domingo, 30 junho, 2024
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    Impostos sobre autômatos como estratégia de política fiscal


    O progresso tecnológico alterou profundamente as bases materiais da sociedade. A disseminação de conteúdo e conhecimento, a mudança nos modelos de negócios e relacionamento, além de alterações no comportamento dos indivíduos representam alguns pontos de mudança. Também a automatização tem promovido desafios ao trabalho e à tributação, bem como à sua modernização, de forma a acompanhar as novas práticas comerciais e a dinâmica da política e da economia.

    Reprodução

    Apesar de as tecnologias acima mencionadas serem dotadas com mecanismos de inteligência artificial (IA), nota-se que seu potencial impacto no mercado de trabalho é reduzido. Ao contrário, a transformação proporcionada pela Indústria 4.0, com o uso intrínseco da IA, tem o poder de substituir em massa os postos de trabalho ou mesmo resultar no desaparecimento de determinadas atividades como, por exemplo, a de motorista, operador de caixa, contador, operador industrial, operador de telemarketing, tradutor, atendente comercial, trabalhador de linha de montagem, radiologista, operador de armazém, analista de estoque, inspetor de controle de qualidade, caminhoneiro, assistente jurídico (Lee, 2019, p. 27).

    A aplicação da IA aos meios de pagamento, com o surgimento das criptomoedas e blockchain, também representa um desafio à manutenção da arrecadação, uma vez que permite a realização de transações econômicas em um ambiente ainda não completamente regulado [1].

    Imposto sobre robôs

    Neste cenário, o avanço da IA e o rumo atual da automação robótica representam grandes desafios para o Direito e, em especial, para o Direito Tributário. Diversos estudos têm examinado a possibilidade de tributar tais sistemas inteligentes, seus usuários ou grandes empresas de tecnologia, como forma de mitigar a diminuição dos empregos formais, reduzir a desigualdade e compensar a perda de arrecadação decorrente desse fator.

    Sobre a questão da desigualdade, Kaplan (2016, p. 134) defende, ao considerar que o governo detém controle sobre a política monetária, uma abordagem baseada na redistribuição da riqueza gerada por aumentos de produtividade e eficiência:

    “Esse controle monetário assume várias formas. Pode ser não específico, por exemplo, quando o governo distribui ou coleta moeda física ou ajusta a taxa pela qual os bancos podem tomar empréstimos (taxa de fundos federais). Ou pode ser específico, como quando o governo emite moedas com usos restritos, como vale-refeição. O governo também pode influenciar fortemente, se não controlar, o uso de ativos privados criando incentivos ou desincentivos. Por exemplo, permitir deduções fiscais para doações de caridade tem o efeito desejado de aumentar a filantropia, enquanto penalidades por retiradas antecipadas de contas de aposentadoria incentivam a poupança. Ou o governo pode simplesmente proibir o uso de ativos para certos fins ou sob certas circunstâncias, como tornar ilegal comprar medicamentos sem receita médica. Portanto, não apenas o governo tem considerável controle sobre como os ativos são distribuídos e usados, ele também pode criar novas formas de ativos restritos para promover objetivos sociais. Isso oferece a possibilidade de redistribuir a riqueza de maneiras mais aceitáveis do que tributar os ricos para subsidiar os pobres” [2].

    Spacca

    Debate-se, portanto, sobre a eliminação de incentivos para investimentos em automação, ou a implementação de um imposto sobre autômatos como estratégia governamental pela qual a tributação teria a função fiscal de financiar despesas de seguridade social, além do custeio das despesas gerais do Estado. Como função extrafiscal, seria responsável por desencorajar a substituição de mão-de-obra.Cidadãos, para promover a transição gradual da mão de obra humana para as máquinas, etapa que permitiria um maior controle estatal nesse procedimento.

    Desafio

    No entanto, assim como o dilema na definição tributária de atividades comuns na economia digital, como aquelas prestadas pela Uber, Netflix, Airbnb, Spotify, Amazon entre outras, a estruturação de uma eventual tributação robótica enfrenta vários obstáculos em sua elaboração. Algumas das dificuldades estão na definição de robôs e na distinção entre ‘robôs inteligentes’ e máquinas, em sua natureza legal, além do tratamento tributário apropriado, no qual se destaca a possibilidade da taxação sobre a propriedade do robô ou sobre a capacidade do próprio robô, por meio da atribuição de personalidade jurídica, entre outras propostas.

    A identificação do robô ao qual o tributo seria aplicado é relevante visto que existem diversos níveis de automação. Ao contrário dos casos comuns de robôs que substituem trabalhadores de empregos convencionais, como carros e caminhões autônomos, os caixas eletrônicos e terminais de check-in de companhias aéreas, por exemplo, não são comumente considerados robôs, mas como dispositivos automatizados, diminuem a disponibilidade de empregos para humanos.

    Outro desafio está na distinção entre robôs que suprimem o trabalho humano daqueles que complementam o trabalho humano. Por exemplo, uma empresa de mineração subterrânea que utiliza um robô para acessar locais potencialmente instáveis para exploração garante mais segurança para os seres humanos, de modo que um tributo sobre todos os robôs aumentaria o custo de propriedade e operação a tal ponto que, se a utilização do robô fosse economicamente inviável, vidas humanas seriam colocadas em risco para realizar o trabalho. A esse respeito, as considerações de Kovacev (2020, p. 27):

    “A pior legislação de tributação de robôs possível teria uma definição abrangente e ambígua do que é um robô tributável, exigiria uma alocação entre a renda gerada por robôs e a não gerada por robôs, e tentaria tributar a atividade de robôs que estão, ou poderiam ser facilmente movidos, para fora da jurisdição. Uma proposta desse tipo suscitaria polêmicas e litígios e desestimularia a inovação, enquanto faria pouco para enfrentar os desafios subjacentes da automação no emprego ou nas receitas governamentais[3].

    Iniciativas

    Considerando a importância dos aspectos conceituais, percebem-se ações em alguns países visando superar tais questões. Quanto à distinção entre robôs e máquinas, a Comissão de definições da Resolução do Parlamento Europeu sobre Inteligência Artificial considera como inteligente o robô que apresenta capacidade para (1) adquirir autonomia por meio de sensores e/ou troca de dados com o ambiente (interconectividade) e troca e análise desses dados; (2) aprender automaticamente pela experiência e interação (critério opcional); (3) possuir suporte físico mínimo; (4) adaptar seu comportamento e ações ao ambiente; e (5) não ter vida no sentido biológico do termo [4].

    Entre as recomendações presentes no documento, destacam-se também a criação de um sistema de registro de robôs avançados no mercado interno, a implementação de um regime de seguros obrigatórios e fundos de compensação para cobrir os possíveis danos causados pelos robôs, além de uma taxa única a ser paga no momento da disponibilização do robô no mercado, ou a instituição do pagamento de contribuições periódicas durante a vida útil do robô.

    Dessa maneira, a autonomia, a capacidade de aprendizado e a habilidade de tomar decisões seriam os principais atributos na definição do robô inteligente. Estas noções são relevantes para a reflexão sobre seatribuir uma identidade legal a um robô, cuja situação também está presente na resolução acima indicada:

    “Solicita-se à Comissão que explore, analise e pondere, ao avaliar o impacto de seu futuro instrumento jurídico, as implicações de todas as alternativas legais viáveis, tais como:

    (…)

    f) Estabelecer um estatuto legal específico para os robôs a longo prazo, de forma que, ao menos, os robôs autônomos mais avançados possam ser reconhecidos como titulares do estatuto de sujeitos eletrônicos responsáveis por reparar quaisquer prejuízos que possam causar e, eventualmente, aplicar a personalidade eletrônica a casos nos quais os robôs tomem decisões autônomas ou interajam de qualquer outra forma com terceiros de maneira independente” [5].

    Alternativas

    No âmbito nacional, para fins de tributação e considerando que o Direito brasileiro não limita a concessão de personalidade jurídica apenas aos seres humanos, a justificativa para a instituição de personalidade jurídica para robôs envolve um exercício de ficção legal semelhante ao processo de atribuição de personalidade jurídica a empresas, associações e fundações, em uma análise comparativa.

    Caso seja viável atribuir personalidade aos robôs, eles poderiam, da mesma forma que as pessoas jurídicas, ter capacidade tributária autônoma e, nesse caso, seria plausível conceber arranjos como a tributação da renda presumida obtida pelo robô, calculada como uma porcentagem do valor de sua produção ou com base em um salário fictício que seria pago a um ser humano com habilidades semelhantes, ou a dedução do salário presumido dessa pessoa, ou até mesmo a criação de contribuições sociais sobre o salário presumido do robô.

    Essa possibilidade enfrenta desafios na avaliação dessa renda, especialmente se um robô fizesse parte de uma equipe de robôs ou de uma equipe mista com seres humanos responsáveis pela produção da empresa. Além disso, há a possibilidade de as funções nunca terem sido realizadas por seres humanos, de modo que não haveria parâmetro de referência para a renda humana no cálculo dos impostos que esses robôs deveriam pagar.

    Outra opção é aumentar a carga tributária suportada por empresas que utilizam automação para obter lucros maiores. Isso se fundamenta na ideia de que a automatização das tarefas resultará em salários mais baixos para os trabalhadores e em maiores lucros para aqueles que detêm os robôs, agravando a situação de desigualdade social.

    Nesse sentido, a tributação seria direcionada às empresas de tecnologia de alcance global. Essa proposta é objeto do Projeto de Lei nº 2.358/2020 em tramitação na Câmara dos Deputados, o qual busca instituir a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a receita bruta de serviços digitais prestados pelas grandes empresas de tecnologia (Cide-Digital), cuja arrecadação seria destinada ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

    Também é válida a consideração da possibilidade de um imposto sobre robôs, baseado na propriedade, similar ao Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), que incide sobre a propriedade de veículos automotores de qualquer natureza.

    Além disso, poderia ser estabelecido um imposto de capital cobrado sobre os robôs de propriedade de uma empresa, calculado com base em um valor anual avaliado multiplicado por uma taxa de fábrica, ou com base no valor contábil dos robôs. Esse tipo de tributação encontra dificuldades especialmente na diferenciação entre máquinas e robôs, uma vez que a distinção não é clara.

    Por fim, existe a alternativa de eliminar os incentivos para investimentos em automação. No país, os incentivos fiscaisao desenvolvimento e produção de mercadorias e serviços de informática e automação são direcionados a empresas que investem em atividades de pesquisa e desenvolvimento em tecnologia da informação, por meio da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, conforme estipulado na Lei nº 8.191/91.

    Conclusão

    Fica evidente, portanto, que são diversas as considerações para que se possa estabelecer um tributo sobre robôs. Foram examinadas algumas alternativas, algumas mais viáveis no âmbito político, outras com abordagens menos convencionais. É um tema em debate e que integra a agenda política em vários países, relacionados a aspectos jurídicos e regulatórios, civis, fiscais e sociais visando estabelecer os objetivos e metas de política fiscal a serem atingidos.

    Claramente as opções discutidas atualmente apresentam várias lacunas, cada tipo de tributação poderia influenciar na seleção do local de estabelecimento das empresas, assim como nas decisões de investimento. Essas ideias não devem ser interpretadas como abrangentes ou prescritivas, mas sim como estímulo ao debate e à proposição de novas ideias.

    Mesmo que ainda não exista uma resposta evidente para o problema, o assunto é relevante para as questões de política tributária que surgirão ao longo das próximas décadas do século 21. Conforme destaca Kaplan, (2016, p. 133), modificar as “regras do jogo” para que a riqueza gerada seja distribuída a um grupo mais amplo de pessoas antes de se concentrar nas mãos de uma elite, será mais simples do que redistribuí-la posteriormente. Dessa forma, ao considerar a questão como um cenário viável, permite que o país desenvolva alternativas para a agenda tributária compatíveis com os princípios e objetivos das políticas econômicas e sociais nacionais.

     

    [1] Ghirardi, Maria do Carmo Garcez. Criptomoedas e ordem jurídica: tendências regulatórias e governança. In: ______. (org.). Criptomoedas: aspectos jurídicos. São Paulo: Almedina, 2020. p. 117 – 176.

    [2] Esse controle monetário assume muitas formas. Pode ser genérico, por exemplo, quando o governo distribui ou recolhe moeda física ou ajusta a taxa pela qual os bancos podem tomar empréstimos (a taxa de fundos federais). Ou pode ser específico, como quando o governo emite moedas com usos restritos, como vale-refeição. O governo também pode influenciar fortemente, se não controlar, o uso de ativos privados, criando incentivos ou desincentivos. Por exemplo, permitir deduções fiscais para doações de caridade tem o efeito intencional de aumentar a filantropia, enquanto penalidades por retiradas antecipadas de contas de aposentadoria incentivam a poupança. Ou o governo pode simplesmente proibir o uso de ativos para certos fins ou em determinadas circunstâncias, como tornar ilegal a compra de medicamentos sem prescrição médica. Portanto, o governo não apenas exerce um controle considerável sobre a distribuição e uso de ativos, mas também pode criar formas inovadoras e restritas de ativos para promover objetivos sociais. Isso oferece a oportunidade de redistribuir a riqueza de maneiras mais aceitáveis do que tributar os ricos para subsidiar os mais necessitados. (Tradução nossa).

    [3] A legislação tributária mais desfavorável possível sobre robôs teria uma definição ambígua e ampla do que constitui um robô tributável, exigiria uma distinção entre receitas geradas por robôs e não geradas por robôs e tentaria tributar atividades de robôs que são, ou poderiam facilmente ser, transferidas para fora da jurisdição. Uma proposta desse tipo geraria polêmica e litígio, desestimularia a inovação e, ao mesmo tempo, seria ineficaz para lidar com os desafios subjacentes da automação no emprego ou nas receitas do governo. (Tradução nossa).

    [4] Sugestões à Comissão Direito Civil sobre Robótica, op. cit.

    [5] Ibid.

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