domingo, 7 julho, 2024
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    os obstáculos do ensino de direito no Brasil


    O aprendiz de Direito, como qualquer outro, enfrenta diversas dificuldades ao longo da sua trajetória acadêmica. Porém, nenhum deles ultrapassa o receio ao “sexto ano”. Isso é, cumprida a carga horária do curso, apresentado o trabalho de conclusão (TCC), aprovado no exame da OAB, qual caminho seguir após o término da graduação? Como ingressar no mercado de trabalho? Como se destacar em um mercado de trabalho que possui a maior proporção de juristas por habitante do mundo [1]? Como iniciar na advocacia? O concurso público é a melhor escolha?

    Essas incertezas são um reflexo de muitas questões que se relacionam, inclusive, com aspectos iniciais do curso: os estudantes, em sua maioria, elegem o curso de graduação que, supostamente, irá orientar toda uma vida, de forma muito precoce e sem conhecer muito bem as perspectivas de mercado e de atuação profissional. E, mesmo ao longo do curso, nem sempre são claras as informações sobre como funciona efetivamente o mercado de trabalho jurídico, a forma de ingresso nas carreiras jurídicas, bem como sobre as possibilidades de atuação.

    Apesar de o mercado de trabalho, geralmente, ser fator decisivo na escolha do curso, o jovem estudante conhece muito pouco sobre como esse mercado funciona e o que esperar dele, especialmente diante das inovações tecnológicas, seus impactos e demandas jurídicas.

    Quando muito, possuem alguma informação e muita romantização/idealização sobre as carreiras mais tradicionais: advocacia, magistratura, Ministério Público, defensoria, carreiras policiais, procuradorias e etc. e, mesmo assim, ignoram o caminho para atingir a carreira que (inicialmente) pretendem (da preparação, ingresso à atuação). E, não raras as vezes, esse desconhecimento se perpetua até o último ano do curso, o que gera insegurança e frustração.

    Segundo dados do Ipea/202I (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada): “dos 114,8 mil indivíduos se bacharelaram em direito a cada ano entre 2015 e 2019, apenas 52,1 mil se ocuparam como profissionais jurídicos. Ou seja, em média, ano a ano, 54,6% dos graduados não se ocuparam na própria área de formação” [2].  Dentro dessa perspectiva, estão incluídos os que não conseguiram atuar na área, seja pela dificuldade de ingresso no mercado específico, seja por optarem por uma atuação profissional extrajurídica. Vale destacar que aspectos territoriais e sociais impactam diretamente no acesso/oportunidade, capacitação e condições de trabalho, bem como na remuneração mais atrativa ou não.

    De todo modo, é importante que as instituições de ensino superior (IES), durante o curso, oportunizem informações mais amplas e detalhadas sobre as carreiras jurídicas, não apenas referentes aos concursos públicos e áreas mais tradicionais da advocacia, mas também em relação à outras possibilidades de atuação, tais como árbitro, pesquisador, carreira docente, diplomacia, consultor estratégico para startups, dentre outras.

    Mesmo na advocacia, é possível atuar nos tradicionais consultivo e contencioso, mas também com a advocacia preventiva (compliance ou regulatória) e em novas áreas (Direito Digital, Direito Desportivo, Direito Educacional, Direito Aduaneiro, etc.), por exemplo.

    Nesse sentido, o Ministério da Educação tem se preocupado com atualização do conteúdo do curso e com o emprego de tecnologias educacionais para a formação dos alunos [3]. O Conselho Nacional de Educação também, recentemente, criou uma Comissão Especial de Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito, com o objetivo de modernizar o currículo do curso e alinhá-lo às demandas de mercado[4].

    Também, há uma demanda no mercado por profissionais com habilidades de interlocução com outras áreas do saber, sejam proativos, colaborativos e empreendedores, entre outras características que o modelo tradicional de ensino jurídico, baseado nas longas aulas expositivas, já não é capaz de suprir e, muito menos, de reter a atenção dos estudantes que, frequentemente, podem ter acesso a conteúdo similar por outros meios, como videoaulas, podcasts, entre outros.

    Além disso, este é um dos grandes desafios dos professores, especialmente nos últimos semestres do curso: manter o interesse do aluno que, já aprovado no exame da OAB, não percebe mais utilidade no conteúdo teórico ensinado.

    Por isso é comum a apatia dos alunos em sala de aula, especialmente, no final da graduação, devido à perda da motivação ao longo do curso, por diversos fatores: pessoais, incerteza ou desconhecimento sobre o mercado de trabalho, mas, também, por não estarem recebendo algo que considerem útil para o “sexto ano”. Assim, é essencial repensar não apenas o conteúdo do curso de direito, mas também o papel comunicacional e o protagonismo do professor em sala (sair do lugar de reprodutor de conteúdo e assumir o papel daquele que compartilha experiências, que instrui, que apresenta aspectos práticos da atuação profissional), bem como metodologias que permitam uma maior integração do aluno na construção do conhecimento, além do aprimoramento e melhor direcionamento das atividades complementares e do estágio .

    O estágio, como atividade que permite o contato do aluno com a atuação prática, quando bem conduzido e fiscalizado, é fundamental para a atuação profissional futura. Assim, quanto mais diversificados ao longo do curso, maiores as chances de que o estudante conheça e se identifique com determinada área de atuação. É uma oportunidade salutar de simular situações e ter contato com a prática profissional. Dessa forma, também é papel das IES acompanharem adequadamente a realizações dos estágios, bem como favorecerem o acesso às oportunidades de estágio aos estudantes.

    Também é essencial promover visitas técnicas em estruturas nas quais os estudantes irão trabalhar para reduzir o distanciamento entre a teoria e a prática, bem como para que conheçam as discrepâncias entre o que é abordado em sala de aula com a realidade da atuação profissional e possam identificar: se desejam trabalhar com essa realidade; se positivo, que tipo de atuação terão no futuro e, principalmente; como podem contribuir com alguma perspectiva de mudança de paradigma. Tudo isso com o objetivo de diminuir ou evitar o desencantamento profissional futuro.

    Outras atividades muito produtivas e que aproximam a teoria da prática, são as simulações (audiências, sustentações orais e júris simulados, por exemplo), escritórios modelos, clinicas de Direitos Humanos, especialmente, as competições. Existem diversas competições nacionais e internacionais e em áreas diferentes do direito, das quais os alunos de graduação podem participar, tais como a Competição Brasileira de Direito e de Processo Penal, a Competição de Direito, Tecnologia e Arbitragem e a Competição Brasileira de Processo Civil, dentre outras. Nessas atividades os alunos têm oportunidade de desenvolver teses, peças práticas, oratória e se sentem estimulados pela proximidade com a atuação real, bem como pela competitividade que, nessas situações, funciona como catalisador para a criatividade e proporciona maior segurança na atuação profissional futura.

    Por fim, é importante destacar o papel relevante dos grupos de estudos e de palestras/semana jurídica e outros eventos, que permitem aos alunos estudarem temas complementares ao conteúdo programático do curso, atualizarem e trocarem seus conhecimentos dentro e fora da Universidade, bem como propiciam algo que, para atuação jurídica é fundamental, o estabelecimentode uma teia de contatos (o reconhecido “networking”).

    A educação jurídica demanda uma readequação e um aprimoramento em várias frentes para oferecer aos graduados maior chance de êxito no mercado de trabalho jurídico.

    Ao fim, as Instituições de Ensino Superior desempenham um papel essencial para assegurar uma formação robusta que possibilite ao graduado a entrada com mais segurança no mercado de trabalho e na construção de um ensino jurídico que atenda às demandas dos alunos, do mercado e da sociedade.

    [1] Proporcionalmente, há um advogado para 164 brasileiros residentes no país. Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/59992/brasil-tem-1-advogado-a-cada-164-habitantes-cfoab-se-preocupa-com-qualidade-dos-cursos-juridicos. Acesso em: I8/0I/24.

    [2] Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11059/1/td_2714.pdf, p. I2. Acesso em: I8/0I/24.

    [3] RESOLUÇÃO Nº 5, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2018. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: I8/0I/24.

    [4] Disponível em: . Acesso em: Acesso em: I8/0I/24.

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