segunda-feira, 8 julho, 2024
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    Moraes como auxiliar de acusação no inquérito de Roma contradiz lei

     

    A determinação do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, de aceitar o colega Alexandre de Moraes e sua família como auxiliares de acusação na investigação sobre o incidente ocorrido em julho, no aeroporto de Roma, vai de encontro ao Código de Processo Penal e à jurisprudência do próprio Supremo.

    Essa é a resposta de magistrados, procuradores e advogados consultados pela reportagem para esclarecer a questão. Todos afirmaram que a assistência de acusação só poderia ser admitida em uma fase posterior do caso, ou seja, no decorrer de um processo penal.

    Para isso, é necessário que, antecipadamente, o Ministério Público denuncie formalmente os investigados, se considerar que houve uma agressão de fato, que possa ser caracterizada como crime, e que haja evidências mínimas que permitam atribuir o delito aos suspeitos.

    “Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como auxiliar do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, no caso de ausência, qualquer das pessoas mencionadas no art. 31”, afirma o artigo 268 do Código de Processo Penal (a última expressão refere-se a parentes da vítima).

    O auxiliar de acusação é um papel reservado à vítima em um processo criminal. Sua principal função é buscar a punição de seu agressor caso o Ministério Público – a quem cabe, primeiramente, buscar a condenação perante a Justiça – não tome medidas para isso no processo.

    Por isso, nesse papel, ele pode contestar uma absolvição caso o MP não tente reverter tal decisão. Antes disso, também pode, conforme o Código de Processo Penal, propor a análise de documentos ou depoimentos, solicitar perguntas às testemunhas, fazer acréscimos à denúncia inicial, participar do debate no tribunal e apresentar recursos contra decisões.

    Para alguns membros do Ministério Público da judicatura, que preferiram não se identificar, a decisão de Toffoli foi recebida com perplexidade. Segundo eles, Moraes somente poderia atuar como assistente de acusação se a legislação fosse alterada. Caso isso não ocorra, a decisão de Toffoli pode ser interpretada como a criação de uma nova norma, o que não deveria ser permitido.

    Uma juíza aposentada entrevistada pela reportagem afirmou que a admissão de Moraes como assistente de acusação causou perplexidade, uma vez que o inquérito é uma investigação preliminar, administrativa, que pode, em teoria, não resultar em uma denúncia formal. Segundo ela, mesmo que haja indícios no caso, a legislação que estabelece o processo judicial não prevê a participação de um assistente de acusação nessa etapa específica.

    Nesta segunda-feira (30), a Procuradoria-Geral da República (PGR), que representa o Ministério Público perante o STF, apresentou um recurso contra a decisão de Toffoli. O órgão argumentou que a admissão de Moraes como assistente de acusação representaria uma usurpação do papel do Ministério Público, que é responsável por propor a abertura de uma ação penal pública.

    “Aceitar a ‘assistência’ na fase inquisitorial, como determinado pelo eminente ministro relator na decisão agora recorrida, pode levar a uma conclusão equivocada de representar uma tentativa manifestamente inconstitucional, em violação direta ao art. 129, inciso I, da Constituição Federal, de conferir legitimidade às supostas vítimas para se substituírem ao Ministério Público, mesmo que o promotor natural eventualmente decida pelo arquivamento das informações”, escreveu a procuradora-geral da República interina, Elizeta Maria de Paiva Ramos, no recurso enviado a Toffoli.

    Caso a Procuradoria-Geral da República, por exemplo, solicite o arquivamento da investigação por não identificar crimes ou por falta de provas, será possível para Moraes e sua família apelar para manter o inquérito em andamento contra a família do empresário Roberto Mantovani?

    Conforme Alexandrede Moraes, essa situação não poderia acontecer. Em 2020, ele determinou que não há possibilidade de recurso contra a decisão de um ministro que, acatando um pedido de arquivamento da Procuradoria-Geral da República, encerra a investigação.

    No caso em análise, um indivíduo contestou a decisão da Procuradoria-Geral da República de arquivar uma denúncia criminal que ele mesmo apresentou contra o então presidente, Jair Bolsonaro, por alegada prática de crime de causar uma epidemia e fazer apologia ao crime, devido à organização de aglomerações em passeios de moto em Brasília.

    “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é bem estabelecida no sentido de que é irrecorrível a decisão judicial que, acolhendo parecer do Ministério Público no sentido de que não existem elementos mínimos de prova de ocorrência dos crimes relatados, determina o arquivamento da denúncia”, declarou Moraes na ocasião.

    Na prática, o entendimento é que nem mesmo uma suposta vítima de um crime pode contestar o arquivamento da investigação se isso for solicitado pelo Ministério Público e aceito pelo juiz. No entanto, se já estivesse em andamento um processo penal – iniciado com o recebimento de uma denúncia do Ministério Público, o que pressupõe a existência de indícios de que um crime realmente ocorreu – então a vítima, como assistente de acusação, poderia recorrer da absolvição.

    No recurso contra a decisão de Toffoli, a Procuradoria-Geral da República argumentou que permitir que Moraes atue como assistente de acusação, mesmo sem ter havido uma denúncia sequer, é um “privilégio incompatível com os princípios republicanos, de igualdade, legalidade e democracia”.

    “Não há registro de precedente que permita a assistência à acusação na fase inquisitorial. Esse privilégio nunca foi concedido a qualquer uma das autoridades mencionadas acima, nem mesmo ao Presidente da República”, mencionando também outros detentores de cargos.

    Existem indivíduos com privilégio de jurisdição no STF, como legisladores, ministros de Estado e dirigentes dos Poderes.

    O órgão ainda referenciou o conhecimento doutrinário do procurador Douglas Fischer
    e do advogado Eugênio Pacelli, ambos reconhecidos na área do direito penal, de acordo com o qual cabe exclusivamente à polícia “a avaliação da conveniência e oportunidade” da contribuição de vítimas e suspeitos para a investigação de um crime. Embora uma suposta vítima tenha o direito de solicitar medidas à polícia para uma melhor elucidação dos fatos, a decisão final está a cargo do delegado responsável pela investigação.

    No entanto, segundo alguns advogados, a suposta vítima de um crime não apenas pode solicitar ao delegado medidas que esclareçam o ocorrido, mas também ao próprio juiz do caso.

    “A vítima pode requerer providências ao juiz e, caso ele aceite, irá instruir a polícia a executá-las. O artigo 311 do Código de Processo Penal estabelece que a vítima pode até mesmo solicitar a prisão preventiva do suspeito”, afirma o delegado aposentado, professor e agora advogado Silvio Maciel. Segundo ele, medidas como quebra de sigilo, busca e apreensão podem ser requeridas pela suposta vítima, ficando a cargo do juiz consultar o Ministério Público para tomar sua decisão.

    “Os interesses da vítima são cada vez mais respeitados no processo. Não podemos tratá-la como uma pessoa estranha ao processo penal. Ela deve participar ativamente”, acrescenta. “Vamos supor que o ministro Dias Toffoli rejeitasse o pedido de Alexandre de Moraes de ser assistente de acusação e, no entanto, permitisse que ele solicitasse qualquer medida que considerasse necessária tanto ao delegado quanto ao juiz. Isso não mudaria nada. É uma questão de terminologia”, afirmou.

    O advogado e doutor em direito penal Matheus Herren Falivene entende, como previsto na lei, que não é possível admitir um assistente de acusação na fase de investigação. No entanto, para ele, nada impede que a vítima acompanhe a investigação. “Mas ele não pode ser chamado propriamente de ‘assistente de acusação'”. “Na fase de investigação, a vítima só pode acompanhar e sugerir evidências ao delegado de polícia”, afirma.

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