Nacional em 2021, juntamente com a inclusão dos delitos contra o Estado Democrático de Direito no código penal.

    A professora destacou a necessidade de avaliar a qualificação dos delitos do vandalismo em Brasília como políticos, comuns ou correlatos e mencionou a competência do STF para exercer o controle judicial da potencial legislação, em casos de violações legais. “Dada a polarização ideológica do país, é muito provável a intervenção do Judiciário”, finalizou.

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