Parte com direitos
A 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a legitimidade da herança de um operador de equipamentos da Vale S.A. para solicitar na Justiça a compensação por prejuízos decorrentes de sua morte no rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), em janeiro de 2019.
O que distingue este caso de outros julgados pela Justiça do Trabalho é o fato de a indenização ter como origem os prejuízos causados diretamente ao trabalhador, e não ao chamado “dano em ricochete” sofrido por seus familiares.
Com a decisão, o caso retornará ao Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que havia mantido a extinção do processo por entender que a herança não era parte com direitos para apresentar a ação.
Herança
A herança é o conjunto de bens, direitos e obrigações deixados pela pessoa que morre, e seus destinatários são os seus herdeiros. Esse conjunto é administrado pelo inventariante, pessoa designada para gerir temporariamente o patrimônio até que o processo de inventário seja concluído e os bens sejam partilhados entre os herdeiros.
Resultado óbito
O trabalhador, na época com 34 anos, era empregado da Vale desde 2010 e tinha um filho de três anos. A ação trabalhista foi ajuizada por sua esposa na condição de inventariante, ou seja, a responsável pela herança. O objetivo era obter a compensação dos prejuízos diretamente causados ao operador pela perda da própria vida.
Um dos argumentos era o de que a Vale, comprovadamente culpada pelo rompimento, estava até agora impune e isenta de responsabilidade por esse “resultado óbito”, pois não havia nenhuma outra ação em curso em que o trabalhador (ou sua herança) reclamasse os prejuízos sofridos diretamente por ele.
Designação
O juízo da 6ª Vara do Trabalho de Betim entendeu que a herança não poderia pedir a compensação, por não ser titular de nenhum direito. Os titulares, segundo a sentença, seriam os herdeiros, que deveriam ajuizar ações em nome próprio. A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG).
Fragilidade
A relatora do recurso de revista da herança, ministra Kátia Arruda, observou que a morte do trabalhador no rompimento da barragem demonstra a fragilidade de sua segurança, que o expunha a situação de risco durante a execução do contrato de trabalho. “Ou seja, os prejuízos já vinham sendo causados ao trabalhador de forma constante”, assinalou.
Nessa circunstância, o TST tem entendido que, considerando que o empregador tem controle e direção sobre a estrutura, a dinâmica, a gestão e a operação da unidade em que o acidente ocorreu, sua culpa é presumida, surgindo o dever de compensar.
Patrimônio jurídico
De acordo com a ministra, uma vez reconhecido o acidente de trabalho, a compensação dos prejuízos sofridos se incorpora ao patrimônio jurídico da vítima e, no caso da morte do seu titular, a herança tem legitimidade para solicitá-la em juízo.
Ela lembrou que, conforme o artigo 943 do Código Civil, o direito de exigir compensação e a obrigação de prestá-la se transmitem com a herança. No mesmo sentido, citou a Súmula 642 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Ou seja, o que se transmite é o direito à compensação, tendo os herdeiros, através da herança, legitimidade para requerer a compensação ou nela prosseguir, caso já tenha sido ajuizada pela vítima”, destacou.
Diferenciação
A ministra observou, ainda, que o debate dos autos é diferente de situações comumente analisadas pelo TST envolvendo Brumadinho. “O que se pretende aqui é o reconhecimento de que o empregado que faleceu por ocasião de um acidente do trabalho tenha tido – ele próprio – direito violado passívelde compensação”, elucidou. Levando em conta que a possível reparação passa a fazer parte do conjunto dos bens que constituem a herança, o espólio é detentor do direito de pleiteá-lo em juízo.
Análise inicial
Por último, a relatora enfatizou que a discussão, nesta deliberação da Turma, trata exclusivamente da legitimidade do espólio. “A procedência ou não do direito à compensação almejada é assunto que se relaciona ao mérito da questão”, finalizou.
A decisão foi unânime.
Sobrinha e tia
Em mais dois casos envolvendo Brumadinho, a Sétima e a Oitava Turmas do TST reconheceram o direito a compensação de uma sobrinha e de uma tia de vítimas pelos danos reflexos, indiretamente ocasionados pelo óbito dos trabalhadores.
O caso julgado pela Sétima Turma trata da sobrinha de um empregado terceirizado da Vale. Mesmo com mais de 18 anos, ela possui microcefalia e é órfã de pai, sendo o tio figura paterna. Na ação, a mãe relata que, incapaz de compreender a morte, ela precisou tomar medicamentos para depressão e ansiedade. Ela obteve o direito a compensação de R$ 50 mil.
Segundo o relator do recurso da Vale, ministro Evandro Valadão, o cenário descrito pelo TRT evidencia a solidez do vínculo afetivo entre a sobrinha e o tio, reforçada pela condição de saúde da moça e pela ausência paterna. Para modificar esse entendimento, seria preciso revisar os fatos e as provas, o que é vedado pela Súmula 126 do TST.
De maneira análoga, a Oitava Turma restabeleceu sentença que havia concedido compensação de R$ 100 mil à tia de um trabalhador terceirizado falecido no rompimento. Ela alegava ter sido privada da convivência do sobrinho, que residia em bairro próximo e com quem tinha uma relação materna.
Para a relatora, ministra Delaíde Miranda Arantes, ficou evidenciada a estreita relação entre eles. Segundo ela, não há obstáculo para que os familiares da vítima, especialmente os ligados a ela por laços sanguíneos, como no caso, busquem reparação. Com informações da assessoria de imprensa do TST.
Ag-RR 10086-85.2021.5.03.0163
AIRR 10465-26.2021.5.03.0163
ARR 10247-95.2020.5.03.0142