domingo, 7 julho, 2024
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    Violação ilegal em investigações criminais


    No sistema de justiça criminal do Brasil, a obtenção de provas é crucial para a formação da decisão judicial, ou seja, para a formação da convicção do julgador. Diversos meios de prova são aceitos, sendo regulados pelo Código de Processo Penal e outras normas, com o intuito de garantir a legitimidade nos procedimentos policiais e processos judiciais.

    Vale ressaltar que, na diversidade de meios de prova, incluem-se desde testemunhas e perícias técnicas até documentos e interrogatórios. A produção probatória deve respeitar os princípios da legalidade, da indispensabilidade e da confiabilidade, assegurando direitos fundamentais e evitando a obtenção de provas ilícitas.

    Outro ponto crucial a ser destacado, é a observância da cadeia de custódia da prova, inserida no artigo 158-A [1] do Código de Processo Penal brasileiro, que segundo o professor Geraldo Prado [2]consiste em método por meio do qual se pretende preservar a integridade do elemento probatório e assegurar sua autenticidade. A violação da cadeia de custódia implica na impossibilidade de valoração da prova, configurando seu exame — de verificação da cadeia de custódia — um dos objetos do juízo de admissibilidade do meio de prova ou do meio de obtenção de prova, conforme o caso. As consequências jurídicas da quebra da cadeia de custódia não se submetem a juízo de peso probatório, sequer de relevância da prova”.

    Frente a esse cenário, desafios como a introdução de tecnologias e a complexidade de casos atuais, demandam constante atualização e debate na doutrina e jurisprudência para assegurar a eficácia e a justiça nos processos penais.

    Através do Código de Processo Penal brasileiro, existem restrições ao princípio da liberdade dos meios de prova, como, por exemplo, o artigo 155 em seu parágrafo único, que protege a observação das exigências e formalidades previstas na legislação civil para a prova quanto ao estado das pessoas.

    Os direitos fundamentais do cidadão brasileiro, consagrados na Constituição de 1988, refletem valores essenciais para a construção de uma sociedade justa e democrática. Dentre esses direitos, destaca-se o direito à intimidade, uma garantia implícita que se torna cada vez mais crucial diante do avanço tecnológico e das mudanças sociais.

    No contexto digital atual, a intimidade ganha ainda mais relevância, principalmente porque a coleta em massa de dados pode afetar negativamente a autonomia e a liberdade dos cidadãos.

    O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), baseado no princípio da neutralidade da rede, se destaca como uma legislação que busca proteger a intimidade dos usuários online. Através dessa lei, são estabelecidas regras para a coleta, armazenamento e compartilhamento de dados, garantindo que a intimidade seja preservada no ambiente digital.

    No entanto, o equilíbrio entre a necessidade de segurança e o respeito à intimidade é um desafio. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Lei nº 13.709/2018, representa um avanço nesse sentido, regulamentando o tratamento de dados pessoais por empresas públicas e privadas.

    123RF

    A jurisprudência brasileira tem reforçado a importância da intimidade como direito fundamental. Decisões do Supremo Tribunal Federal têm reiterado a necessidade de se proteger a intimidade, destacando-a como um dos pilares da dignidade humana.

    Intimidade é um direito à condição humana
    Em resumo, o direito à intimidade não apenas é inerente à condição humana, mas também é uma salvaguarda essencial em um mundo cada vez mais conectado. A compreensão e proteção desse direito são vitais para o desenvolvimento de uma sociedade que respeita a individualidade e osfundamentais de seus habitantes.

    No entanto, a chegada da tecnologia trouxe consigo novos desafios e oportunidades para a comunidade, especialmente no âmbito das investigações criminais. Uma prática emergente, conhecida como “hackeamento válido”, refere-se ao uso de técnicas de invasão digital por parte das autoridades, com o objetivo de coletar provas/informações, em casos de interesse comunitário.

    Apesar de ainda não existir uma previsão legal desse hackeamento realizado pelo Estado, hoje, temos a tramitação do PL nº 4939/2020 na Câmara dos Deputados, que prevê, em seu artigo 9º, a utilização da invasão remota para fins de investigações criminais.

    A previsão contida no PL, especificamente, no que se refere à invasão remota, encontra-se da seguinte forma:

    “Art. 9º Constituem meios de obtenção da prova digital, na forma da Lei:

     I – a busca e apreensão de dispositivos eletrônicos, sistemas informáticos ou quaisquer outros meios de armazenamento de informação eletrônica, e o tratamento de seu conteúdo.

    II – a coleta remota, oculta ou não, de dados em repouso acessados à distância.

    III – a interceptação telemática de dados em transmissão.

    IV – a coleta por acesso forçado de sistema informático ou de redes de dados.

    V – o tratamento de dados disponibilizados em fontes abertas, independentemente de autorização judicial.”

    O Projeto de Lei nº 4939/2020 trata das diretrizes do direito da tecnologia da informação e das normas de obtenção e admissibilidade de provas digitais na investigação e no processo, além de outras providências [3].

    No que concerne à forma de armazenamento dos dados sensíveis, colhidos através da invasão remota, o PL prevê, em seu artigo 24 e seguintes, que esses ficarão em autos apartados, e, posteriormente, inutilizados. Resta saber qual tipo de tecnologia seria utilizada para a segurança das informações. Blockchain talvez seja uma das opções, contudo, acreditamos que não há uma certeza sobre essa afirmação.

    Importante destacar que a utilização desse tipo de instrumento invasivo em algumas democracias europeias já é uma realidade, como por exemplo, na Itália, que prevê no artigo 267 do seu Código de Processo Penal o uso de “captadores informáticos” como meio de se produzir prova.

    Assim como na Itália, a Espanha se utiliza de “software de vigilância”, previsto no artigo 588 do Código de Processo Penal. Além desses exemplos, temos os Estados Unidos, Uruguai e outras democracias que avançam nesse sentido, inserindo a tecnologia no contexto de instrumento “investigativo”, com o objetivo de se alcançar informações, impossíveis de serem colhidas com métodos tradicionais. No entanto, todos os exemplos citados necessitam de autorização judicial para aplicação dos dispositivos de obtenção de provas.

    O hackeamento [i]lícito nas investigações criminais brasileiras tem se tornado uma prática cada vez mais presente e obscura, impulsionada pelo avanço tecnológico e a complexidade dos crimes virtuais (ou não). Esta abordagem, que envolve a invasão controlada de sistemas para colheita de “evidências/informações”, busca fazer frente aos desafios impostos pela criminalidade digital.

    Hackeamento contém controvérsias
    A prática do hackeamento íntegro aplicado pelo Estado, no Brasil, é única e exclusivamente baseada na necessidade de resposta eficaz às ameaças cibernéticas, muitas das vezes desafiadoras para os métodos tradicionais de investigação. Contudo, essa prática não está isenta de controvérsias legais, éticas, especialmente no que se refere à preservação da privacidade e aos potenciais abusos por parte das autoridades.

    A utilização do programa chamado “Bruno Espião” é um exemplo preocupante, quando aplicado de forma obscura.O mencionado sistema, comumente utilizado para “espionagem” de celulares de terceiros, transforma-se em uma “ferramenta” ilegal nas mãos daqueles que vivem em um ambiente de investigação desenfreada, onde há a compreensão equivocada de que tudo é permitido em nome da busca pela elucidação de crimes.

    Basta possuir um aparelho celular desbloqueado para instalar o sistema e iniciar um monitoramento remoto sem autorização. Imagine a dispensabilidade de ter o aparelho “alvo” em mãos? A vulnerabilidade dos dados sensíveis é enorme e pode causar danos na vida de qualquer cidadão.

    A proteção do direito ao sigilo de dados é inicialmente apresentada pela Constituição Federal brasileira de 1988, no artigo 5º, incisos X e XII. Além disso, há a abordagem da privacidade e do direito à intimidade, garantias constitucionais previstas no artigo 5º, X, da CF/88.

    André Ramos Tavares (2020) expõe o direito do titular em autorizar a divulgação ou não de seus dados, manifestações e referências individuais; e, ainda, caso opte por autorizar a divulgação, pode ainda delimitar de forma expressa como, quando, onde e a quem seus dados, informações e/ou qualquer manifestação individual serão vinculados.

    O autor ainda aborda a importância da LGPD como um marco significativo na legislação brasileira, estabelecendo normas para o tratamento de dados pessoais por organizações públicas e privadas. Inspirada em regulamentações internacionais, como o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) da União Europeia, a LGPD visa assegurar a privacidade e a proteção dos direitos dos titulares dos dados.

    A implementação da LGPD demanda uma mudança cultural e organizacional, conforme apontado por Souza (2022). Empresas e instituições devem adotar medidas técnicas e administrativas para garantir a conformidade com a legislação, evitando sanções e promovendo uma cultura de respeito à privacidade.

    Ao considerar a LGPD, é crucial destacar seu papel na promoção da segurança jurídica e no fortalecimento da confiança nas relações digitais. Essa legislação representa um avanço significativo no contexto da proteção de dados no Brasil, alinhando o país aos padrões internacionais e reforçando a importância da privacidade como um direito fundamental.

    A aplicação da LGPD ao “hackeamento” legal ou estatal, nas investigações criminais, traz um cenário complexo. A utilização de técnicas de invasão controlada para obtenção de evidências precisa ser cuidadosamente avaliada à luz dos princípios da LGPD.

    Portanto, é de extrema importância conciliar a necessidade de combater o crime com o respeito aos direitos individuais, garantindo que as práticas de “hackeamento” pelo Estado estejam em conformidade com as normas de proteção de dados.

    O desafio de encontrar um equilíbrio ético e jurídico entre a LGPD e as demandas por investigação é fundamental, considerando ainda a jurisprudência nacional e a interpretação da lei pelos tribunais.

    A pesquisa e a reflexão sobre essa interseção entre a LGPD e o “hackeamento” legal são cruciais para desenvolver práticas que sejam eficientes na resolução de crimes, mas que também respeitem os direitos fundamentais dos cidadãos.

    Desafios do cenário digital na Justiça
    A privacidade é considerada um direito fundamental que deve ser preservado no contexto penal. No entanto, o cenário digital apresenta desafios particulares à privacidade, especialmente quando se discute o “hackeamento” legal como uma ferramenta a ser utilizada nas investigações criminais.

    O sistema penal brasileiro é regido por princípios que buscam garantir o respeito aos direitos fundamentais do indivíduo, mesmo no contexto de obtenção de provas em processos judiciais. O devido processo legal,Estabelecido na Constituição, um desses princípios garante que ninguém pode ser privado de sua liberdade sem o devido processo.

    No entanto, a obtenção de evidências no sistema penal enfrenta desafios éticos e jurídicos. O princípio da legalidade determina que a evidência obtida de forma ilícita deve ser descartada. É nesse contexto que surge a necessidade de respeitar os direitos individuais, como a inviolabilidade do domicílio e a presunção de inocência.

    O Código de Processo Penal brasileiro define as regras para adquirir evidências e protege os direitos dos acusados. O contraditório e a ampla defesa são garantias que buscam equilibrar o poder estatal na obtenção de provas e oferecer ao acusado a oportunidade de contestar a validade e a legalidade dessas evidências.

    Fazendo menção direta à temática em estudo, é impossível não abordar a interceptação telefônica, regulada pela Lei 9.296/96 e prevista no artigo 5º, inciso XII, da Constituição, como um exemplo de medida que, embora permitida em circunstâncias específicas e mediante autorização judicial, deve obedecer a critérios rigorosos para proteger a privacidade do indivíduo.

    A rapidez com que crimes cibernéticos ocorrem e se desenvolvem é um ponto a ser destacado, principalmente ao constatar que métodos tradicionais de investigação podem ser insuficientes diante da agilidade dos criminosos digitais. Nesse contexto, a ciberintrusão legal pode ser uma alternativa para antecipar e prevenir atividades ilícitas, contribuindo para a segurança cibernética. No entanto, destacamos o maior dos problemas: Qual o limite da soberania do Estado na busca por evidências criminais?

    Entretanto, observa-se que mesmo entre os defensores da ciberintrusão legal, há consciência da importância de estabelecer limites claros e critérios rigorosos para sua aplicação. O respeito à privacidade, a obtenção de autorização judicial prévia e a transparência nas práticas investigativas são princípios que muitos autores a favor da ciberintrusão legal destacam como indispensáveis para garantir o equilíbrio entre eficácia e respeito aos direitos individuais.

    Por fim, deixo a reflexão sobre a necessidade do estudo aprofundado e discussões sobre o tema, visto que se trata de um instrumento relevante e, ao que parece, caminha para um crivo legislativo em breve espaço de tempo.

     

    [1]

    [2]

    [3]

    [4] TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

    [5] SOUZA, J. G. S; BELDA, F. R.; ARIMA, C. H. Análise de aplicação da LGPD numa instituição pública de ensino: Um estudo de caso. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1856-1872, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587. DOI:

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