segunda-feira, 1 julho, 2024
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    Violência doméstica e guarda compartilhada — Lei nº 14.713/23

    tiveram que lutar por seus direitos —, é inegável que a guarda compartilhada se afigura como a forma mais efetiva de garantir o pleno desenvolvimento da criança e do adolescente.

    Portanto, nesse contexto de evolução das relações familiares, a guarda compartilhada se apresenta como a modalidade que melhor atende aos interesses da prole, sendo essencial para assegurar o convívio equitativo dos filhos com ambos os genitores, mesmo após a separação do casal.

    dividiram de forma mais equitativa o papel doméstico e profissional —, tem-se que a regra é bem aceita e deve ser cada vez mais promovida.

    Pode-se afirmar que, após a implementação das Leis nº 11.698/08 e 13.058/14, a exceção à guarda compartilhada se dava apenas quando “um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda da criança ou do adolescente” (artigo 1.584, § 2º, do CC) ou quando um dos genitores for incapaz para o exercício da autoridade parental (jurisprudência do STJ).

    Além disso, a jurisprudência já tinha entendimento pacífico no sentido de que, nem mesmo a existência de conflitos moderados e a falta de diálogo entre os genitores seriam suficientes para afastar a guarda compartilhada.

    A respeito da falta de concordância entre genitores, a legislação civilista previa expressamente que, mesmo quando não houvesse acordo entre os genitores quanto à guarda, a regra do compartilhamento seria aplicada ao caso concreto (artigo 1.584, § 2º, do CC).

    Não há dúvidas, então, que escopo sempre foi viabilizar a continuidade da dupla participação dos genitores na vida dos filhos de pais divorciados.

    Por outro lado, a prática mostra que, ao fixar-se a guarda unilateral, de modo que as decisões sejam tomadas unilateralmente por um só genitor, o outro é naturalmente afastado do convívio pleno com a prole, e pior, obsta ao próprio filho o exercício amplo de sua condição familiar. Por tal motivo, a exceção não é a modalidade desejada.

    Nova legislação. Lei nº 14.713/23
    Apesar do que foi mencionado até aqui, foi editada a recentíssima Lei nº 14.713/23, que vem de forma excessiva interferindo na modalidade de guarda e, consequentemente, no sistema de cuidado dos filhos, nas situações em que houver indícios de violência doméstica.

    É que a referida lei modificou o § 2º, do artigo 1.584, do CC para prever que a guarda será unilateral quando “houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar”.

    A legislação em comento também alterou o Código de Processo Civil ao incluir, em seu artigo 699-A, que “nas ações de guarda, antes de iniciada a audiência de mediação e conciliação de que trata o art. 695 deste código, o juiz indagará às partes e ao Ministério Público se há risco de violência doméstica ou familiar, fixando o prazo de 05 (cinco) dias para apresentação de prova ou de indícios pertinentes”.

    Primeiramente, não há dúvidas de que a Lei Maria da Penha, como instrumento de combate à violência doméstica é indispensável, sobretudo em um país que possui indiscutível histórico de violência contra a mulher.

    A relevância e indispensabilidade da legislação protetiva não se discute. Nesse sentido, valendo-nos das palavras de Santo Agostinho, “no essencial unidade”. Ou seja, no essencial, tem-se que as políticas de prevenção à violência doméstica não estão em debate. Tais políticas não podem, mas devem existir e pronto. Isso é pacífico e não está sujeito a achismos de quem quer que seja.

    Por outro lado, e jamais contradizendo a validade das políticas protetivas à mulher, tem-se que a alteração legislativa advinda da Lei nº 14.713/23 deve ser vista com cuidado e, sobretudo, com os olhares voltados ao melhor interesse da criança e do adolescente.

    Nota-se que a novidade prevista no § 2º, do artigo 1.584, do CC ao dispor que a guarda será unilateral quando “houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar” não explorou e individualizou, adequadamente, o seu alcance ou a sua aplicabilidade.

    É que não se pode extrair objetivamente da novidade legal quem seria a vítima ou potencial vítima da violência doméstica que excepcionaria a regra da guarda compartilhada. A lei não deixa claro se a vítima seria a mãe (a mulher é o sujeito protegido pela Lei Maria da Penha) ou a criança (sujeito do capitulo modificado pela Lei nº 14.713/23).

    Mudandomiúdos, se houver sinais de violência no ambiente doméstico contra a mãe, isso seria o bastante para afastar a regra geral da guarda conjunta? Ou essa violência, capaz de levar à guarda exclusiva, precisa ter como vítima os filhos?

    Seria preciso separar o papel de parceiro/cônjuge do papel de pai para restringir seu amplo convívio com os filhos estabelecendo a guarda unilateral?

    Propomos, para responder a essas perguntas, duas premissas.

    A primeira premissa já foi apresentada na introdução deste ensaio e diz respeito à conclusão de que a guarda compartilhada é um direito da prole, visando o melhor interesse da criança e do adolescente. Ou seja, não é um direito do genitor, mas sim do filho. E, como direito da prole, os conflitos do relacionamento conjugal não devem afetar a decisão sobre a guarda.

    A segunda premissa aborda a necessidade de diferenciar claramente a vida de casal da vida parental, que não devem se confundir quando se trata do melhor interesse dos filhos.

    Assim, se a violência doméstica contra a mulher – e não contra os filhos – for motivo para descartar a guarda compartilhada, estaríamos diante de uma contradição entre um parceiro/ marido ruim e um bom pai. Os comportamentos do homem em ambos os papéis devem ser diferenciados!

    Aliás, voltando um pouco na história brasileira, já tivemos uma situação em que, por questões ligadas ao relacionamento conjugal, um dos genitores foi afastado da guarda dos filhos, como era o caso de infidelidade (o cônjuge “culpado” perdia a guarda dos filhos – artigo 326 do CC/16). Foi justamente após essa situação que perdurou até a década de 1990, que se percebeu a necessidade, assim como defendemos neste trabalho, de reconhecer que a mulher ou o homem poderiam não ser bons cônjuges de acordo com os padrões da época, mas poderiam ser excelentes pais, de modo que esta última qualidade é a que deve influenciar na decisão sobre a modalidade de guarda. Foi justamente desse histórico que surgiu a distinção entre família conjugal e família parental.

    Por isso, acreditamos que é necessário, ao avaliar os efeitos da violência doméstica na família, distinguir as agressões à mãe das agressões aos filhos.

    É crucial analisar e distinguir se o homem é um bom ou péssimo marido (na vida conjugal) e se é um bom ou péssimo pai (na vida parental e na decisão sobre a guarda).

    Devemos pensar de forma ampla para evitar o uso indevido da lei protetiva como forma de vingança, o que traria prejuízos severos para os filhos.

    Além disso, a Lei Nº 14.713/23 alterou o Código Civil no capítulo que trata da guarda dos filhos, porém não modificou a Lei Maria da Penha, que aborda a violência contra a mulher.

    Assim, consideramos que a violência doméstica descrita no § 2º do artigo 1.584 do CC, suficiente para afastar a regra da guarda compartilhada, deve ter como vítima ou potencial vítima a criança ou adolescente, e não a mulher.

    É importante ressaltar que a restrição do convívio entre pai e filho por meio da guarda unilateral é uma medida extrema e deve ser adotada somente em casos excepcionais, pois, como mencionado anteriormente, há inúmeras situações de uso indevido da Lei Maria da Penha como forma de vingança.

    Destaca-se que a jurisprudência brasileira, mesmo antes da promulgação da legislação em questão, já reconhecia, em conformidade com o melhor interesse dos filhos e diferenciando a vida conjugal da vida parental, que “a existência de medida protetiva contra um dos genitores, sem outros elementos que demonstrem um comportamento inadequado no exercício do poder familiar, não é motivo para impor restrições ao regime de guarda e visitação do filho menor”. [4].

    O que nos preocupa na situação mencionada é que, se a interpretação da Lei 14.713/23 considerar que a mulher é a vítima da violência doméstica capaz de afastar a regra da guarda compartilhada, não haverá nenhuma ação de guarda sem um pedido de medida protetiva.

    É crucial analisar a hipótese de maneira pragmática e considerar as estratégias processuais inadequadas que têm sido utilizadas. Infelizmente, as medidas protetivas são frequentemente manipuladas para finalidades diversas do seu propósito real, que é proteger mulheres em situação de risco e vulnerabilidade.

    Além disso, é importante considerar o impacto negativo que esta norma, se aplicada sem o devido cuidado, por parte do intérprete, poderá causar, através da criação de medidas protetivas artificiais, no contexto das amplamente debatidas práticas de alienação parental.

    Em conclusão, não há dúvidas de que, nos termos do artigo 1.584, § 2ª, do CC, a vítima da violência doméstica que afasta a regra da guarda compartilhada deve ser a criança ou o adolescente, nunca a mulher.

    Dessa forma, o princípio norteador da aplicação da inovação legislativa que excepcionou a regra da guarda compartilhada deve sempre ser o interesse superior da criança e do adolescente. Portanto, ao aplicar o artigo 1.584, § 2º, deve-se evitar confundir conjugalidade com parentalidade.

    [1] Sem negligenciar os deveres que compõem a esfera do poder familiar, a expressão “guarda de filhos” no contexto do art. 1.583 pode abarcar tanto a guarda unilateral quanto a compartilhada, em conformidade com o princípio do melhor interesse da criança.

    [2] Enunciado nº 101. A expressão “melhores condições” na execução da guarda, nos termos do art. 1.584, significa promover o interesse superior da criança.

    [3] LEÃES, Luciano Sabino. A guarda compartilhada e o interesse superior da criança diante da diversidade de residências. Universidade de Brasília – DF, 2022.

    [4] TJ-MG – Agravo de Instrumento nº 1.0000.21.154155-2/001, Rel. Des. Jair Varão, 3ª CC, 28/01/2022.

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