sexta-feira, 28 junho, 2024
spot_img
Mais

    Últimos Posts

    spot_img

    O que significa e o que não significa


    Linguagem visual é a utilização de imagens e outros recursos visuais para melhor comunicar mensagens na área do direito. Apesar do seu grande potencial de aumentar o acesso à Justiça, o instrumento vem sendo empregado no meio jurídico de maneira equivocada e que vai contra a sua ideia original. Neste texto, abordaremos de forma sucinta o que significa e o que não significa linguagem visual. O objetivo é compreender a origem e a finalidade do instituto, para que se pondere sobre o seu uso apropriado.

    A linguagem visual é uma subdivisão do design jurídico, movimento que surgiu entre 2010 e 2015, na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos [1].  O design jurídico tem como meta desenvolver produtos e serviços, como sites, propagandas e programas de computação, que facilitem a transmissão de mensagens jurídicas. Já a linguagem visual, como parte do design jurídico, consiste na utilização de recursos visuais com o intuito de facilitar a compreensão, pelo leigo, de mensagens jurídicas escritas.

    O propósito principal da linguagem visual é ampliar o acesso à Justiça, estreitando as relações entre o cidadão e o sistema jurídico [2]. A ideia surgiu da percepção de que a linguagem jurídica é muito técnica e de difícil entendimento, de modo que muitas vezes o usuário enfrenta obstáculos ao utilizar serviços simples, como solicitação de documentos, navegação em sites de órgãos públicos e busca de informações sobre processos.

    Com o objetivo de facilitar a compreensão do cidadão, a linguagem visual segue a mesma linha do movimento de linguagem simples [3]. Enquanto a “Linguagem Simples” preconiza o uso de termos conhecidos e concretos e de frases curtas [4], a linguagem visual lança mão de imagens e recursos gráficos, ambos com foco na empatia com o usuário e com o propósito de ampliar o acesso à Justiça.

    A linguagem visual é atualmente empregada nos Estados Unidos em websites de órgãos públicos, balcões de atendimento nos fóruns (help desks), cartazes e panfletos que auxiliam o usuário da Justiça a compreender e encontrar o que busca. A linguagem visual também é utilizada em sites de escritórios, para promover de forma mais eficaz os serviços aos clientes, assim como em contratos, facilitando a compreensão do leigo que os irá assinar.

    No Brasil, a linguagem visual chegou há poucos anos e já está sendo pesquisada e utilizada por diversos órgãos públicos e empresas. Ocorre que os profissionais do direito, motivados pela novidade e pela facilidade tecnológica, começaram a inserir de forma indevida recursos visuais nas peças processuais de uma forma que, em nossa opinião, descaracteriza o instituto e corresponde a um uso inadequado do linguagem visual.

    Spacca

    É válido que a linguagem visual possa ser empregada dentro de processos judiciais, como já é feito em sua origem, nos EUA. Naquele país, é utilizada em apresentações ao júri, em sustentações orais e, em situações muito específicas, dentro de petições, para substituir uma argumentação que seja melhor explicada visualmente do que por palavras [5]. O que tem sido observado no Brasil, no entanto, não é a substituição de palavras nem o uso de recursos visuais para facilitar a compreensão dos argumentos jurídicos, e sim um verdadeiro mau uso da linguagem visual.

    Como exemplos do desvio da linguagem visual, podemos citar o uso indiscriminado de estilos e cores de fontes distintas dentro do mesmo texto; utilização de folhas coloridas; inserção de quadros, QR codes, figurinhas e fotos, que na verdade são parte da prova, no meio do texto da petição.

    Origemcomo já esclarecido, o design jurídico surgiu nos Estados Unidos e, portanto, é crucial analisarmos o conceito à luz do que acontece lá. De forma interessante, naquele país, os tribunais têm diretrizes rígidas sobre a apresentação das petições, determinando cor, tamanho e tipo de letra, assim como o limite máximo de páginas [6].

    O design jurídico é, de fato, amplamente utilizado lá, mas convive com essa rigidez dentro do processo. A maioria dos tribunais até adota formulários em vez de petições para padronizar ainda mais os textos [7]. Como é possível observar, no país de origem não é permitida a liberdade de cores, formas e estilos, simplesmente porque isso não é design jurídico.

    É verdade que no Brasil não há normas estritas que estabeleçam a apresentação das petições em processos judiciais. Isto se deve ao fato de que, até recentemente, o uso de recursos visuais nem mesmo era viável, uma vez que as petições eram datilografadas ou até escritas à mão. No entanto, hoje em dia, já estão surgindo propostas de regulamentação quanto à formatação das peças processuais, visando garantir a celeridade do processo.

    É fato que o tema gera estranhamento e, muitas vezes, desagrado, sob a alegação de que a formatação das peças é de escolha livre do profissional. Portanto, para evitar a regulamentação, é essencial que os operadores do direito reflitam sobre o que utilizar e o que não utilizar em seus textos.

    Antes de decidir sobre o uso ou não dos recursos visuais, é necessário compreender a origem do design jurídico, sendo recomendada a leitura de textos sobre o assunto. Após compreender o conceito, o operador do direito deve considerar dois aspectos para determinar se o uso do recurso visual é apropriado ou não: a quem se destina a petição e a finalidade da imagem.

    No que diz respeito à primeira reflexão, é importante lembrar que as petições jurídicas são destinadas ao juiz ou ao agente administrativo com poder decisório e que esses interlocutores não são leigos. Por outro lado, o design jurídico é empregado, por exemplo, em cartazes, websites ou panfletos nos quais um órgão público busca transmitir informações de forma acessível ao cidadão. Além disso, justifica-se o uso do design jurídico em apresentações para o júri leigo, pois a imagem é mais persuasiva e consegue convencer mais rapidamente do que as palavras [8].

    O uso do design jurídico também é apropriado em sustentações orais, quando o tema é estritamente técnico. No entanto, isso geralmente não ocorre na maioria das petições administrativas e judiciais. Em primeiro lugar, porque elas se dirigem ao julgador e não a um leigo, já que no Brasil o juri é uma exceção. O juiz, por sua vez, não procura por apresentações bonitas e coloridas, mas sim por uma argumentação sólida, técnica e objetiva.

    Quanto às partes envolvidas, é verdade que elas têm o direito de compreender o processo, o que também não justifica o uso de muitas cores, figuras e fotos. Como mencionado anteriormente, as petições são direcionadas ao julgador e não têm o intuito de impressionar o cliente. Para garantir uma compreensão adequada por parte das partes, o profissional do direito deve utilizar outro recurso: a linguagem simples. Esta não atende apenas aos interesses das partes, mas também beneficia o julgador, que conseguirá entender o caso de forma mais clara. Por outro lado, o abuso de recursos visuais nas petições, ao invés de facilitar a leitura, acaba cansando o julgador, dificultando a compreensão do real pedido e, muitas vezes, impedindo em vez de ampliar o acesso à Justiça.

    Facilitar o entendimento do texto

    Em relação à finalidade do uso do recurso visual, reiteramos que o design jurídico tem o propósito de facilitar a compreensão do texto. Portanto, o uso de imagens é adequado quando contribui para contar uma história e não apenas para ilustrar o texto. Sempre que for necessário um texto extenso além da imagem, é importante reconsiderar quem é o destinatário.

    da solicitação e se a representação visual contribuirá ou simplesmente ampliará a escrita e a tornará enfadonha.

    Vale ressaltar ainda que a evidência documental deve ser anexada em separado e não dentro da solicitação. A inclusão de fotografias de todas as provas dentro da petição torna o texto confuso, bagunçado e extenso sem necessidade. É inclusive arriscado anexar a imagem no texto, já que isso pode levar o juiz a pular a imagem e ir diretamente ao texto, ignorando o que seria uma prova relevante [9].

    Além disso, a produção da evidência documental é regulada em nosso Código de Processo Civil, nos artigos 434 e seguintes, e em nenhum deles há previsão de que o documento pode ser incluído no conteúdo das petições. Pelo contrário: o caput do artigo 434 afirma que “à parte incumbe ‘instruir a petição inicial ou a contestação com os documentos destinados a comprovar suas alegações'”, ou seja, os documentos devem ser apresentados em anexo e não no conteúdo da inicial ou da contestação.

    Destaca-se que não se está aqui rejeitando o visual law. Com o progresso da tecnologia, o uso de imagens e outros recursos visuais é inevitável. No entanto, existem riscos do seu uso inadequado, como por exemplo o perigo de uma visão limitada (sob a perspectiva exclusiva de quem tirou a foto) e o risco de substituir a profundidade do texto pela superficialidade das imagens, comprometendo a argumentação sólida [10]. Apesar dos riscos, existem boas razões para o uso dos recursos visuais, porém com cautela.

    Em suma, observamos que o visual law é uma ferramenta importante de acesso à Justiça e está em consonância com a linguagem clara. O visual law, no entanto, não se resume ao simples uso de caracteres especiais, fontes coloridas e imagens dentro das petições. Antes de recorrer a recursos visuais em seus escritos jurídicos, o profissional do direito deve primeiro compreender a finalidade do visual law e refletir sobre se o uso é apropriado ou não no caso específico.

    Não se pode simplesmente importar o conceito sem compreender o que realmente ele representa. Devemos zelar para que uma boa ferramenta não se torne trivial e evitar que seu uso inadequado resulte em regulamentações restritivas ou até impeça sua utilização. Estamos, sim, no início de uma nova era tecnológica e repleta de recursos. No entanto, como bons operadores do direito, é necessário estudar, observar e não apenas reproduzir práticas sem entendê-las. Após compreender o que é e o que não é visual law, podemos, sim, utilizar a ferramenta. Utilizar, no entanto, com moderação; assim como em tudo na vida.

     

    [1] Legal Design Lab:

    [2] HAGAN, Margaret. Participatory Design for Innovation in Access to Justice. Daedalus, v.148, 2019, p.121. Disponível em: 

    [3] Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, CNJ, disponível em

    [4] FISCHER, Heloísa. Clareza em textos de e-gov, uma questão de cidadania.

    Rio de Janeiro, 2017. Disponível em

    [5] Discutindo o uso apropriado de imagem no caso Apple Inc. v. Samsung Eletronics Co. ver MURRAY, Michael D., The Ethics of Visual Legal Rhetoric. Legal Communication & Rhetoric – JALWD / vol. 13, 2016,  p. 133.

    [6] Exemplos:  Lei Federal de Procedimento nas Apelações – FRAP, Rule 32, disponível em , e Regras das Cortes Estaduais da Califórnia – 2024 California Rules of Court, Rule 8.204, disponível em

    [7] Exemplos de formulários:

    [8] MURRAY,  op. cit., p. 123.

    [9] Idem, p. 140.

    [10] PORTER, Elizabeth G., Taking images seriously. 114 Colum. L. Rev., 2014, p. 1694.

    spot_img

    Últimas Postagens

    spot_img

    Não perca

    Brasília
    céu limpo
    19.5 ° C
    19.5 °
    19.2 °
    52 %
    1kmh
    0 %
    sáb
    28 °
    dom
    29 °
    seg
    28 °
    ter
    27 °
    qua
    20 °

    3.137.160.225
    Você não pode copiar o conteúdo desta página!