O Projeto de Lei nº 3.626/2023, que trata da regulamentação das apostas de quota fixa (conhecidas como bets), teve seu relatório elaborado pelo senador Ângelo Coronel (PSD-BA) e estava quase sendo votado pelo Plenário do Senado em 29 de novembro.
É necessário que, com sorte, algum ponto do texto seja revisado, já que, se aprovado da forma atual, certamente acarretará vários prejuízos aos estados e aos operadores de loterias do país.
De maneira geral, a intenção é adicionar ao artigo 35-G da Lei nº 13.756/18 (que lista as modalidades de loteria passiveis de exploração) o parágrafo 2º, que estipula: “A mesma empresa ou pessoa jurídica só poderá ter uma concessão em um único Estado ou no Distrito Federal”.
Dois problemas se tornam evidentes de imediato: o primeiro deles é a violação da Constituição. Restringir as operadoras de loteria a apenas uma concessão em um país tão extenso como o Brasil é claramente uma afronta à livre concorrência, mesmo que se trate da delegação de um serviço público.
Isso ocorre porque, embora a parte da arrecadação destinada ao poder público seja usada em projetos de seguridade social, segurança e até mesmo no setor esportivo, o setor privado exerce essa atividade com o intuito de obter lucro, como em qualquer outra atividade comercial, porém, nesse caso, prestando um serviço público.
É evidente que a violação à livre concorrência desestabiliza o mercado e cria obstáculos para o consumidor final – que, neste caso, é a coletividade – na dinâmica das relações de consumo.
Em segundo lugar, ao conceder a exploração do serviço de loterias a operadores privados em apenas um estado, é previsível que sejam escolhidos os estados cujos cidadãos possuem maior poder aquisitivo, em detrimento da competitividade e consequente arrecadação em estados menos atrativos.
O IBGE, inclusive, divulgou a lista do Produto Interno Bruto (PIB) de cada estado em 2023, com São Paulo liderando com um PIB de R$ 2,7 trilhões, o equivalente a 30,2% de toda a atividade econômica do país. Por outro lado, Tocantins ocupa a 24ª posição, com um PIB de R$ 51,7 bilhões, representando 0,6% da produção nacional.
Essa discrepância evidencia a preocupação mencionada anteriormente. Ambos os estados estão observando o mercado para a delegação do serviço de loterias, e o estado do Tocantins emitiu um decreto em 29 de novembro, regulamentando a exploração desse serviço.
Com apenas uma concessão permitida a uma empresa ou grupo econômico, pergunta-se: essa parceria privada escolheria o estado de São Paulo ou Tocantins?
Essa adição proposta no PL pode prejudicar estados economicamente mais vulneráveis, que poderiam se beneficiar muito com a exploração desse serviço, e provavelmente terão licitações sem interessados, resultando na ausência de arrecadação significativa para projetos sociais.
Essa disposição no PL 3.626/2023 não trará benefícios ao poder público, aos cidadãos ou aos parceiros privados. Espera-se que o adiamento da votação leve o legislador a refletir sobre esse assunto e, consequentemente, retire essa parte do texto na versão final da lei.