Perder peso geralmente é uma das metas de fim de ano mais populares. Neste fim de 2023, a procura por dietas, academias e estratégias inovadoras para perder peso está aumentando nas redes sociais. E, entre as influenciadoras, o jejum intermitente é bastante comum. Em resumo, a técnica envolve abster-se de se alimentar por um determinado período. No entanto, de acordo com as evidências científicas, isso não é eficaz.
Embora a prática possa resultar em uma menor quantidade de quilos na balança, estudos têm indicado que há uma perda maior de massa magra (músculo) do que de gordura, indo contra a expectativa de um emagrecimento saudável.
“De fato, observei uma redução nos números da balança. Porém, houve um grande aumento na gordura corporal e uma redução na massa muscular. Ou seja, a redução nos números da balança foi devido à redução dos músculos e não da gordura. Isso não é emagrecimento” — Ana Bonassa, pesquisadora da USP responsável por um estudo sobre jejum intermitente.
Origem da prática do jejum
O jejum é uma prática recorrente ao longo da história, geralmente realizada por motivos religiosos, culturais e espirituais.
Nossos antepassados mais remotos enfrentavam longos períodos de jejum, mas de forma forçada. Isso se devia ao fato de que tribos caçadoras-coletoras (que não praticavam a agricultura) só se alimentavam caso conseguissem caçar algo ou coletar no ambiente. Caso contrário, passavam longos períodos sem se alimentar.
Hoje em dia, essa realidade não existe mais. Mas como o jejum fora desse contexto ou da esfera religiosa se tornou uma tendência?
De acordo com especialistas, a popularidade do método se deve à “simplicidade”. Ao contrário de dietas com menu ou restritivas, não é necessário fazer adaptações e a pessoa não é proibida de ingerir nenhum tipo de alimento, como gorduras, açúcares ou carboidratos. Tudo o que ela precisa é de um relógio.
Assim, a prática se popularizou e foi adotada por celebridades que vão de Dua Lipa, estrela pop internacional, a Jade Picon, ex-BBB e influenciadora com milhões de seguidores.
As modalidades de jejum intermitente
Há diferentes métodos para fazer a pausa na alimentação com o jejum. Os exemplos mais comuns nas redes sociais são:
- Método 16/8: jejuns diários de cerca de 16 horas e uma janela de alimentação com 8 horas de duração. Também são comuns o 12/12 e o 20/4, nos quais a pessoa realiza jejum, respectivamente, por 12 ou 20 horas, e se alimenta em uma janela de 12 ou 4 horas.
- A dieta 5:2: quando há ingestão das refeições durante cinco dias da semana e restrição na ingestão calórica durante dois dias da semana.
- Método Coma-Pare-Coma: no qual a pessoa escolhe um ou dois dias da semana nos quais fará jejum completo. Nestes dias, a pessoa realiza uma refeição e depois só voltará a comer no mesmo horário no dia seguinte.
Eficácia do jejum intermitente para emagrecer
O que especialistas alertam é que há escassez de pesquisas sobre o assunto, principalmente a longo prazo.
Até o momento, os estudos têm mostrado que o jejum intermitente resulta em perda de peso na balança, ou seja, a pessoa emagrecerá.
No entanto, o que eles descobriram é que a perda maior é de massa magra e não de gordura, indo na direção oposta de um emagrecimento saudável.
Pesquisa publicada em 2020 por cientistas da Universidade da Califórnia em uma das mais renomadas revistas de medicina, a Jama International Medicine, mostrou que, apesar da perda de peso na balança das pessoas submetidas ao jejum, o maior volume perdido era de massa magra e não de gordura.
Estudo realizado pelo Departamento de Fisiologia e Biofísica da Universidade de São Paulo (USP) também encontrou o mesmo resultado. A pesquisa foi realizada em ratos e comparou os animais em jejum intermitente com os que tinham acesso livre à alimentação. Ao fim de 12 semanas, a pesquisa descobriu uma redução de peso entre os que praticavam o jejum, mas com aumento da reserva de gordura.
Os resultados do estudo da USP foram apresentados no congresso da Sociedade Europeia de Endocrinologia em Barcelona em 2018.
Segundo a responsável pela pesquisa, Ana Bonassa, apesar de ser realizado em ratos, a análise revela que, devido à maneira como atua no corpo, a técnica não é a mais adequada quando se trata de emagrecimento.
Funcionamento do jejum intermitente no organismo
A pesquisadora explica que a perda de massa magra é maior do que a de gordura porque, após um período sem se alimentar, o corpo acelera as vias metabólicas para repor as reservas de energia, aumentando a gordura corporal.
“Essa ideia de que durante o jejum o corpo consome apenas gordura ou consome muito mais gordura do que em uma restrição calórica convencional é um mito difundido por defensores da dieta ou por pessoas que não compreendem o metabolismo e a fisiologia” — Ana Bonassa, que possui doutorado em ciência.
Ela explica que “nosso metabolismo não possui um interruptor liga/desliga que usa a gordura quando queremos”.
Reações adversas observadas
Aqueles que defendem o jejum intermitente – e existem dezenas de comunidades sobre isso nas redes sociais – o veem não apenas como uma forma de emagrecimento, mas como um “bom hábito de saúde”. Alguns associam a prática com o controle da insulina, a redução de problemas cardíacos e até a longevidade.
No entanto, não existem estudos que comprovem essas teorias. Apesar de escassas, as primeiras análises mostram reações adversas, alertando para os efeitos a longo prazo, como a sobrecarga do pâncreas.
No estudo da USP, quando os pesquisadores realizaram a necrópsia dos ratos, observaram que as células beta do pâncreas, responsáveis pela liberação de insulina para o organismo, estavam danificadas. Além disso, detectaram marcadores de resistência à insulina.
“No estudo, o jejum alternado com períodos de alimentação à vontade cria um ambiente extremo para o pâncreas, que pode ser sobrecarregado. Além disso, o aumento da gordura corporal está relacionado à diminuição da ação da insulina. Isso, em conjunto e a longo prazo, pode favorecer o surgimento ou o agravamento do diabetes” — Ana Bonassa, autora de um estudo sobre jejum intermitente.
Por essa razão, a endocrinologista tem reservas quanto ao método, principalmente em relação a pessoas diabéticas.
Além disso, destaca que esse tipo de restrição oferece o risco de desenvolver distúrbios alimentares.
“É necessário realizar uma restrição adequada. Se for extremamente restritivo, às vezes a pessoa pode ter compulsão, até mesmo anorexia, distúrbios alimentares”, diz.
Jejum intermitente requer cautela
A endocrinologista Isis Toledo, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), afirma que, apesar da facilidade de adesão entre os pacientes, o jejum intermitente não é superior às dietas de restrição calórica e, diante da escassez de estudos, requer cautela.
“As evidências sobre os benefícios do jejum intermitente e suas possíveis alterações a curto e longo prazo no metabolismo humano ainda são incertas, sendo necessário o estímulo a pesquisas nessa área, uma vez que essas estratégias têm sido amplamente adotadas nas dietas atuais” — Isis Toledo, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Mesmo sem comprovação de eficácia, o jejum intermitente tem sido usado em consultórios como tratamento para perda de peso com base na experiência clínica.
A médica Maria Fernanda Barca, membro da Sociedade Europeia de Endocrinologia (ESE), é uma das que recomendam a prática a seus pacientes.
“O jejum intermitente pode ser interessante porque é mais fácil para o paciente aderir. É uma opção para as pessoas que não se adaptam a dietas mais restritivas [de certos alimentos], pois estas afetam o convívio social”, explica Maria Fernanda.
Ela ressalta, no entanto, a importância do acompanhamento médico para observar se, durante o período sem se alimentar, a pessoa apresentar desmaios ou qualquer tipo de mal-estar.
“O que recomendamos é manter uma alimentação equilibrada durante os intervalos, com verduras, legumes, carboidratos, proteínas. E tudo isso aliado aos exercícios para não perder massa muscular e com acompanhamento médico”, diz.