segunda-feira, 1 julho, 2024
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    O que raramente é mencionado acerca da reforma de impostos


    Quando se considera a questão da reforma tributária, nos meios de comunicação, e mesmo em eventos técnicos específicos, frequentemente se aborda a tributação sobre o consumo, e, principalmente, o IVA-Dual. Imposto sobre Bens e Serviços, e Contribuição sobre Bens e Serviços, e todas as implicações processuais e materiais que o tema traz. E, de fato, a reforma trata primariamente disso, sendo este o seu aspecto principal.

    Spacca

    Neste artigo, entretanto, pretendo abordar alguns pontos não diretamente ligados a essas linhas mestras, e que possivelmente tenham sido incluídos na Emenda Constitucional 132/2023 apenas para se “aproveitar a oportunidade” de um Congresso favorável à ideia de modificar o sistema constitucional tributário.

    Refiro-me à expansão do alcance do imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA), e à ampliação das finalidades a serem atendidas pela contribuição de custeio do serviço de iluminação pública (Cosip).

    Análise histórica
    Em relação ao IPVA, sabe-se que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao realizar uma análise histórica fundamentada na antiga taxa rodoviária única que deu origem a este imposto, e que não era uma taxa (pois tinha base de cálculo de imposto), não era rodoviária (porque era devida mesmo por quem não usasse rodovias), e tampouco única (por ser cobrada juntamente com a taxa de licenciamento), considerou que o IPVA não poderia abranger embarcações ou aeronaves, mas somente veículos terrestres.

    Com base nesses fundamentos, declarou inconstitucionais dispositivos de leis estaduais que tentavam tributar a propriedade desses bens, como lanchas, helicópteros etc.

    Com a EC 132/2023, esses veículos são inseridos de forma expressa no âmbito de incidência do imposto, que passa a poder abrangê-los.

    A mudança talvez tenha sido mais simbólica do que efetiva, dada a extensão e o alcance das exceções previstas no texto constitucional, sob a forma de verdadeiras imunidades; no entanto, alguns veículos serão atingidos.

    Mas não se deve pensar — e este é o ponto que se deseja ressaltar neste artigo — que a simples alteração constitucional permite que os Estados e o Distrito Federal, automaticamente, possam instituir o imposto sobre a propriedade de barcos, aviões, lanchas etc., com base na legislação estadual existente anteriormente.

    Será necessário elaborar novas leis estaduais, respeitando todos os princípios constitucionais aplicáveis, como a anterioridade, para poder fazê-lo.

    Isso acontece porque as leis estaduais preexistentes, mesmo que prevejam explicitamente a incidência do IPVA sobre embarcações e aeronaves, se anteriores à EC 132/2023, eram, nesse ponto, inconstitucionais, conforme reconhecido pelo STF, não se “convalidando” pelo fato de o texto constitucional posterior ter se tornado compatível com elas.

    A Corte, aliás, já teve a oportunidade de manifestar esse entendimento quando da ampliação da base de cálculo da Cofins promovida pela EC 20/1998, que não foi considerada suficiente para validar a tributação de receitas não operacionais (que não se enquadram no conceito de faturamento) autorizada por lei ordinária anterior (Lei 9.718/98 – RE 346.084/PR).

    Conflitos de competência
    Outro ponto a ser destacado é a necessidade, ou não, de editar uma lei complementar nacional destinada a evitar conflitos de competência (CF/88, artigo 146, I). O

    STF reconheceu a importância da prévia edição de uma lei dessa natureza para que os entes federativos possam exercer validamente a competência tributária que a Constituição lhes confere, em relação ao imposto de renda estadual (Aire – RE 136.215-4/RJ), ao ICMS, seja o incidente sobre transporte aéreo de passageiros (ADI 1600/DF), seja o diferencial de alíquota nos casos mencionados pela EC 87/2015, seja o ITCMD incidente sobre heranças e doações provenientes deexterno (característica que a reforma também regulamentou — artigo 16 d EC 132/2023), demostrando ser mais simples incluir um peixinho em uma PEC envolvida politicamente do que editar uma lei infraconstitucional.

    Em todos esses casos, a possibilidade de surgirem confrontos de competência entre Estados-membros e Distrito Federal fez com que o STF condicionasse o exercício da competência à prévia edição de lei complementar estabelecendo normas gerais a serem observadas por todos.

    No caso do IPVA, estabeleceu-se um distinguishing. Entendeu-se que, sendo os veículos licenciados junto ao departamento de trânsito de cada Estado-membros, ou do Distrito Federal, seria este mesmo ente federativo o competente para exigir o respectivo IPVA, inexistindo espaço para conflito (AI 167.777 AgR/SP).

    Daí ser o IPVA um tributo estadual que, previsto na Constituição apenas após a edição do CTN, e desobrigado de possuir normas gerais pelo entendimento do STF, não possui qualquer norma geral em lei complementar nacional definindo seu perfil ou tratando de conflitos de competência.

    A questão é que, com a previsão de que incidirá sobre embarcações, e aeronaves, a edição de uma lei complementar se pode mostrar necessária.

    Mais questionamentos
    O imposto será devido ao ente federativo em que domiciliado o proprietário do veículo? E se se tratar de pessoa jurídica com mais de um estabelecimento no país? E se a pessoa jurídica for situada no exterior? Ou mesmo pessoa física, mas com mais de uma residência? Em qual estado será devido o IPVA?

    A simplicidade do registro no Detran, que levou o STF a considerar desnecessárias as normas gerais nacionais, em um claro distinguishing de seu entendimento pacífico quanto aos outros impostos, desaparece, deixando a dúvida em aberto.

    O outro ponto, ainda menos comentado, diz respeito à Cosip, que agora poderá ser utilizada para custear serviço de videomonitoramento usado pelo Poder Público.

    Neste caso, o questionamento que faço, aqui, não é de Direito Tributário, mas referente à proteção de dados, porque o fato de se ter incluído essa previsão no artigo 149-A da CF/88 pode parecer ter “constitucionalizado” o uso de câmeras nas vias públicas, as quais filmam sem interrupção cidadãos e seus veículos, reconhecendo faces de pessoas e placas de carros, para assim capturar suspeitos, apreender veículos etc., o que não é verdade.

    A inserção de mais esse jabuti na reforma não foi antecedida de qualquer debate sobre privacidade, possibilidade de erros, vieses etc., que o uso de tais sistemas suscita, sendo certo que o direito à proteção de dados é objeto de expressa e específica proteção constitucional (artigo 5.o., LXXIX).

    Não se está, note-se, manifestando posição contra o uso de câmeras de videomonitoramento. Nem a favor. Apenas salientando que o artigo 149-A pode sugerir, com sua redação dada pela EC 132/2023, que esse uso está constitucionalmente autorizado, pois até mesmo se prevê uma contribuição para financiá-lo.

    Só que o tema não contou com a discussão que precisaria ter havido para tanto, carecendo, no plano da proteção de dados, da intimidade, e mesmo do processo penal, ser ainda devida e criteriosamente disciplinado.

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