O repórter Jackson Rangel Vieira, 60 anos, permaneceu encarcerado por doze meses, por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em uma investigação cuja legalidade é questionada até mesmo pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Desde 20 de dezembro em liberdade, Rangel não enfrentou acusação de qualquer crime até o momento. Suspeita-se que tenha praticado notícias falsas (conduta não tipificada como crime) ao criticar publicamente o Supremo. Sua prisão ocorreu em 15 de dezembro de 2022 por ordem de Moraes.
Em uma entrevista à Gazeta do Povo, o advogado do jornalista apontou irregularidades na prisão — como o fato de esta ter sido solicitada pela Procuradoria-Geral de Justiça do Espírito Santo e não pela PGR, órgão responsável por fazer o eventual pedido perante o STF, conforme a incumbência constitucional.
“O jornalista Jackson Rangel nem sequer foi denunciado ou viu seu procedimento arquivado, apesar de reiteradas petições da PGR”, afirmou o advogado Gabriel Quintão, acrescentando que Rangel também não foi ouvido pela Polícia Federal (PF). A investigação contra o jornalista tramita sob sigilo no STF.
Nas reiteradas manifestações, a PGR argumentou que não havia provas contra o jornalista e que o pedido de prisão, pelo Ministério Público Estadual perante o STF, era ilegal, informou Quintão ao jornal paranaense.
O jornalista capixaba também concedeu entrevista à Gazeta e afirmou ter sido vítima de atos antidemocráticos. “Fui vítima, eu sim, de atos antidemocráticos que violentaram o devido processo legal, a ordem constitucional e todos os valores civilizatórios imagináveis”, declarou.
Residente de Cachoeiro de Itapemirim (ES), Rangel atua como jornalista há 40 anos. Ele também é advogado proprietário do jornal Folha do Espírito Santo há 35 anos.
Publicações do jornalista em rede social resultaram na prisão
A decisão sigilosa que determinou a prisão de Rangel, obtida pela Gazeta, revela que o jornalista fez críticas severas às instituições em publicações no Twitter/X.
Veja algumas das frases atribuídas ao jornalista que teriam motivado a prisão, segundo a Gazeta:
“Sem liberdade, não existe independência”;
“É uma vergonha um Poder tomar a atribuição do outro”;
“Não tem como o país ir pra frente com essa política rendida e vassala”;
“Alexandre de Moraes conseguiu a proeza de provocar o povo e provar seu poder se dele emana”;
“Não tenho dúvidas da invasão do STF hoje a qualquer momento num ato de desespero dos brasileiros de reaver suas liberdades”.
A lista completa tem nove frases, e o documento afirma que a prática de diversos crimes estaria “suficientemente demonstrada”, configurando “ato de verdadeiro terrorismo digital”, informou a Gazeta.
A decisão também afirma que o jornalista seria alvo de processos judiciais em razão de notícias falsas que publicou e que o jornal Folha do ES faria parte de uma “milícia digital” com o intuito de desestabilizar as instituições democráticas.
As irregularidades observadas pela PGR no caso do jornalista preso há 1 ano por ordem de Moraes
Em um parecer de outubro de 2022, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou a nulidade do caso e afirmou que a Procuradoria-Geral de Justiça do Espírito Santo realmente não teria competência para solicitar diretamente ao Supremoa detenção, busca e apreensão, e interceptações de sigilo telefônico e bancário do repórter.
Adicionalmente, de acordo com o periódico, o MPF afirmou que o imbróglio do repórter seria análogo a uma averiguação já em curso na Justiça Estadual, o que é proibido pela legislação.
Essa averiguação estadual associa-se a uma série de matérias divulgadas pelo repórter em 2021 sobre suspeitas de corrupção e direcionamento de uma licitação do governo do Espírito Santo no montante de R$ 139 milhões. Naquele momento, fontes confidenciais entregaram um pen drive a Rangel com evidências do delito.
O Ministério Público do Estado, ao invés de averiguar a denúncia de corrupção — arquivada em razão da evidência ilícita —, passou a investigar o repórter e pessoas que divulgaram as evidências do pen drive: um vereador, um radialista e dois deputados estaduais. Eles também foram alvo da medida de Moraes estabelecida há um ano.
Conforme o advogado Gabriel Quintão, o vereador e o radialista permaneceram detidos pelo mesmo período que Rangel, e os dois deputados estaduais são obrigados a usar tornozeleira até hoje e estão impedidos de sair do Estado e de conceder entrevistas.