domingo, 7 julho, 2024
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    Qual a relação entre a banda Weezer e as histórias em quadrinhos independentes dos anos 1990?


    Por que cada vez menos fãs se importavam com os super-heróis e supervilões da DC Comics e da Marvel Comics nos anos 1990? Como os jovens encontraram uma identidade própria após a Geração Coca-Cola dos anos 1980? De que forma as mudanças geopolíticas e a projeção apocalíptica da virada do século impactaram o cenário cultural da década de 90? E o que Weezer, mangás e as histórias em quadrinhos independentes e alternativas têm a ver com tudo isso e a “salvação” do mercado editorial nessa época?

    Acredito que minha própria vivência com esse período, analisada ao longo dos anos, pode dar respostas a todas essas questões, pois consigo reunir contextos, eventos, fatos e lembranças afetivas em um resumo do espírito daquela época.

    Se pegasse a fita cassete favorita que eu ouvia no walkman indo para a escola no início dos anos 1990, veria uma mistura de estilos e várias bandas, que, no final das contas, não me definia com precisão. Tinha de tudo: The Cure, Brujeria, Extreme Noise Terror, Husker Dü, Sepultura, Metálica, Cólera, Bad Religion, NOFX, Rage Against the Machine, entre outros. Isso mudou completamente em 1993, quando completei 15 anos no início do Ensino Fundamental em Londrina.

    Foi quando ouvi o Blue Album do Weezer, um CD estrangeiro que um amigo meu trouxe dos Estados Unidos: “acho que você vai gostar, me lembrou muito de você”. Foi ali que percebi que, pela primeira vez, uma banda resumia o que eu sentia, a melodia trazia a melancolia e o romantismo que entendi anos depois. E, mais importante, aquilo tudo se conectava com tudo que eu tinha consumido desde criança.

    Fim da Guerra Fria

    O final dos anos 1980 trouxe diversas mudanças geopolíticas, sociais, culturais e comportamentais em todo o mundo. Os Estados Unidos e a União Soviética deixavam de ser os protagonistas dos conflitos internacionais e os países asiáticos, impulsionados pela tecnologia, passavam a ter mais destaque global. O Muro de Berlim deixou de existir, assim como várias referências e polaridades.

    A sensação era de uma transição para uma era repleta de inovações na ciência, com a ideia de que teríamos carros voadores nos anos 2000, em meio a novas pesquisas e descobertas sobre genética, como clonagem de animais. Os computadores já estavam mais avançados; e muito se falava sobre a estreia de uma rede mundial de comunicação que poderia revolucionar o mundo e as relações interpessoais.

    Por outro lado, a economia via o capitalismo tomando uma forma mais ampla, sorrateira e agressiva, por meio dos grandes conglomerados. A figura do executivo da Bolsa de Valores aos poucos dava lugar aos engenheiros e gênios da computação, que viam a ansiedade e a paranóia da população escalar a níveis absurdos com a possibilidade do “Fim do Mundo”,o “Bug do Milênio” nas máquinas que não poderiam lidar com a mudança de um calendário que voltaria ao “dia zero” , entre outras coisas.

    Os jovens adultos da virada da década de 1980 começavam uma nova etapa de descoberta da vida justamente em um mundo que muitos temiam “acabar” na virada do século. Sem as referências e polaridades que ditaram o comportamento e as convenções sociais nas duas décadas anteriores, os jovens adultos diziam que a geração dos anos 1990 seria “ainda mais perdida” do que a passada — vale destacar que o acesso a múltiplas perspectivas sobre um determinado assunto era algo difícil de obter facilmente, pois a internet só chegaria no final dessa fase.

    Havia uma atmosfera de êxtase pelas inovações, assim como o temor pelas previsões. O medo das guerras mais silenciosas e agressivas abastecidas por novas tecnologias aumentava a sensaçãode incerteza e dilema, em uma sociedade desintegrada à beira de um possível colapso na virada do século XX.

    Declínio dos super-heróis

    No mercado principal de quadrinhos, havia uma grande crise de originalidade. Os elementos saturados da Era de Prata já não sustentavam mais aqueles personagens que surgiram entre as décadas de 1930 e 1970. As mudanças estavam vindo de publicações mais autorais, sombrias, violentas, cruas e realistas, como Batman: O Cavaleiro das Trevas, Watchmen, V de Vingança, Monstro do Pântano e Sandman.

    Os super-heróis estavam em nítida decadência, com histórias que davam muito mais valor aos corpos sexualizados, páginas duplas cheias de explosão e roteiros com poucos textos e conexão com os leitores. Havia muitas mortes e eventos “chocantes” que vinham embalados como algo mais cerebral e próximo dos temas da época.

    A verdade é que os autores da Marvel Comics e da DC Comics não sabiam mais o que fazer além de matar ou transformar radicalmente seus principais ícones, sem uma boa e verdadeira razão para isso. As “inovações” vinham já com um odor de continuidade retroativa mal-elaborada e plot twists completamente previsíveis e enfadonhos, mas seduziam os leitores pelo visual explosivo e sempre extremo — chegou a fazer sucesso e vender bastante, a exemplo de títulos dos X-Men e da X-Force.

    Mas a coisa toda andava tão mal das pernas que a própria Marvel decretou falência em meados dos anos 1990, obrigando a empresa a negociar suas principais propriedades com estúdios de cinema — daí vieram os infames contratos vitalícios da Fox com os X-Men e o Quarteto Fantástico, por exemplo.

    A luz da esperança deixava de vir dos poderes divinos de um alienígena de Krypton para vir do Sol Nascente e das comédias dramáticas “pé no chão” de revistas com tramas melancólicas e quase autobiográficas, sem superpoder nenhum, do mercado independente de quadrinhos, do cinema alternativo e das bandas nerd de garagem.

    Independentes, geeks e o espírito dos anos 1990

    Observe esses trechos da letra de In The Garage, faixa do Blue Album do Weezer lançada em 1992.

    “Ie conduta, que não se satisfazia em ser enquadrada em apenas um ou outro nicho.

    A música da banda Weezer também estava em sintonia com os quadrinhos de Adrian Tomine e outros destaques das editoras de HQs independentes Fantagraphics e Drawn & Quarterly, que também possuíam essa atmosfera melodramática e existencialista dos corredores escolares. 

    Proibido no Shopping, filme dirigido por Kevin Smith, destacava ainda mais essa crescente comunidade com a inclusão da música Suzanne do Weezer na conclusão de uma história que era uma declaração de amor aos dramas escolares de John Hughes, como Garotas e Garotos, Clube dos Cinco e Curtindo a Vida Loucamente — todos filmes que cresci assistindo nos VHS pirateados e na Sessão da Tarde.

    O desejo de ser contestador, romper com as convenções sociais e o status quo que insistiam em ditar nossas regras no início dos anos 1990, foi, então, crescendo como um tsunami: veio por meio das HQs de Jamie Hewlett e Alan Martin, que se tornaram um estandarte para o movimento riot grrrl e mais tarde viria a ser a primeira banda cartunesca, o Gorillaz.

    A rebeldia e a vontade de desafiar o tédio voltou com o Nirvana e a cultura alternativa de Seattle representada no filme Reality Bites, e também podia ser vista nos trabalhos de Charles Burns, a exemplo de Black Hole, que já se conectava com os trabalhos do cineasta David Cronenberg.

    Para completar, a mistura de música eletrônica com hip hop, jazz e rock, com artistas como Radiohead, Portishead, Massive Attack, Tricky, entre outros, dialogava com Twin Peaks e outros trabalhos de David Lynch, assim como com os quadrinhos de Daniel Clowes.

    Ou seja, tudo que nossos pais e irmãos mais velhos costumavam separar em cada cantinho do prato, a gente uniu tudo em uma salada só. Fizemos questão de provar que “estar perdido”, na verdade, representava a vontade de unir todas as facetas dos novos jovens dos anos 1990, com uma assinatura própria.

    Ascensão dos independentes e dos mangás

    A união de diferentes estilos era algo que a cultura ainda estava experimentando nos anos 1990, e como a internet ainda estava engatinhando, era muito mais difícil ter pessoas comentando, criticando, compartilhando trabalhos e opiniões. E, nesse cenário, bandas e filmes “nerd”, como Weezer e O Balconista e Proibido no Shopping, ajudaram a estabelecer uma comunidade de pessoas que nem sabiam que existiam tantas pessoas com tantas referências e preferências em comum.

    Essa galera percebeu que as pessoas que assistiram a Star Wars também curtiram os dramédias adolescentes de John Hughes e as esquisitices de David Lynch e David Cronenberg; e os mesmos caras e gurias também cresceram ouvindo Nick Cave, Nick Drake, Husker Dü, Pixies e outras bandas consideradas fora do circuito comercial; e são também os que começaram a ler quadrinhos diferentes da grande oferta no mercado convencional.

    Isso abriu espaço para obras como Estranhos no Paraíso, de Terry Moore, assim como o trabalho que influenciou a série “gente como a gente”: Love and Rockets, dos Irmãos Hernandez. A saga épica de bichinhos doces e carismáticos de Jeff Smith, Bone, também agradou a todos, assim como a enxurrada de trabalhos autobiográficos e new-new-journalism das editoras independentes Drawn & Quarterly e Fantagraphics, a exemplo e Retalhos (Blankets), de Craig Thompson, e de Palestina, de Joe Sacco, respectivamente.

    Ao mesmo tempo, os norte-americanosComeçaram a compreender mais profundamente o que os quadrinhos japoneses podem oferecer: no País do Sol Nascente, existem centenas de estilos de HQs, pois as editoras atendem a todos os segmentos. Além das opções tradicionais de aventura e ação com samurais e robôs, é possível encontrar histórias em quadrinhos sobre idosos que praticam golfe, a vida noturna de acompanhantes em bares ou até mesmo sobre viagens culinárias exóticas. É difícil um leitor não se identificar em algum lugar da prateleira de mangás.

    De meados dos anos 1990 até os primeiros anos de 2000, já observávamos o fruto dessa diversidade, com filmes como Pulp Fiction – Tempos de Violência, dirigido por Quentin Tarantino; Matrix, das irmãs Wachowski; o álbum Ok Computer, do Radiohead; e a Liga Extraordinária de Alan Moore e Kevin O’Neil oferecendo um jogo de tabuleiro e um disco de vinil para enriquecer a experiência de leitura dos volumes que reuniram os principais personagens da literatura do século XIX.

    Após a popularização da internet, tornou-se mais simples alinhar os públicos e os estilos de acordo com as preferências e comunidades de fãs. Além disso, os segmentos se fragmentaram em subsegmentos e a situação como um todo se tornou mais complexa, diversificada e abrangente. Entretanto, não se pode negar que a interação estabelecida entre o rock alternativo com os quadrinhos autorais e filmes independentes contribuiu para conectar milhares de pessoas interessantes e originais em um mundo onde Suzanne do Weezer tem tudo a ver com Barrados no Shopping de Kevin Smith e os desenhos de Adrian Tomine — algo impensável nas décadas anteriores.

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