segunda-feira, 8 julho, 2024
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    Na esfera de julgamento sumário e prévio não corresponde a expressão ‘lobby’


    Em “julgamento provisório”, sob a justificativa da “probabilidade do direito, o risco de demora e o perigo de dano ao resultado útil do processo”, a Justiça Federal de São Paulo determinou, em ação civil pública, a paralisação dos efeitos da Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 819/2023 da Anvisa, que estendia o prazo, até 9 de outubro de 2024, para o esgotamento do estoque de embalagens e rótulos de alimentos adquiridos até 8 de outubro de 2023, a pedido do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, respeitável instituto.

    No entanto, não parou por aí.

    Também determinou que a Anvisa se abstenha de adotar medidas que, direta ou indiretamente, autorizem o descumprimento dos prazos de implementação da RDC nº 420/2020 e da Instrução Normativa (IN) nº 75/2022, exigindo que as empresas fabricantes de alimentos industrializados PUP, que estejam se beneficiando da permissão de esgotamento de embalagens e rótulos antigos, com base na RDC nº 819/2023, num prazo máximo de 60 dias, adotem etiquetas adesivas complementares com a nova tabela de informação nutricional; e o aviso “alto em” em todos os rótulos e embalagens que estejam em desacordo com a RDC nº 429/2020 e a IN nº 75/2020.

    Aqui o debate está sobre o aviso “alto em” que passou a constar nos rótulos dos alimentos, com alertas de “alto em açúcar, sódio e/ou gordura saturada”.

    Em (bem) resumido resumo, e “antes mesmo de adentrar na controvérsia”, o ilustre juízo federal fez considerações sobre o que entende ser importante para o avanço de qualquer país, desde uma economia sólida até a colaboração entre agentes econômicos, o governo e as leis, para garantir o funcionamento de instituições e a “consolidação de mercados sólidos nos quais bens, riquezas e serviços circulem em grande quantidade”.

    Naturalmente, fundamentou sua maneira de pensar em amplas publicações de doutrinas e revistas jurídicas e econômicas, além de citar sua própria dissertação elaborada no doutorado da renomada Universidade de São Paulo (a USP). Ou seja, embasou seu raciocínio de acordo com o preconizado pela academia científica: utilizando referências bibliográficas.

    No entanto, em seguida, abordou dois aspectos vitais que são importantes — aliás, muito importantes! —, especialmente, para a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária): o consumidor e a saúde. Fez extensas considerações sobre a “assimetria de informação” existente e o papel crucial da regulação para neutralizá-la. Afirmou, ainda, que cabe à regulação estabelecer normas relacionadas à segurança e qualidade dos bens e produtos disponibilizados no mercado.

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    Nada de novidade, nada novo, de fato, para a Anvisa. Afinal, sua missão institucional é clara e está expressa na Lei nº 9.782/1999: “promover a proteção da saúde da população, por meio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária”.

    Escolhas mais conscientes
    A questão é que, ao abordar o assunto, pareceu destacar a existência — somente para ele e o demandante — de uma preocupação que não existe, por outro lado, para o órgão regulador. Afirmar que a norma estabelecida pela Anvisa não foi introduzida de forma repentina, assim como ela (a norma) busca permitir que o consumidor faça escolhas mais conscientes ao adquirir um alimento, por meio da diminuição da assimetria de informações, é ressaltar o trabalho que a própria Anvisa executou, visto que isso foi o que motivou a redação do ato e nada além disso.

    Agora, o que não é fácil aceitar — na esfera de “julgamento sumário e prévio”, como mencionado na própria decisão — é qualquer questionamento relacionado à idoneidade do processo que resultou em uma prorrogação de prazo específica (com objeto e data certos), apontando a necessidade de “resistir ao lobby de agentes econômicos que tentam compensar a própria incapacidade por meiode um intervencionismo estatal que prejudica a sociedade.

    Observe, poderia o Juízo federal ter se limitado a possíveis desconfortos em relação à ausência de uma consulta pública (mesmo tendo sido respeitadas as boas práticas regulatórias, uma vez que houve a devida abertura de processo administrativo de regulação [1], e a dispensa de análise de impacto regulatório (AIR), de consulta pública (CP) e de avaliação do resultado regulatório (ARR), foi realizada sob justificativa, em razão da urgência — motivo previsto no Decreto nº 10.411/2020 e demais legislações aplicáveis); ou, mesmo, ao potencial risco de confusão ao consumidor (o que não se evidencia, dada a própria RDC nº 429/2020 já permitia a coexistência de produtos nas prateleiras “com e sem lupa”, por um período de transição — com um risco minimamente calculado).

    Contudo, não poderia ter afirmado a necessidade de resistência ao lobby, muito menos que “é imprescindível que autoridades regulatórias compreendam, de uma vez por todas” — ressalta-se, de uma vez por todas — que “não há progresso da sociedade que não esteja fundado em um quadro institucional baseado em regras estáveis e legítimas, que proporcionem segurança jurídica e recebam aceitabilidade social” (citando Gilson Wessler Michels).

    Se tivesse a Anvisa, por meio de sua diretoria colegiada, concedido caso a caso as 57 exceções solicitadas, teria ela sido acusada de desrespeitar, apenas para começar, a isonomia e a impessoalidade. Se tivesse tratado por meio de “exceções”, inclusive, teriam dito que ela violou a própria legalidade. Ao avaliar e ponderar princípios, vê-se que a agência reguladora tomou uma decisão, no mínimo, isonômica, impessoal, eficiente e razoável.

    O voto condutor dessa mudança normativa que, agora o Juízo federal suspendera, foi explícito com relação à sua motivação. Abordou, até mesmo, circunstâncias tão óbvias quanto a missão institucional da Anvisa (a qual foi reafirmada pela decisão que ora analisamos), uma vez que é público e notório que desde 2020, com a declaração de emergência em saúde pública nacional e internacional decorrente da pandemia da Covid-19, distintos elos da cadeia produtiva foram afetados (e não só na indústria de alimentos). Nós, enquanto seres humanos, também, fomos afetados.

    Impacto da rotulagem
    Não obstante, as áreas técnicas (isto é: os especialistas efetivamente no assunto) registraram que o descumprimento às normas de rotulagem não resulta em dano imediato à saúde do consumidor ou aumenta o risco sanitário. Na realidade, as áreas técnicas delimitaram bem a situação: “o impacto da rotulagem nutricional na saúde da população está em nível comportamental”.

    Quer dizer, trata-se de um cuidado extra do Estado, que busca informar ao cidadão sobre o consumo daquele determinado produto, o que não significa que ele deixará de consumi-lo, muito menos que compreende, integralmente, e a partir da “lupa”, o que o sódio, o açúcar e a gordura produzem em seu organismo, nem como, nem quanto o afeta.

    Quando se diz que algo está relacionado ao comportamento humano, devemos ter em mente que há outro direito em questão: o da privacidade, decorrência lógica da intimidade e da dignidade humana. Logo, há que se ponderar sobre a (im)possibilidade de adentrarmos na esfera de decisão do consumidor, afinal, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei.

    Se não é ilícito consumir algo alto em algo, realmente, só cabe ao Estado advertir, informar e orientar. E isso a Anvisa fez — muito antes, inclusive, do próprio Juízo —, e a simples prorrogação pontual não afasta a nobreza do seu ato, que data de 2020 e perdurará pelas próximas décadas ou enquanto se prestar à proteção e promoção.

    Com a devida reverência, incorreu em grande equívoco, até por se tratar de uma análise superficial, o Juízo federal ao fazer, desculpem a repetição, avaliação negativa sobre as razões que levaram um órgão regulador da envergadura da Anvisa a editar ato normativo, reitera-se, extremamente específico. Apontar que algo causa, no mínimo estranheza é uma coisa. Suscitar que a Anvisa precisa resistir ao influência é outra completamente diferente.

    Aliás, o compromisso da Anvisa e a condução de suas atividades durante a pandemia (momento em que mais esteve sob holofotes) mostraram a grandiosidade da Agência e o quanto é capaz de resistir ao influência.

    Em qualquer democracia ou em qualquer país desenvolvido — como aquele idealizado na própria decisão — faz parte do jogo a existência de opiniões divergentes; de posições antagônicas; de gremistas e colorados; ou de flamenguistas e fluminenses; ou, ainda, aquele clássico, esquerda e direita.

    Mas, em países desenvolvidos, não se imputa a diretores de uma das mais respeitadas agências reguladoras do mundo a mera subserviência aos interesses de alguns agentes econômicos, especialmente quando o ato administrativo se encontra devidamente motivado por pilares estruturantes da nossa Constituição e por razões técnicas. Especialmente quando há validação jurídica da Advocacia Geral da União no processo.

    Especialistas não precisam ser populares
    Sempre ocorreu, e sempre ocorrerá, situações e decisões que desagradarão uma parcela, por vezes considerável, dos agentes econômicos e/ou da população. Contudo, é preciso ressaltar que o órgão regulador não tem seus especialistas em regulação, muito menos os seus dirigentes, eleitos pelo povo, razão pela qual suas decisões não são baseadas em interesses da maioria ou minoria, da sua base aliada ou não. Não precisam (e não devem) ser populares. São desprovidas (ou deveriam ser) de ideologias, visto que devem guardar coerência científica, técnica e legal, baseada na avaliação de risco.

    Ora, se for assim, tal como a decisão do d. juízo federal afirmou, toda e qualquer decisão da Anvisa poderá ser objeto de questionamentos. É preciso garantir a competência institucional da Anvisa na gestão do interesse público com celeridade e especialização técnica (como já disse o próprio Supremo Tribunal Federal em mais de uma ocasião), sob pena de, muito em breve, termos que instituir o “lobbyômetro” e, a depender se o nível estiver muito elevado ou baixo, apontarmos aquela decisão como técnica e de interesse público; ou como mera “influência externa.

    Vale, ainda, fortalecer o princípio da deferência, baseado no respeito às decisões que são proferidas por autoridades que possuem conhecimento específico no tema, principalmente na seara técnica [2]; que vivem o dia a dia da Instituição e de seus regulados, sempre tendo em mente e como alvo sua missão institucional. Ao Judiciário, seria cabível intervir nas decisões proferidas pela administração pública, no exercício regular de sua competência, apenas quando fossem flagrantemente arbitrárias ou ilegais.

    Cabe, agora, e infelizmente, à Anvisa recorrer e, até mesmo, avaliar o cabimento de Slat (suspensão de liminar ou de antecipação de tutela), igualmente conhecida como SL (suspensão liminar), por meio da sua Procuradoria Federal com fundamento no §1º, do artigo 4º da Lei nº 8.437/1992, muito embora não se trate (ainda) de sentença em ação civil pública. Espera-se que o tribunal aja diferente, especialmente em sede de “juízo sumário e prefacial”.

    Registra-se, por fim, o máximo respeito à competência da Anvisa, a idoneidade do Voto nº 221/2023/SEI/DIRE4/ANVISA e ao colegiado que o acompanhou.

     

    [1]Despacho nº 140, de 17 de outubro de 2023, publicado no Diário Oficial da União nº 198, de 18/10/2023.

    [2] MOREIRA, Egon Bockmann. Crescimento econômico, discricionariedade e o princípio da deferência.

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