segunda-feira, 1 julho, 2024
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    Estudo sugere que a comunidade negra sofre mais com temperaturas extremas

     

    Residentes de áreas periféricas enfrentam dificuldades em relação à infraestrutura, cuidados de saúde, transporte, saneamento e habitação

    De acordo com o geógrafo Diosmar Filho, pesquisador da UFF (Universidade Federal Fluminense), que é uma referência no debate sobre racismo ambiental e coordena a Associação de Pesquisa Iyaleta, os impactos das ondas de calor extremo são mais acentuados nas populações que residem em áreas periféricas dos centros urbanos, especialmente nos negros, que compõem a maioria dessas comunidades.

    “Nesses locais, a infraestrutura, a assistência à saúde, o transporte, o saneamento e a habitação são mais precários. Tudo isso está relacionado à forma como enfrentamos os efeitos causados pelas mudanças climáticas, como durante períodos de chuvas ou aumento da temperatura devido a ondas de calor”, afirma Diosmar.

    Sobre os bairros periféricos, que geralmente são mais densamente povoados e carecem de áreas verdes, também enfrentam problemas de abastecimento de água e energia elétrica. Diosmar ressalta a importância de aumentar a ingestão de água em dias quentes. “Em algumas regiões, a quantidade e qualidade da água são escassas. Em Salvador, por exemplo, há áreas periféricas que chegam a ficar 1 mês inteiro sem abastecimento”, declara o geógrafo.

    Mudanças no clima

    A Associação de Pesquisa Iyaleta, sediada na capital baiana, está dedicada a investigar as mudanças climáticas e as disparidades raciais, de gênero, sociais e territoriais. Durante mais de 2 anos, os pesquisadores se aprofundaram em estudos nas áreas urbanas localizadas dentro do perímetro da Amazônia Legal. Em 2022, Diosmar e outros 7 pesquisadores participaram da elaboração de análises sobre os eventos climáticos em Porto Velho e Cuiabá.

    Os pesquisadores chamam atenção para as características dos aglomerados subnormais, que é a classificação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para formas irregulares de ocupação do solo com propósitos habitacionais em áreas urbanas. Geralmente, essas áreas são caracterizadas pela irregularidade urbanística e pela falta de serviços públicos essenciais. Além disso, são marcadas pela alta densidade populacional. Em Porto Velho, 12,2% da população reside nessas áreas.

    Diosmar ressalta que a configuração das edificações nessas localidades é um complicador. O geógrafo destaca a presença de moradias insalubres, com espaços reduzidos e tetos baixos. “Se ocorre uma onda de calor em áreas com pouca circulação de ar, isso certamente terá um impacto direto na saúde das pessoas”, avalia o geógrafo.

    Os pesquisadores observaram que, em cidades como Cuiabá e Porto Velho, as disparidades territoriais e urbanas influenciam a forma como as mudanças climáticas afetam as populações negras e indígenas. Eles destacam que, na capital do Mato Grosso, a segregação racial reflete a implementação do plano diretor municipal, o qual não considera a garantia dos direitos fundamentais da população negra nem a preocupação com os efeitos das mudanças climáticas.

    “No que diz respeito ao saneamento básico, as mulheres negras (79,38%) e homens negros (78,24%) residentes na área urbana de Cuiabá têm a menor proporção de acesso a saneamento adequado (rede de esgoto geral e uso de fossa séptica) em comparação com a população branca (mulheres – 86,3% e homens – 85,91%)”, relata o estudo.

    Cuiabá foi uma das cidades mais afetadas pela onda de calor extremo registrada na última semana, tendo sido, por alguns dias, a capital mais quente do país. As temperaturas chegaram a ultrapassar os 40 °C. O fenômeno El Niño, que está se manifestando intensamente e deve continuar produzindo efeitos até abril de 2024, tem sido associado ao aumento das temperaturas na maior parte do Brasil neste fim de ano. Entretanto, diferentes pesquisadores afirmam que a recente onda de calor também reflete, em alguma medida, o aquecimento global do planeta.

    Saúde

    Nos estudos em Cuiabá e Porto Velho, os pesquisadores também se dedicaram a avaliar os indicadores de saúde relacionados às arboviroses, que são as doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti: dengue, zika e chikungunya. Todas essas doenças são mais prevalentes no verão. A proliferação do mosquito aumenta em temperaturas elevadas, uma vez que seu ciclo reprodutivo é mais curto no calor. Além disso, o verão no Brasil é a estação mais chuvosa, aumentando os locais com água parada, onde os ovos do Aedes aegypti são depositados.

    Os indicadores obtidos pelos pesquisadores em Cuiabá indicam que as arboviroses afetam a população negra de forma mais intensa. Considerando as mulheres diagnosticadas com dengue entre 2014 e 2020, 54,79% eram negras, 14,85% brancas e 0,39% indígenas. Para o restante dos casos, não há informação sobre raça ou etnia.

    Entre os homens, os números são semelhantes: 54,85% negros, 13,06% brancos, 0,72% indígenas e 31,10% sem informação. Os especialistas observam que as disparidades raciais e de gênero, as condições de habitação e a exposição a contextos de maior vulnerabilidade urbana e à ausência de direitos, como saneamento básico e acesso a serviços de saúde, estão intimamente ligados à incidência dessas doenças.

    “Quando chega o verão, vemos as recomendações: ‘cuidem do jardim, removam recipientes que acumulam água’, como se isso resolvesse o problema da dengue, mas, nas áreas periféricas, a acessibilidade ao saneamento é desigual. E a falta de saneamento favorece a transmissão da doença”, ressalta Diosmar.

    Políticas públicas

    Outro estudo realizado pela Associação de Pesquisa Iyaleta em 2022 ofereceu contribuições para o Plano Nacional de Adaptação (PNA). O plano foi estabelecido por meio de uma portaria do Ministério do Meio Ambiente em maio de 2016, após um processo de consulta a diversos setores da sociedade. Seu propósito é orientar os gestores públicos na adoção de iniciativas para minimizar os riscos climáticos a longo prazo e reduzir a vulnerabilidade à crise do clima.

    Em setembro, o governo federal criou um grupo técnico para elaborar propostas de atualização do PNA, ouvindo a sociedade civil. Para Diosmar, diversas medidas são necessárias. Ele destaca a urgência de uma política de arborização. “Cada vez mais, precisaremos de áreas verdes”, afirma.

    O pesquisador também menciona a necessidade de políticas públicas setoriais, territoriais e locais. “Precisamos que Estados e municípios integrem políticas de habitação, saneamento, saúde e educação. Precisamos encarar o saneamento como parte de um processo educativo em tempos de mudanças climáticas e garantir moradias que se afastem do modelo que aprisiona, no qual os moradores das periferias das grandes cidades vivem em casas pequenas de 6 m²”, conclui.

     

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