segunda-feira, 1 julho, 2024
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    Impactos da recente lei da União Europeia para questão ambiental


    A aceitação da Lei de Restauração da Natureza (Nature Restoration Law — NRL) pelo Parlamento da União Europeia (UE), no último dia 27 de fevereiro, foi vista como um progresso significativo no que concerne a um equilíbrio entre exigências que a UE impõe a outros países, no que se refere ao enfrentamento, controle, adaptação e redução dos efeitos da mudança do clima e as medidas que, ao mesmo tempo, adota internamente.

    As barreiras não tarifárias — e em grande parte fundamentadas em premissas inexequíveis — impostas à importação, pela UE, de uma infinidade de produtos de outros países, como aquelas que afetam o agronegócio brasileiro, têm impacto muito mais significativo do que aqueles a serem suportados pelos estados membros da UE em decorrência da nova norma.

    Ressalta-se que a NRL ainda precisa, para ser efetiva, da aprovação pelo conselho de ministros do Meio Ambiente da UE, algo que se espera ocorra por pequena margem.

    Pressupondo que a NRL seja aprovada, é importante considerar ainda que o cumprimento de seus termos poderá ser excepcional para os estados membros da UE que aleguem uma situação de emergência como justificativa para tal exceção, sob a qual o cumprimento das metas para ecossistemas agrícolas pode ser temporariamente suspenso.

    Meta desafiadora

    A NRL determina que os estados membros da UE devem, em 2 anos, a partir de sua entrada em vigor, estabelecer um plano para recuperar 20% das áreas de terra e mar de seus territórios até 2030, e todos os ecossistemas até 2050.

    A meta é considerada desafiadora, e espera-se resistência e questionamentos por parte dos agentes econômicos. Isso porque, atualmente, mais de 80% dos habitats naturais europeus estão em condições críticas, de acordo com a Comissão Europeia.

    Nima Sarikhani/Natural History Museum

    Dois aspectos chamam a atenção no debate que envolve a NRL, cujo conteúdo nos remete a discussões semelhantes, o primeiro aborda o debate em andamento há décadas no Brasil, e o segundo também há anos em destaque nas Conferências das Partes (COPs) da Convenção-Quadro sobre a Mudança do Clima (UNFCCC).

    Conservação de florestas

    O primeiro ponto trata do tratamento que alguns dos países da UE já dispensam à conservação florestal em áreas destinadas ao agronegócio. O presidente da Associação Irlandesa de Fazendeiros, Francie Gorman, afirmou que “12-14% do espaço de nossas fazendas é ‘espaço para a natureza’”, e acrescentou que o texto aprovado é falho e não atendeu às solicitações do agronegócio.

    A afirmação de que parte da terra usada para a produção agrícola já é preservada, e que restrições ao desenvolvimento do agronegócio já trariam resultados consideráveis nas obrigações relacionadas à questão climática, remete ao argumento de muitos no Brasil de que temos em nossa legislação um mecanismo com resultados significativos na conservação de florestas, a reserva legal, que já nos colocaria em conformidade com qualquer modelo de controle de uso da terra para atividades agrícolas.

    A busca por um padrão que atenda aos diferentes estados membros, que não observa ou considera peculiaridades, parece ser a saída para que a NRL seja fortemente criticada e questionada no âmbito da UE.

    Financiamento

    O segundo ponto de críticas severas já levantadas contra a aprovação da NRL pelo Parlamento da UE diz respeito aos mecanismos de financiamento das mudanças que impõe. Isso porque o Fundo para a Mudança do Clima e da Natureza, anunciado pela UE no orçamento do ano passado, no valor de € 3,15 bilhões, ainda carece de regulamentação para sua viabilização.

    Além disso, há críticas ao fato de que parte do valor atribuído a esse fundo será usado para restauração da biodiversidade, o que reduz o valor a ser dedicado ao enfrentamento, controle, mitigação e adaptação aos efeitos da mudança climática.

    da atmosfera.

    Esse diálogo, referente ao financiamento das tarefas impostas aos Estados integrantes da União Europeia pela NRL, é simplesmente o mesmo diálogo que ocorre, desde o princípio, em torno dos mecanismos e deveres estabelecidos no escopo da UNFCCC.

    Tal como lá, aqui também parece evidente que o estabelecimento de deveres e metas que impõem aos agentes econômicos medidas dispendiosas, sem a criação dos mecanismos econômicos — que não se resumem, evidentemente, mas têm grande importância na formação de reservas para apoiar o desenvolvimento de tecnologias e projetos de cumprimento das metas estabelecidas — de viabilização, reduz as normas criadas a meros desejos, em tese, de Estados que se agrupam em torno de ideais que não estão próximos da realidade.

    A NRL está caminhando para aprovação, mesmo que sob críticas e questionamentos, e ainda não se sabe se o fundo destinado ao financiamento de sua implementação será efetivamente concretizado.

    Imposição de obstáculos não-tarifários

    De qualquer modo, há um grande desequilíbrio em estabelecer internamente meta de restauração de 20% até 2030, e de 80% até 2050, mas impor obstáculos não-tarifários, desde já, a países como o Brasil, sob exigências, por exemplo, como a de que não será possível adquirir produtos do agronegócio cuja produção tenha ocorrido em zonas onde tenha havido desmatamento após 2020.

    A norma, além de impor dever que retrocede no tempo, tornando-se portanto de difícil cumprimento, por correção, aos que hoje não a seguem, peca ainda por não distinguir os conceitos de desmatamento legal e desmatamento ilegal, atropelando a soberania dos países afetados em determinar, livremente, as medidas de controle ambiental aplicáveis a seu território.

    Controvérsias climáticas

    É necessário ter em mente, ainda, que em paralelo à implementação de medidas que se demonstram barreiras não-tarifárias a países como é o caso do Brasil, sem contrapartida interna equivalente, soma-se a crescente controvérsia climática, frequentemente utilizada como instrumento de pressão econômica e concorrencial.

    Spacca

    Um exemplo recente, e de grande impacto, é a exigência promovida pela Advocacia Geral do Estado de Nova York, em nome do povo do estado de Nova York, contra as empresas constituídas nos Estados Unidos pelo grupo JBS, a JBS USA Food Company, e a JBS USA Food Company Holdings, pelas quais acusam essas empresas de, por si e suas afiliadas e subsidiárias, afirmarem estarem adotando substanciais e definitivas medidas para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) e mitigar os impactos ambientais de suas atividades, mas não estarem de fato assim agindo.

    As alegações de marketing, tidas como fraudulentas, gerariam violação à legislação específica do estado de Nova York, a General Business Law.

    As alegações apresentadas na exigência, evidentemente ainda sujeitas a contraditório, são de que a suposta falta de correspondência entre as alegações do grupo JBS e suas condutas resultaria em descumprimento da General Business Law e prejuízos ao povo de Nova York, justificando-se, assim, uma condenação que, se aceita, acarretará custos indenizatórios e compensatórios muito elevados, conforme indicado na petição inicial.

    Patrimônio natural resguardado e a biodiversidade brasileira

    Por último, e mesmo que desagrade à UE e outros países e blocos de destaque no cenário geopolítico, é incontestável o fato de que, em primeiro lugar, países como Brasil, Indonésia e outros poucos ainda podem afirmar possuir significativo patrimônio natural preservado e conservado, o que, devido à natureza acumulativa das emissões de GEE, e considerando nosso tardio crescimento industrial, nos coloca, no decorrer do tempo, em posição privilegiada na lista dos responsáveis pela alteração do clima.

    Além disso, em segundo lugar, a riqueza de nossa biodiversidade, a da região tropical, mostra-se muito mais vasta do que a encontrada e alcançada no Hemisfério Norte e nas regiões extremas do planeta, devido às condições climáticas que atuam nessas áreas.

    Daíresultado disso, com toda a deferência à população europeia, é impossível equiparar a relevância, tanto do ponto de vista dos impactos sobre a questão ambiental, como no que concerne à diversidade biológica, do nosso empenho, e ao ônus de oportunidade que aqui enfrentamos, pela escolha da conservação e preservação em detrimento da conversão do uso do solo para a atividade econômica.

    Conclusão

    O somatório de todos esses elementos, a saber,

    regras extremamente rígidas, de interferência indireta até mesmo, pela imposição de barreiras não-tarifárias aos nossos produtos que extrapolam o razoável;
    contrapartida de menor impacto, no que diz respeito aos esforços internos da UE para combater, controlar, adaptar e mitigar os efeitos da mudança climática;
    disputa climática que busca impor restrições e punições severas à produção nacional; e
    o fato de que, querendo ou não, é aqui o cenário em que a assunção do custo – altíssimo – de oportunidade que implica a renúncia a uma produção econômica mais agressiva traz maiores benefícios à natureza e ao controle, redução, mitigação e adaptação aos efeitos da mudança climática, leva necessariamente à conclusão de que há um desequilíbrio significativo entre o que é exigido de países como o Brasil e o que é praticado na UE, na busca pelo controle, redução de emissões de GEE e mitigação e adaptação a seus efeitos.

    O NRL é uma medida que merece ser elogiada em relação à sua finalidade e objetivo: a UE precisa fazer o que prega, e o Pacto Verde europeu só será efetivo e real se a UE se empenhar em fornecer um exemplo aos demais Estados e blocos de Estados. No entanto, a timidez — modéstia mesmo — de suas metas, pouco ousadas quando comparadas ao que é exigido dos demais Estados, torna desequilibrada a relação entre Estados soberanos e livres, exigindo uma atuação firme do Brasil, por meio de sua representação diplomática, em defesa de nossos interesses.

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