segunda-feira, 8 julho, 2024
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    Falsas informações modificaram atuação do STF, segundo declarações de André Marsiglia

    Um defensor jurídico afirma que a investigação de 2019 ainda em andamento fez com que a liberdade de expressão passasse a ser encarada “de maneira caótica”

    O especialista em direito constitucional André Marsiglia, 44 anos, expressou que a discussão sobre liberdade de expressão no STF (Supremo Tribunal Federal) necessita ser dividida em 2 momentos: antes e depois do inquérito das falsas informações. “A liberdade de expressão passou a ser tratada de maneira caótica, hesitante, a meu ver, pelo STF”, disse Marsiglia, especialista em direito digital e pesquisador de casos de censura, em entrevista em 28 de novembro.

    De acordo com o advogado, antes de 2019, ano da instauração do inquérito, existia uma “jurisprudência pacificada” que pressupunha liberdade de expressão ampla. Em sua avaliação, o fator de mudança foi o entendimento de que essa liberdade, assegurada pela Constituição, precisaria “ceder” em nome da democracia.

    No âmbito do inquérito foram proferidas decisões que ele critica. É o caso do bloqueio de perfis em redes sociais e determinação de cumprimento de mandados de busca e apreensão contra empresários com base em reprodução de conversas em chat privado.

    O inquérito 4.781 foi iniciado em 14 de março de 2019 pelo então presidente do STF, Dias Toffoli, para apurar crimes em divulgação de notícias falsas e declarações difamatórias contra ministros da corte. Começou “de ofício”, ou seja, sem que o Ministério Público ou autoridade policial tivessem solicitado a apuração de fatos.

    O prazo de validade do inquérito já foi renovado várias vezes. Houve questionamentos pelo fato de o próprio STF determinar investigações e julgá-las.

    Segundo Marsiglia, uma das consequências dessa mudança pôde ser vista em 2022. O STF e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) tiveram destaque no combate à desinformação e às falsas informações, especialmente no processo eleitoral.

    O TSE aprovou uma resolução que ampliava os próprios poderes para que os ministros pudessem mandar de ofício, sem ser provocado, excluir conteúdos de redes sociais considerados falsos ou descontextualizados. Para Marsiglia, a determinação da corte Eleitoral contribuiu para restringir a liberdade de expressão dos usuários.

    “Essa resolução surge como resultado de uma jurisprudência mais agressiva do TSE do STF no sentido de limitar o discurso de candidatos, limitar a imunidade parlamentar, restringir que as pessoas digam A ou B que não seja para promoção de determinados valores que eles entendem como democráticos e etc. Sem dúvida, isso é uma limitação”, afirmou.

    Abaixo, leia trechos da entrevista de André Marsiglia concedida.

    Qual é a sua avaliação sobre os processos do STF que envolvem liberdade de expressão como o inquérito das falsas informações?

    André Marsiglia – Isso a gente precisa dividir em 2 momentos: antes de 2019, a liberdade de expressão era tratada pelo STF de maneira muito segura. Havia uma jurisprudência pacificada no sentido de que a liberdade era ampla, a menos que houvesse gravidade ofensiva. Ela sempre estava amparada. Era comum que na 1ª instância houvesse algum tipo de censura depois revogada pelo STF por meio de reclamações constitucionais respaldadas na ADPF 130. De 2019 para cá, com o advento do inquérito das falsas informações, e a justificativa de que a liberdade de expressão precisa ceder em razão da democracia ou de outros fatores, a liberdade de expressão passou a ser tratada de maneira caótica, hesitante, a meu ver, pelo STF.

    O ano de 2019 marca uma mudança significativa, não apenas em relação às informações falsas, mas também em outras decisões do STF?

    Em todas as decisões envolvendo discursos. As mídias digitais surgiram em 2019 como um tema relevante, já que tiveram um papel crucial nas eleições. As eleições de 2018 foram praticamente determinadas pelas mídias digitais, o que as tornou um ativo político importante e gerou preocupações em relação ao uso manipulado ou inadequado dessas plataformas, representando um perigo para as instituições. Assim, o discurso passou a ocupar o centro das discussões democráticas. O entendimento do STF é que o discurso é crucial para a existência da democracia ou sua ausência. Consequentemente, a liberdade de expressão e suas restrições se tornaram pontos-chave nas decisões do STF. A liberdade de expressão agora abrange não apenas a imprensa, mas é central para a discussão sobre como a democracia deve existir no Brasil, sendo o STF o guardião dessa visão, determinando como a democracia deve ser estabelecida com base no discurso e na liberdade de expressão.

    O ano divisor de águas seria 2019, com o estabelecimento do inquérito sobre informações falsas, ou 2022, com as eleições?

    Eu vejo 2022 como uma consequência de tudo isso que se iniciou em 2019, sendo talvez uma consequência esperada. Em 2022, presenciamos o colapso de tudo que começou a se desenhar em abril de 2019, quando o inquérito sobre as informações falsas foi aberto pelo STF. Foi a partir desse inquérito que se estabeleceu o entendimento de que toda a ofensa promovida pelas mídias digitais, bem como qualquer ação que afete as instituições, que ataque ministros, que desrespeite a autoridade, ou que de alguma forma prejudique alguém e seja propagada pelas mídias digitais, é de responsabilidade do STF. As questões relacionadas à inelegibilidade de candidatos ou à cassação de mandatos de deputados pelo TSE são todas derivadas do inquérito sobre informações falsas e da centralização desse debate e entendimento pelo STF.

    Em 2022, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aprovou uma resolução que permitia à corte agir voluntariamente e determinar a exclusão de conteúdos das mídias digitais. Algumas pessoas acreditam que isso limitou a liberdade de expressão. Qual é a sua avaliação?

    Eu entendo que sim, sem dúvida alguma houve limitação. Essa jurisprudência vem sendo construída ao longo do tempo. Em 2021, por exemplo, tivemos a cassação do deputado [Fernando] Francischini [PL-PR] justamente devido ao uso de discurso relacionado às informações falsas e às urnas eletrônicas, entre outros aspectos. Essa jurisprudência foi alimentada pelo TSE e pelo STF, e em determinado momento, começou a ser formalizada. Atualmente, temos o Projeto de Lei sobre informações falsas, o PL 2630, além dessas resoluções do TSE. Tudo isso é resultado de uma jurisprudência que se desenvolveu ao longo do tempo. Nenhuma dessas ações surgiu do nada. Essa resolução é fruto de uma jurisprudência mais rígida do TSE e do STF que busca limitar o discurso de candidatos, restringir a imunidade parlamentar e impedir que as pessoas expressem opiniões que não estejam alinhadas com os valores considerados democráticos pelo judiciário. Sem dúvida, essa é uma restrição à liberdade de expressão.

    Apesar de ser um termo discutido há muito tempo, ainda não há uma definição clara do que são informações falsas. Essa falta de definição representa um obstáculo? Quem deveria ser responsável por defini-la?

    Representa, porque atualmente existem vários projetos de lei abordando o tema, e isso gera incertezas quanto às consequências ou restrições que podem ser aplicadas sanções para informações falsas. Não existe o conceito de informações falsas. Existe uma série de legislações sobre informações falsas, as quais presumem informações falsas como um conceito passível de ser usado para punir ou regular o discurso, mas nenhum desses projetos define informações falsas. E as pessoas frequentemente o compreendem de maneira equivocada. Informações falsas são comumente traduzidos como notícias falsas. Isso está incorreto. Esse conceito é perigoso, pois a imprensa é quem divulga notícias. Assim, parece que notícias falsas, sendo informação falsa, somente a imprensa produz notícias falsas. Informações falsas são conteúdos – não notícias – fraudulentos. Fraudulento por que? Porque o crime está na fraude, e não no conteúdo sendo falso. Muitas vezes, até chamamos de erro jornalístico, quando a imprensa publica uma notícia falsa. Muitas vezes, uma notícia é falsa hoje, e amanhã descobre-se que o que era falso era verdadeiro, e que o que era verdadeiro hoje é falso. O jornalismo investigativo, inclusive, depende disso, transformando algo que aparentemente é uma realidade em algo diferente no dia seguinte. Hoje, algo é uma verdade estabelecida, todos acreditam que é verdade, e então um jornalista investigativo descobre no dia seguinte que não era bem assim, que era falso, e acrescenta um novo contexto aos fatos. Isso é comum, e assim, a falsidade não é o crime. O crime é a fraude, ou seja, a ação punível nas informações falsas é saber que o conteúdo é falso e, propositalmente, com a intenção de fraudar o debate público, propagá-lo. A intenção de fraudar, portanto, é o ato criminoso, e não a falsidade do conteúdo. O que ocorre na prática? Como os juízes entendem que a falsidade é o crime, acabam punindo tudo e todos com base em agências de checagem que afirmam isso ou aquilo, mas nem todas as agências de checagem são absolutamente confiáveis, sabemos disso. Existem pessoas que punem com base em consenso, especulação, com base em negações, e tudo isso resulta em decisões preliminares perigosas que restringem a liberdade de expressão. Os projetos também se baseiam em um conceito equivocado que pode resultar em restrições indevidas à liberdade de expressão se esse conceito não for solidificado e bem compreendido.

    No STF, há uma ampla investigação sobre as conhecidas milícias digitais. O fato de existir uma investigação sem resolução da corte é um problema?

    Sem dúvida. O inquérito é feito para investigar. Entretanto, se temos uma investigação que dura 5 anos, concluímos que ou a investigação não está sendo realizada ou não avançou para lugar algum. Não é possível investigar uma pessoa durante 5 anos, ou um fato durante 5 anos, e isso não ter nenhuma consequência. E chama a atenção o fato de que em 8 de janeiro, que foi amplamente divulgado como algo tão grave, se esses inquéritos existem há 4 anos, se são tão necessários, se seu sigilo é tão justificável, por que esses inquéritos não foram suficientes para evitar os atos de 8 de janeiro? Como é que, então, esse inquérito, tão extenso, com tanto gasto público envolvido, demandando tanto do STF, não foi suficiente para prevenir os atos de 8 de janeiro? Como é que os atos pegaram todas as autoridades de surpresa se nós temos esse instrumento à disposição? Portanto, é necessário questionar a eficácia desses inquéritos das milícias, [dos atos] antidemocráticos e o inquérito das informações falsas. E questionar se a duração é razoável. Sem dúvida não é. E, sem dúvida, não serviu para evitar nada que tenha prejudicado a democracia no Brasil até agora, ou pelo menos é isso que foi demonstrado. Se esses inquéritos realmente não foram eficazes, eles devem ser arquivados. O ministro [Luís Roberto] Barroso afirmou outro dia que defende a liberdade de expressão. Se ele defende de fato a liberdade de expressão, se essa é a intenção dele como presidente da corte, arquive os inquéritos, ele pode fazer isso. Ele é presidente do STF, ele pode arquivar os inquéritos. Ou então, revele a nós tudo aquilo que essas investigações nos pouparam. Não é razoável seguir em sigilo durante tanto tempo sem qualquer prestação de contas à sociedade.

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