segunda-feira, 1 julho, 2024
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    Perturbação entre órgãos intensifica e aponta desorganização institucional


    Os acontecimentos das últimas semanas envolvendo graves confrontos entre os órgãos da República aumentaram a percepção de desorganização institucional. Na controvérsia mais recente, na terça-feira (25), o Supremo Tribunal Federal (STF) avançou sobre a legislação nacional de combate às drogas ao decidir liberar o uso pessoal de maconha, estabelecendo até mesmo a quantidade máxima para distinguir usuário de traficante. A descriminalização desconsiderou normas vigentes e a tramitação no Congresso de proposta de emenda à Constituição (PEC) no sentido oposto, de proibição da substância entorpecente. O mais novo episódio do conhecido ativismo judiciário provocou a imediata reação do Legislativo para retomar a decisão sobre o tema e desconforto até mesmo entre os integrantes do STF.

    Ao votar com a maioria do plenário para decidir que não é crime o porte de maconha para uso próprio, o ministro Luiz Fux, do STF, expressou uma crítica recorrente na sociedade sobre o envolvimento da Corte em assuntos que, a princípio, “deveriam ser resolvidos na esfera política”, ou seja, no Congresso. O magistrado destacou não ser mais possível ignorar as críticas ao Judiciário por avançar sobre atribuições dos demais poderes.

    Ele mencionou “críticas em vozes mais ou menos claras e fortes de que o poder Judiciário estaria se ocupando de funções próprias dos canais de legítima expressão da vontade popular, reservadas apenas aos poderes integrados por representantes eleitos”, e afirmou: “Nós não somos juízes eleitos, o Brasil não tem governo de juízes”.

    Contrapondo a tese do ministro Dias Toffoli, segundo a qual, cada membro do STF teria a legitimidade de 100 milhões de eleitores, transferida pelo presidente da República, Fux também recordou que “em um estado democrático, a instância predominante é o Parlamento”. Dessa forma, entendeu o juiz, não caberia à Corte prestar contas ao eleitor. No entanto, a extrapolação de competências acabaria gerando desgaste e corroendo a confiabilidade dos tribunais.

    Ainda na terça-feira, o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), reiterou sua discordância sobre o julgamento que o STF estava conduzindo sobre a legislação das drogas. “A descriminalização só pode ocorrer por meio do processo legislativo e não por uma decisão judicial”, afirmou. A situação levou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a dar seguimento à tramitação da PEC das Drogas, com a formação de um colegiado especial para a sua discussão, com expectativa de ser votada ainda este ano.

    Na quarta-feira (26), o ministro Gilmar Mendes, do STF, contestou que a Corte estaria invadindo a competência do Congresso ao decidir descriminalizar o porte de maconha para consumo pessoal. “O que estamos analisando é apenas a constitucionalidade da lei. Não se trata de permitir que pessoas tenham antecedentes criminais por serem viciadas”, disse ele em Lisboa, onde participa do fórum jurídico organizado pela sua faculdade IDP. Para o ministro, o caso discute problema de saúde e “não uma liberação geral para lazer”.

    Conflito entre Legislativo e Judiciário é potencializado por atos do Executivo

    Esse impasse em torno da PEC das Drogas se junta a outros que conferem uma marca de instabilidade política e jurídica para o atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Desde a sua posse, o presidente se queixa da perda de poder para o Legislativo, que passou a controlar mais fatias do Orçamento da União e da pauta de votações. Em contrapartida, Lula tem recorrido ao Judiciário para intervir a seu favor. Dessa forma, o Judiciário tem anulado decisões do Legislativo, criando uma série de controvérsias que, mais uma vez, colocam em dúvida a harmonia entre os poderes. Segundo especialistas e políticos, tal cenário gera uma confusão entre o presidencialismo vigente com uma espécie de parlamentarismo.informal.

    Para complementar a confusão mais recente, Lula tentou não parecer a favor da decisão do STF sobre a liberação do consumo de substância entorpecente, embora essa seja uma bandeira dos partidos de esquerda. Em conversa com o UOL na quarta-feira (26), ele afirmou que o STF não é a instância apropriada para decidir sobre a descriminalização do transporte de maconha e de outros entorpecentes. Segundo ele, o assunto deveria ser tratado pelo Congresso, levando em consideração a opinião de médicos e especialistas.

     “Se um ministro da Suprema Corte me pedisse um conselho, eu diria: recuse essa sugestão. A Suprema Corte não deve se envolver em tudo. Não deve pegar qualquer assunto e ficar debatendo, pois isso pode gerar uma rivalidade prejudicial entre quem tem o poder: o Congresso ou a Suprema Corte”, declarou.

    Além desse episódio, o Poder Executivo tem enfrentado diversos conflitos com o próprio Poder Legislativo, destacando-se o impasse relacionado às desonerações previdenciárias da folha de salários de 17 setores e de milhares de prefeituras. O tema foi judicializado. Duas medidas provisórias elaboradas pelo Palácio do Planalto sobre o assunto foram parcial ou totalmente rejeitadas pelo Congresso, em uma situação inédita para um mesmo ano. Atualmente, o impasse persiste, desta vez envolvendo a busca por novas fontes de recursos para compensar a desoneração. O Senado indicou fontes de receita que o governo considera insuficientes.

    Missão do governo de realizar cortes de gastos pode terminar sob responsabilidade do Congresso

    Nesse mesmo contexto de ruídos institucionais e de sérias dificuldades do governo em efetuar um ajuste fiscal, Lula intensificou suas críticas ao presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Os embates com a autoridade monetária estão indiretamente ligados à recusa de Lula em implementar cortes de gastos necessários para equilibrar as contas públicas, o que também causa tensão no mercado.

    Segundo o cientista político Leonardo Barreto, da consultoria I3P, o resultado prático dessa recusa do Executivo em assegurar a previsibilidade da evolução de seus gastos e do patamar da dívida federal é a tendência de transferir essa responsabilidade, que é própria do Executivo, para o Congresso. “Assim, surge a questão crucial: será que o Congresso empoderado poderá assumir o papel do governo e propor redução nos gastos da máquina pública?”, questionou.

    Para Arthur Wittenberg, professor de Relações Governamentais e Políticas Públicas do Ibmec-DF, os confrontos entre os poderes tendem a provocar desordem institucional. A estratégia do presidente Lula de tentar aumentar os gastos e deixar para o Congresso o “fardo” de rejeitar suas investidas enfrenta a resistência da maioria dos parlamentares, que são de centro-direita e se opõem ideologicamente ao crescimento do Estado por meio do aumento de impostos para custear as despesas. “Ficou evidente nos últimos episódios que o presidente não pode entrar em conflito com o Congresso nem com o Judiciário em assuntos mais polêmicos, restando apenas confrontar o presidente do Banco Central”.

    Esse contexto se torna ainda mais complexo com a polarização e as redes sociais como pano de fundo, além do crescente protagonismo do Congresso. “A cada crise originada no Executivo, o Legislativo cria normas para modificar o equilíbrio de poderes, e isso tem se mantido. No entanto, Lula ainda não enfrentou uma crise, nesta gestão, que tenha alterado de forma significativa e estrutural essa relação”, observou Wittenberg.

    Em meio à crescente insegurança jurídica e política no país, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), avaliou os riscos de o país caminhar para uma completa desordem institucional, na qual “ninguém sabe quem manda em quê”.  Para ele, esse cenário complexo e tumultuado destaca desafios de governabilidade e a necessidade de clareza nas funções e responsabilidades dos três poderes, visando garantir a estabilidade e eficácia do sistema político brasileiro.

    “O que não se pode permitir é viver em uma situação híbrida como essa. A desorganização institucional é o que causa a dificuldade para o país avançar. Precisamos definir claramente quem somos. Somos presidencialistas? Então, que as regras do presidencialismo sejam respeitadas no país. Somos parlamentaristas? Então, vamos mudar o sistema”, afirmou Caiado à CNN, durante sua participação no 12º Fórum de Lisboa.

    Caiado atuou no Congresso por 24 anos, entre as décadas de 1990 e 2010, e apontou paralelos apenas entre a atual crise institucional e os períodos de impeachment dos presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff. “Falta diálogo, respeito ao cargo e disposição para convocar as pessoas a fim de construir um ponto de conciliação. Nenhum país prospera com esse nível de desorganização institucional”, acrescentou.

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