segunda-feira, 1 julho, 2024
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    (In)alienabilidade de propriedade hipotecada em execução de dívida de condomínio

    Análise

    A legislação 9.514 de 1997, que rege a transferência fiduciária de bens imóveis, alterou as formas de garantia de compra e venda de propriedades no país. Devido à segurança jurídica proporcionada por esse mecanismo no que diz respeito ao procedimento de execução célere, conduzido extrajudicialmente pelos registros de imóveis, os efeitos desse tipo de garantia foram consideravelmente mais vantajosos do que a utilização de hipotecas para financiamentos imobiliários.

    Essas informações revelam a eficácia da transferência fiduciária pelos credores e instituições financeiras como mecanismo de segurança para contratos de compra e venda, reduzindo o risco para os detentores de crédito e oferecendo a possibilidade de diminuir os juros do empréstimo, no caso das instituições financeiras.

    No entanto, a questão da possibilidade de penhora de propriedade transferida fiduciariamente por dívidas condominiais tem sido alvo de muitas discussões no âmbito jurídico.

    Em uma decisão recente da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (REsp 2.036.289/RS), a ministra relatora Nancy Andrighi afirmou em seu voto que “a propriedade transferida fiduciariamente não pode ser penhorada em execuções de dívidas condominiais de responsabilidade do devedor fiduciante”.

    Em sua decisão, a ministra afirmou que a classificação de uma “obrigação propter rem dependerá de como estará regulamentada pelo ordenamento jurídico e, no que se refere aos débitos condominiais, o caráter da ambulatoriedade é retirado do artigo 1.345 do CC”.

    Ela fundamentou seu posicionamento afirmando que “devido à lei, as dívidas relacionadas ao condomínio são de responsabilidade do detentor do direito real, apenas por estar nessa posição jurídica, assim, qualquer pessoa que o suceda assumirá essa obrigação”.

    Ela também ressaltou que, neste caso específico, “ficou determinado que as despesas condominiais, consideradas como obrigações propter rem, são de responsabilidade daquele que detém a qualidade de proprietário da unidade imobiliária, ou por meio de um dos aspectos da propriedade, como posse, gozo ou fruição, desde que tenha estabelecido uma relação jurídica direta com o condomínio”.

    Assim, de acordo com o entendimento da 3ª Turma do STJ, a responsabilidade do devedor fiduciante pelo pagamento das despesas condominiais, enquanto estiver na posse direta do imóvel, passou a definir a possibilidade de penhora do imóvel em ações de execução das despesas.

    Nesse ponto, a ministra Nancy Andrighi estabeleceu em sua decisão “que o imóvel não pode ser penhorado, restando ao condomínio penhorar os bens e direitos integrantes do patrimônio do devedor fiduciante, no qual não se inclui o imóvel, mas sim o ‘direito aquisitivo derivado de transferência fiduciária em garantia’ (artigo 835, XII, do Código de Processo Civil).

    Ela também destacou que o caráter ambulatório ou propter rem das dívidas condominiais decorre do artigo 1.345 do Código Civil e esse dispositivo não determina que o imóvel deve ser penhorado em todas as situações para pagar as referidas dívidas. Em teoria, esse artigo atribui a responsabilidade pelas dívidas condominiais ao detentor do direito real, em regra, o proprietário.

    O professor Daniel Amorim Assumpção Neves ensina que a responsabilidade pelo pagamento de uma dívida por parte de um indivíduo significa, no âmbito processual, que seu patrimônio pode ser utilizado para satisfazer o direito substancial do credor [1].

    Em resumo, quando o artigo 1.345 do Código Civil atribui a responsabilidade pelo pagamento das dívidas condominiais ao detentor do direito real, é evidente que a norma visa, geralmente, responsabilizar o dono, com o objetivo de possibilitar que pelo menos a propriedade seja usada para saldar o débito, uma vez que obrigatoriamente faz parte do patrimônio do proprietário.

    A legislação, ao compreender que o devedor fiduciário é responsável pelas despesas do condomínio, determina que o seu patrimônio é que será utilizado para quitar o referido débito, não incluindo o imóvel dado em garantia fiduciária, que faz parte do patrimônio do credor fiduciário.

    Dito isso e de acordo com o entendimento da 3ª Turma do STJ, ao analisar o REsp 2.036.289/RS, a ministra relatora concluiu que: “se o devedor fiduciário é responsável pelas despesas do condomínio, de acordo com os artigos 27, § 8º, da Lei nº 9.514/1997 e 1.368-B, parágrafo único, do Código, todos os bens e direitos que fazem parte do seu patrimônio respondem pela quitação da dívida, excluindo-se o imóvel, mas incluindo somente o direito real de aquisição proveniente da alienação fiduciária (artigo 1.368, caput, do CC).

    Já na decisão proferida pela 4ª Turma do STJ, no caso do REsp nº 2.059.278/SC, sob a relatoria do ministro Marco Buzzi, o entendimento estabelecido foi de que em uma ação de execução de débitos condominiais, é viável a penhora do imóvel que originou a dívida, mesmo que esteja financiado com alienação fiduciária, devido à natureza propter rem do débito condominial, conforme previsto no artigo 1.345 do Código Civil.

    O entendimento proferido pela 4ª Turma do STJ, por maioria de votos, acatou o recurso especial para permitir a penhora, mas ressaltou a necessidade de o condomínio exequente citar o banco (credor fiduciário), além do devedor fiduciário.

    Conforme o ministro Raul Araújo, em relação ao voto da ministra Nancy Andrighi no caso do REsp nº 2.036.289/RS, considera adequada a solução nesse contexto, pois, para um credor comum, “o credor habitual de um condômino, nessa situação. Esse credor não poderá penhorar o imóvel do devedor, já que o bem está dado em garantia fiduciária ao credor fiduciário, que é o titular da propriedade resolúvel do imóvel”.

    O ministro continua fundamentando que “quando o credor do condômino devedor é o próprio condomínio, essa solução não se aplica. Isso porque, em relação ao próprio condomínio-credor, devido à natureza propter rem das despesas condominiais, nos termos do artigo 1.345 do Código Civil de 2002, será necessário citar, na ação de execução, também o credor fiduciário no referido contrato para que faça parte do litígio, permitindo ao titular do direito previsto no contrato de alienação fiduciária quitar o débito condominial existente e, posteriormente, buscar do devedor fiduciário o reembolso desses valores por via regressiva”.

    Essa interpretação indica que não se pode conferir ao credor fiduciário imunidade contra dívida condominial, concedendo-lhe direitos superiores aos de qualquer proprietário.

    Ou seja, as regras relacionadas à alienação fiduciária não se sobrepõem aos direitos de terceiros que não estão envolvidos no contrato de financiamento — como, no caso, o condomínio credor da dívida de condomínio, a qual mantém sua natureza jurídica propter rem.

    O ministro Raul Araújo destaca em seu voto que “a natureza propter rem está diretamente ligada ao direito de propriedade sobre a coisa. Portanto, prevalece sobre o direito de qualquer proprietário, inclusive o credor fiduciário, já que este, proprietário sujeito a uma condição resolutiva, não pode possuir direitos superiores aos do proprietário pleno”.

    De acordo com ele, se o imóvel não pudesse ser penhorado devido à alienação fiduciária, o devedor das cotas condominiais estaria em uma situação cômoda. Além de ser uma situação favorável também para a instituição financeira, caso o devedor fiduciário estivesse em dia com as parcelas do financiamento, mesmo devendo as taxas condominiais.

    “Cabe a todo beneficiário garantidor, para garantir sua proteção, estabelecer, no respectivo contrato, não apenas a obrigação do mutuário garantidor pagar a própria prestação inerente ao financiamento, mas também de apresentar mensalmente a comprovação da quitação da dívida relativa ao condomínio”, frisou o ministro Raul Araújo em seu parecer.

    Nesse sentido, o ministro decidiu pelo acatamento do recurso especial para que fosse determinado o dever de o condomínio exequente citar o beneficiário garantidor a fim de que ele venha a integrar a execução, concedendo-lhe a oportunidade de saldar o débito condominial e, assim, se ressarcir para, em ação regressiva, buscar o reembolso desse valor junto ao mutuário garantidor.

    É viável simplesmente atribuir aos demais condôminos a obrigação de arcar com a dívida que é responsabilidade do interesse de qualquer dono de unidade em condomínio? Segundo o ministro Raul Araújo, não.

    Dessa forma, em situações semelhantes, a 3ª e 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça têm manifestado discordância, sendo necessário que o assunto seja acompanhado, principalmente, pelos beneficiários garantidores, revisando seus contratos para que protejam seus direitos em uma possível perda da propriedade garantida, além de estarem prevenindo possíveis novos riscos.

    [1] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 1129.

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