segunda-feira, 8 julho, 2024
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    Significado de eliminação em massa de seres humanos conforme a Convenção da ONU em 1948


    De acordo com Hungria, extermínio (do latim genus, raça, povo, nação, e excidium, destruição, ruína) “é a denominação adotada, sugerida pelo internacionalista Lemkin, para caracterizar a mais terrível forma que a vastidão da maldade humana já assumiu: o planejado e persistente óbito em grande quantidade de indivíduos, por razões relacionadas à sua nacionalidade, raça, religião ou crença política”. [1]

    Ainda que a origem do delito de exterminação tenha sido historicamente debatida, somente em 1948, após o período pós-Segunda Guerra Mundial e do Holocausto, no qual o regime nazista alemão exterminou de forma sistemática mais de 6 milhões de judeus, é que a Assembleia Geral da ONU, por meio da Convenção sobre Prevenção e Punição do Delito de Extermínio, buscou definir o crime.

    Conforme o artigo II da Convenção, eliminação em massa de seres humanos engloba qualquer uma das ações praticadas com o propósito de dizimar, parcial ou totalmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso:

    a) assassinar membros do grupo;
    b) causar graves danos físicos ou mentais a membros do grupo;
    c) submeter intencionalmente o grupo a condições de vida destinadas a ocasionar sua extinção física, parcial ou total;
    d) implementação de medidas com o intuito de impedir o nascimento de crianças dentro do grupo;
    e) transferência coercitiva de crianças pertencentes ao grupo para outro grupo.

    O Brasil ratificou o acordo em 15 de abril de 1952, sendo esta ação formalizada por meio do Decreto nº 30.822, de 6/5/1952. Posteriormente, em 1/10/1956, a Lei nº 2.889 foi promulgada para definir e punir o delito de genocídio.

    No que tange à proteção jurídica tutelada, embora haja divergência na doutrina, alguns consideram o crime como contra a humanidade, sendo que o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu em favor da “Defesa penal da existência do grupo racial, étnico, nacional ou religioso, ao qual pertence a pessoa ou pessoas diretamente prejudicadas. Delito de natureza coletiva ou transindivíduo. Crime contra a diversidade humana como tal” (RE 351487, Relator: Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 03/8/2006).

    Extermínio de tutsis em Ruanda, nos anos 1990.

    A apresentação do elemento subjetivo (mens rea) do genocídio está presente no caput do dispositivo quando se menciona: “intentar destruir, em parte ou totalmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso como tal”.

    Fragoso alega que: “o crime sempre demanda dolo”. “Não existe genocídio culposo. Exige não apenas a intenção deliberada de assassinar, mas também, especificamente, o propósito de aniquilar, parcial ou totalmente, o grupo como um todo. O que caracteriza o genocídio é exatamente esse aspecto subjetivo da ilicitude (dolo específico).” [3]

    Israel vs Hamas
    No contexto do conflito atual que ocorre na Faixa de Gaza, entre Israel e o Hamas, desencadeado após o ataque terrorista em 7 de outubro de 2023 em Israel, que resultou em 1.200 mortes e no sequestro de 250 pessoas, e atualmente com mais de 25 mil vítimas em Gaza (conforme dados do Ministério da Saúde de Gaza), a África do Sul acionou a Corte Internacional de Justiça (CIJ), sediada em Haia, contra Israel pelo delito de genocídio.

    No documento de 84 páginas, o país africano alega que “as ações e omissões de Israel […] possuem caráter genocida, pois foram perpetradas com a intenção específica […] de exterminar os palestinos em Gaza”. A iniciativa da África do Sul recebeu respaldo do Brasil.

    Diferentemente do Tribunal Penal Internacional (TPI), responsável por julgar indivíduos que atuaram ou não em nome de um Estado, aTribunal Internacional de Justiça, estabelecida em 1945, formada por 15 magistrados, cada um de uma nação, possui autoridade para deliberar sobre nações.

    Não há dúvida de que o ocorrido em 7 de outubro de 2023 foi repugnante, sendo considerado o mais grave atentado terrorista contra Israel e o povo judeu desde o incomensurável Holocausto perpetrado pelo nazismo.

    Por outro prisma, é necessário criticar veementemente as ações conduzidas pelo primeiro ministro de Israel da ala direitista Benjamin Netanyahu que excedeu os limites de uma resposta proporcional e que tem ocasionado sofrimento incontável ao povo palestino.

    Claramente não se trata de equiparar as dores de um lado com as do outro, como afirmou Shakespeare, todos são capazes de enfrentar a dor, exceto quem a vive, trata-se de reconhecer que na guerra não existem vencedores e as maiores vítimas são os civis inocentes de ambos os lados.

    Por fim, apesar das muitas opiniões em contrário, diante de tudo o que foi exposto acima, especialmente em relação ao aspecto subjetivo do crime de genocídio, conclui-se que, por mais terrível que esteja sendo o que se passa em Gaza, não há a intenção (mens rea) — intenção direta e específica — por parte de Israel de visar o aniquilamento ou extermínio do povo palestino.

    Salienta-se, ainda, que Israel não foi considerado culpado pelo crime de genocídio uma vez que o processo em andamento na CIJ está em curso e ainda não houve veredito.

    É fato que termos como o holocausto, escravidão, fascismo, genocídio não devem ser trivializados em prol de um discurso emocional e, muitas vezes, populista.

     

    ______________________________

    [1] HUNGRIA, Nelson. Observações sobre o código penal. Volume VI, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 363.

    [2] HUNGRIA menciona como exemplos “o massacre de São Bartolomeu, na França, a dizimação dos Aztecas e Incas pelas hordas de Cortez e de Pizarro, a matança de Peles Vermelhas pelos pioneiros americanos e carnificina de anabalistas…” (ob. cit., p. 363). Para FRAGOSO, “o crime de genocídio surgiu com as atrocidades inomináveis praticadas pelos nazistas, durante a Segunda Guerra, particularmente contra os judeus, submetido a sistemático extermínio”.

    [3] Originalmente publicado na Revista de Direito Penal. N.9/10. P.27 et. seq., jan/jun 1973. www.fragoso.com.br/eng/arq_pdf/heleno_artigos/arquivo59.pdf

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