segunda-feira, 8 julho, 2024
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    Por que tão poucos demonstram interesse?

    Nos últimos meses, dois pregões de infraestrutura planejados pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tiveram de ser cancelados repentinamente por falta de pretendentes. Em agosto, foi um terminal portuário em Porto Alegre e, em novembro, a duplicação da BR-381, também conhecida como “rodovia da morte”, entre Belo Horizonte e Governador Valadares (MG).

    Ainda outros pregões, como dois lotes de estradas no Paraná em um total de 1.077 km, contaram com poucos concorrentes: a primeira concessão, em agosto, teve dois pretendentes; a segunda, apenas um. Na última quarta-feira (13), apenas um grupo participou do pregão de um terminal no Porto de Paranaguá – em três tentativas anteriores, ninguém havia demonstrado interesse.

    Dependendo do modelo de pregão, a baixa concorrência leva a uma menor arrecadação de recursos pelo Estado ou a tarifas mais altas cobradas do usuário dos serviços concedidos. Ou, nos casos extremos, nem uma coisa nem outra: a obra simplesmente não sai.

    Por que o investidor desapareceu? Especialistas consultados elencam várias razões:

    • defasagem de projetos e tabelas orçamentárias;
    • insegurança jurídica, com frequentes mudanças de regras e interpretações do Judiciário;
    • taxa de juros que desencoraja o investimento;
    • incremento dos juros lá fora e a escassez de recursos de investidores estrangeiros; e
    • as dificuldades enfrentadas pelas principais construtoras do país após o escândalo de corrupção revelado pela Lava Jato.

    A realidade é bem diferente do que se via há mais de dez anos, quando os pregões de concessão de ativos de infraestrutura atraíam mais pretendentes. Oito grupos disputaram, em janeiro de 2012, o trecho capixaba da BR-101. Em novembro de 2013, sete disputaram o trecho mato-grossense da BR-163. No mês seguinte, houve seis concorrentes na licitação da BR-163, em Mato Grosso do Sul, e oito na disputa pela BR-040, entre o Distrito Federal e Minas Gerais.

    Na época, o Brasil vinha de um forte crescimento econômico, lembra a sócia-diretora da área de infraestrutura da KPMG, Tatiana Gruenbaum. Entre 2003 e 2012, o PIB acumulou crescimento de 45,6%. Depois, de 2013 a 2022, o avanço foi de apenas 5,3%, segundo o IBGE. Nesse período, o país atravessou uma forte recessão, do fim de 2014 a 2016, e ainda o impacto da pandemia da Covid-19.

    O investimento em infraestrutura caiu abruptamente, apontam números da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib). O pico, registrado em 2014, foi de R$ 227,2 bilhões em valores atualizados, na soma de setor público e iniciativa privada. Em 2020, o valor despencou para R$ 149,7 bilhões em 2020. A partir de então, houve uma recuperação, com perspectiva de desembolsos de R$ 213,4 bilhões agora em 2023.

    Apesar da recuperação dos últimos anos, o investimento está aquém do necessário. Para o Banco Mundial, economias de países emergentes e de crescimento rápido tendem a gastar entre 5% e 7% em infraestrutura. O Brasil tem investido entre 1,5% e 2% do PIB.

    Projetos brasileiros estão desatualizados

    A sócia da KPMG aponta que há uma dificuldade para atrair players para investir em infraestrutura no Brasil. Uma das razões é a forma como os projetos de infraestrutura foram estruturados.

    “A maioria dos projetos que estão para pregão foi estruturada com tabelas orçamentárias de 2018/2019. Nós tivemos um hiato de quase três, quatro anos sem pregões, após o período Dilma [Rousseff]. Quando os pregões recomeçaram, eles vieram com o custo de capital e insumos com valores desatualizados”, diz ela.

    Com a pandemia, houve uma considerável alta no valor dos insumos e dos serviços da construção civil. Segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), a alta acumulada desde dezembro de 2019 foi de 51,8%. No mesmo período, a inflação oficial, medida pelo IPCA, foi de 26,6%.

    Segundo Gruenbaum, ao analisar os pregões recentes, observa-se que eles foram elaborados em uma outra realidade, o que torna o negócio pouco atraente, seja para um investidor nacional ou estrangeiro.

    O governo prevê, no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), cerca de R$ 1,4 trilhão em investimentos em infraestrutura até 2026.

    Mas a sócia da KPMG prevê dificuldades para o país cumprir o seu pipeline (conjunto) de projetos se eles não forem revisitados, ou mesmo reduzidos. “Os players locais poderiam ter mais interesse em um pipeline com projetos de pequeno e médio porte que acabariam diminuindo o risco do projeto e do investimento. Isso poderia ser mais atrativo”, diz.

    Insegurança jurídica é um grande gargalo para a infraestrutura

    Outro complicador para quem quer investir em infraestrutura no Brasil é a insegurança jurídica, apontam os especialistas ouvidos.

    “O investidor estrangeiro normalmente busca um ambiente econômico e político estável. Ele busca previsibilidade. Atualmente, estamos tendo frequentes mudanças regulatórias e incertezas políticas que acabam desencorajando o investimento de longo prazo”, destaca a sócia da KPMG.

    Segundo Alexandre Aroeira Salles, sócio e advogado especializado em infraestrutura do escritório Aroeira Salles, há um somatório de desacertos praticados pelo Estado nos últimos anos. “O país não consegue fazer escolhas políticas e jurídicas que entreguem segurança ao setor privado.”

    São, por exemplo, mudanças em regras, jurisprudência e politização das agências reguladoras, que foram criadas justamente para afastar concessões e eventuais privatizações de influências político-partidárias.

    Um desses problemas ocorreu durante o governo Dilma Rousseff (PT). De um lado, nas concessões rodoviárias, optou-se por uma estratégia de limitar o preço dos pedágios. De outro, também se limitou a taxa interna de retorno (TIR), ou seja, a rentabilidade do projeto para o investidor. “Foi um desserviço muito grande, pois afetou o aspecto econômico-financeiro e criou um contencioso enorme”, diz o especialista da Aroeira Salles.

    A possibilidade de retroceder em regras já estabelecidas também pode afugentar interessados. “Isso deixa os potenciais investidores ainda mais ressabiados”, diz Rafael Souza, pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV Ceri).

    Um questionamento comum é quando há necessidade de haver reequilíbrios contratuais. Os especialistas em infraestrutura apontam que é difícil haver um consenso nas conversas iniciais e a questão acaba se desdobrando em pleitos, arbitragens e processos judiciais que, muitas vezes, demoram e têm custo muito elevado.

    “As empresas têm medo de entrar em um projeto em que tenham de pedir reequilíbrio de contrato ou que tenham de renegociar alguma coisa, porque é muito difícil hoje em dia renegociar um contrato de concessão”, diz Virgínia Mesquita, advogada especializada em infraestrutura da Demarest.

    Ela lembra que os projetos de investimento são intensivos em capital. Uma demora para assegurar o reequilíbrio econômico-financeiro pode significar a “morte” do projeto, com obras paradas.

    Questões macroeconômicas, como os juros, são importantes

    Questões macroeconômicas também afetam a vida dos investidores nacionais e estrangeiros. Um dos principais problemas é a elevada taxa de juros brasileira. “Em um cenário com maior potencial de risco, isto acaba sendo mais uma fonte de desestímulo para os investimentos”, destaca Salles.

    O investidor está de olho especialmente na taxa de juro de longo prazo. “É uma questão bem complicada no Brasil, onde há muita insegurança.” Outro fator é que historicamente as taxas são elevadas.

    “As taxas impactam a entrada do investidor. Ele vai preferir investir em um título público a alocar seus recursos em infraestrutura, que oferecem uma taxa interna de retorno que oscila entre 8% e 10% ao ano”, menciona Mesquita.

    Cenário global também influencia nos investimentos em infraestrutura

    O cenário está mais restritivo para investimentos devido à alta inflação global, que fez algumas das maiores economias aumentarem suas taxas de juros. “Por si só, o investidor brasileiro não tem capacidade de fazer os investimentos necessários. Não há dinheiro sobrando e é preciso direcionar o olhar para os recursos externos”, comenta Salles.

    A disponibilidade de capital estrangeiro para o Brasil está diminuindo. Segundo o Banco Central (BC), de janeiro a outubro, entraram US$ 44,9 bilhões em recursos estrangeiros para o setor produtivo, 40% menos que no mesmo período do ano passado.

    Nesse cenário de recursos mais escassos, há a concorrência com países do Oriente Médio, como a Arábia Saudita, que estão investindo fortemente em infraestrutura. “As empresas estrangeiras acabam olhando para onde há um ambiente mais seguro e de menor burocracia”, enfatiza o especialista do Aroeira Salles.

    Operação Lava Jato impactou setor de engenharia pesada

    Outra dificuldade veio com a Lava Jato, o escândalo de corrupção que envolveu Petrobras, grandes construtoras e o PT. A consequência para o segmento de engenharia pesada foi que muitas empresas ficaram com a liquidez comprometida, foram diluídas ou então desapareceram do mercado.

    “Afetou muito mais as empresas do que os empresários envolvidos em irregularidades. Comprometeu de maneira muito assustadora o setor de engenharia pesada”, comenta Mesquita, da Demarest.

    Especialistas ouvidos apontam que permaneceram no mercado as empresas de menor porte e as intermediárias, que, por si só, não conseguem assumir obras de alta complexidade. Elas precisam atuar por meio de consórcios ou operar em conjunto para atender às necessidades.

    A advogada lembra que as empresas do setor não têm interesse em projetos muito grandes, então, o governo precisa ter uma sensibilidade de, muitas vezes, dividir alguns projetos. “Fica complicado colocar projetos de extensões massivas.”

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