sexta-feira, 28 junho, 2024
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    Registro mercantil do produtor rural é necessário para a recuperação judicial?

    Registro empresarial do agricultor é necessário para o processo de recuperação financeira?


    Opinião

    Antes da Lei 14.112/2020, o pedido de recuperação financeira de um agricultor pessoa física baseado em dívidas vinculadas à sua atividade dependia, em grande parte, de decisões judiciais, com posição unânime do STJ.

    No julgamento de outubro de 2022, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Repetitivo nº 1.905.573 – MT, definiu que o agricultor que exerça sua atividade de maneira empresarial por mais de dois anos pode requerer a recuperação financeira, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido, independentemente do tempo de registro.

    Portanto, a Corte estabeleceu que, para que um agricultor (pessoa física) solicitasse a recuperação financeira, deveria, antes do protocolo da petição inicial, formalizar o registro de um CNPJ, para atender à interpretação de um status empresarial.

    Mesmo que não houvesse nenhuma dívida no referido CNPJ, constituído na maioria dos casos apenas para instrumentalizar o pedido de recuperação financeira, é obrigatório criar a mencionada “empresa”.

    Interpretação de benefícios e obrigações
    Essa interpretação se deu, entre outros motivos, pelo fato de que a inscrição do agricultor na Junta Comercial, ao invés de “transformá-lo” em empresário, sujeita-o ao regime empresarial, trazendo uma série de benefícios e ônus previstos no artigo 968 do CC/2002.

    Provavelmente, considerou-se que, devido à especificação da Lei 11.101/05, em seu artigo 1º, de que seus destinatários eram exclusivamente empresários e empresas em dificuldades financeiras, o registro empresarial do produtor rural era necessário para que, sob a condição de “empresário”, nos moldes do artigo 967 do Código Civil, propusesse sua recuperação financeira.

    Portanto, mesmo que não seja obrigado a ter uma pessoa jurídica para operar diariamente, o agricultor se vê compelido a fazê-lo, exclusivamente para apresentar um pedido de recuperação financeira e, por outros documentos, comprovar o exercício da atividade pelo biênio estabelecido no artigo 48, caput, da LFR.

    Dispositivos adicionados
    Com a Lei 14.112/2020, foram inseridos dispositivos relevantes na Lei 11.101/2005, especialmente para permitir que o agricultor, de forma positiva, requeira sua recuperação financeira.

    Em relação ao mencionado artigo 48, foram adicionadas duas disposições sobre devedores da área agropecuária: a pessoa jurídica e, de forma direta, a pessoa física.

    O parágrafo 3º, do artigo 48, define os meios de comprovação do biênio legal para empresas rurais. Já o parágrafo 4º, do mesmo dispositivo, estipula que a comprovação do período estabelecido no caput deste artigo, o cálculo do período de exercício de atividade rural por pessoa física é feito com base no LCDPR, registros contábeis que venham a substituí-lo, e pela declaração de IRPF, além da documentação do artigo 51, da LFR.

    Para fins de esclarecimento, é importante transcrever o dispositivo legal:

    “Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:
    (…)

    § 2º. No caso de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir a ECF, entregue tempestivamente.

    § 3º. Para a comprovação do prazo estabelecido no caput deste

    Em relação ao cálculo do período de exercício de atividade rural por indivíduo, ele é feito com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que possam substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente.”

    Não obstante, o Estatuto da Terra, em seu artigo 4º, VI, define:

    “Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:

    (…)

    VI – ‘Empresa Rural’ é o empreendimento de pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que explore economicamente e racionalmente imóvel rural, dentro das condições de rendimento econômico da região em que se situe e que aproveite a área mínima agricultável do imóvel segundo padrões fixados, públicos e prévios, pelo Poder Executivo. Para esse fim, equiparam-se às áreas cultivadas, as pastagens, as matas naturais e artificiais e as áreas ocupadas com benfeitorias;:

    Assim, a própria legislação já contém a expressão “pessoa física” e a documentação correspondente, diferenciando-a completamente da interpretação da pessoa jurídica, especialmente quando se trata da mesma área de atuação.

    Previsão relacionada à pessoa física
    Essa interpretação leva à compreensão de que a exigência do STJ, de que o trabalhador rural pessoa física deveria formalizar seu registro mercantil para requerer a recuperação judicial, pode não se mostrar necessária, uma vez que a própria mudança legislativa traz claramente a previsão da pessoa física, bem como sua documentação.

    Acredita-se que essa lacuna reforça, de forma jurídica, a criação anteriormente estabelecida de que a única pessoa física passível de propor uma recuperação judicial é o homem do campo.

    Não obstante, a exigência do registro mercantil para o trabalhador rural propenso a ser recuperado, na prática, sempre se mostrou confusa e burocrática, a começar pela modalidade empresarial.

    Modalidades de empresa
    Não há, em nenhum julgado consultado pelos redatores deste artigo, a descrição sobre qual forma de “empresa” o trabalhador rural deve constituir para que proponha uma recuperação judicial. Portanto, parte-se da premissa que, sendo uma empresário individual, sociedade unipessoal, MEI, sociedade limitada, ou outra que não proibida para um único sócio, é plenamente possível.

    As dificuldades burocráticas e despesas para a criação do CNPJ em si também são consideráveis. Ao menos, são três órgãos públicos que necessitam dar o aval para o início da atividade: Prefeitura, Junta Comercial e Receita Federal, cada qual com suas taxas — sem contar os honorários do contador.

    Após sua constituição, como ocorre na maioria esmagadora dos trabalhadores que entram em recuperação judicial, estes não utilizam o CNPJ em suas operações, criando mais obstáculos, a exemplo de possível baixa do registro empresarial por ausência de declarações fiscais, podendo ensejar até penalidades pecuniárias e/ou procedimentos administrativos.

    Suspeitas de fraude
    Com o CPF vinculado a um CNPJ, há casos em que credores e/ou órgãos públicos, não atentos ao direito da insolvência, desconfiam da criação de uma “empresa” às vésperas de uma recuperação judicial, numa hipotética fraude empresarial.

    Toda a documentação estabelecida nos artigos 48 e 51, da Lei 11.101/05, que acompanha o pedido inicial, é relativa ao CPF, bem como todos os documentos elaborados e entregues ao administrador judicial e ao Juízo, no curso do feito recuperacional, também são relativos à pessoa física, e não ao CNPJ recém criado.

    Por sua vez, o Enunciado 202, da III Jornada de Direito Civil, prevê que, formalizando o registro empresarial na Junta Comercial, o trabalhador rural estará submetido ao regime empresarial.

    Mas, no caso em questão, a própria Lei 14.112/2020 já esclareceu perfeitamente que a recuperação judicial pode ser pleiteada por pessoa física, basta apresentar os documentos previstos no artigo 48, § 3º, e 51, adequados ao caso.

    CPF também é válido
    Não é demais reforçar que toda a documentação do artigo 48, § 3º, se refere a operações realizadas pela pessoa física, bem como o STJ já reconheceu que todo o passivo constituído no CPF é submetido à recuperação judicial, enfatizando que a criação de um CNPJ pode ser dispensada.

    Até a consolidação jurisprudencial, o STJ isentava a inscrição mercantil do trabalhador rural pelo biênio exigido na Lei 11.101/05. Só que, com a mudança legal, compreende-se que a própria inscrição se mostra desnecessária.

    Assim, salvo melhor juízo, é compreensível que o prévio registro mercantil, como requisito para pedido de recuperação judicial por trabalhador rural, se tornou desnecessário, diante da expressa previsão do artigo 48, § 3º, da lei 14.112/2020, uma vez que trouxe o regramento direcionado ao devedor rural pessoa física, desobrigando-o a promover o registro mercantil.

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