sexta-feira, 5 julho, 2024
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    A defesa deve ser ouvida


    “Para aqueles que persistem em desconsiderar a importância social e a dignidade de nossa missão, e tanto nos menosprezam quanto nos empenhamos, com redobrada paixão, na proteção dos odiados, apenas lhes peço que ponderem, superem a cegueira dos preconceitos e reconheçam que o verdadeiro cliente do advogado criminal é a liberdade humana, inclusive a deles, que não nos compreendem e nos hostilizam; se um dia desafortunado precisarem de nós, para se libertarem das armadilhas do destino.” (Antonio de Morais Filho. Advogado Criminal: esse Desconhecido, RT, ano 3, n. 9, janeiro-março, 1995, p. 107)

     

    O artigo começa com uma citação de Antonio de Morais Filho, um dos maiores, se não o maior advogado criminal que tive a honra de conhecer e conviver. Homem tímido, afável e muito discreto no dia a dia. Evaristo em sua vida pessoal era um; em sua vida profissional era outro. Bastava assumir uma defesa ou subir à tribuna e um furacão tomava conta dele por completo.

    Dessa forma, também em minha vida pessoal, e em algumas ocasiões da minha vida profissional, recordo aqui o advogado Luís Roberto Barroso, um dos mais talentosos de minha geração. Nos aproximamos em 1980 devido à política institucional na Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Rio de Janeiro e, a partir de então, até os tempos atuais, a amizade persiste. Sua mudança para residir em Brasília e, posteriormente, sua nomeação como ministro do Supremo Tribunal Federal nos distanciou um pouco, mas a amizade e o afeto mútuo permanecem e foram, ao longo do tempo, estendidos às nossas famílias. A vida nos ensinou a separar o criminalista do ministro Luís Roberto Barroso, juiz dos mais rígidos em questões pertinentes ao ramo do Direito Penal, como é amplamente conhecido. Isso faz parte do jogo do sistema judicial. Ele compreende essa ciência de maneira completamente oposta à minha. A vida segue seu curso.

    No entanto, diferente do que muitos imaginam, ele tem grande estima pelos criminalistas a ponto de já ter mencionado em diversas ocasiões e para públicos diferentes o que foi dito anteriormente. E faz questão de repetir, como um mantra, que os penalistas existem para combater de forma eficaz as arbitrariedades direcionadas contra seus clientes, visando preservar os seus direitos e as suas garantias constitucionais e que, se um dia precisar dos serviços de um desses profissionais, não hesitará em buscar um entre os que considera ser o melhor para defendê-lo ou aos seus.

    Caso Cesare Battisti
    Sem qualquer experiência nas lides criminais – nunca pisara em uma delegacia de polícia, quiçá em uma penitenciária – notabilizou-se, com êxitos nacional e internacionalmente reconhecidos, quando aceitou defender o italiano Cesare Battisti. Assim, pela primeira vez sentiu o “cheiro da cadeia”, tão bem descrito por Leonardo Isaac Yarochewsky, sendo certo que Barroso jamais o esquecerá, por ser um odor incomparável. Triunfante no processo de Battisti, não sabia como proceder, pragmaticamente, para libertá-lo. Foi quando, nessa ocasião, já tarde da noite, me ligou para que explicasse o passo a passo. Battisti foi libertado e, se o conheço bem, foi comemorar sua brilhante vitória conquistada no Pleno do STF, como todo bom criminalista costuma fazer.

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    Como se observa, Evaristo e Barroso eram pessoas distintas não só na idade, mas tinham a mesma virtude: o amor pelas liberdades públicas.

    “Tempus veritatis”
    Diferentemente do que foi descrito acima, a Ordem dos Advogados do Brasil viu-se compelida a protocolar na última sexta-feira (9/2), no Supremo Tribunal Federal, petição para derrubar a proibição de comunicação entre advogados que consta na decisão sobre a operação “tempus veritatis”, da lavra do ministro Alexandre de Moraes – advogados não investigados. A medida fez-se necessária para assegurar as prerrogativas dos advogados; estes não podem, tampouco devem ser proibidos de interagir,

    muito menos ser confundidos com atos em tese praticados por seus clientes, destacou o presidente Beto Simonetti.

    São três pesos para uma única medida.

    Simonetti, com toda razão, ressalta “que a ‘Casa da Advocacia’, a maior entidade civil do país, seguirá ao lado da legalidade, da Constituição e dos direitos e garantias individuais. Além disso, reiteramos a integral confiança no sistema eleitoral brasileiro, na Justiça Eleitoral e no modelo eletrônico de votação adotado em nosso país, reconhecido internacionalmente como eficiente e confiável”.

    A ministra Daniela Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça, respalda o expressado por Simonetti: “[c]onfundir o advogado (criminalista) com o seu cliente é uma postura que distorce a visão”, tendo cassado uma decisão, em outra oportunidade, que proibia que o advogado de um cidadão exercesse a advocacia criminal.

    “O Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), [o mais longevo instituto de Direito de todas as américas], […] manifestou [por meio de ofício subscrito por seu presidente Sydney Sanches] grande preocupação e discordância em relação às restrições impostas à atuação dos advogados na decisão proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, que deflagrou pela Polícia Federal a Operação Tempus Veritatis, com quatro mandados de prisão e 48 medidas cautelares, que visa a apurar a materialidade dos tipos penais de tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito e tentativa de golpe de Estado.”

    E prossegue: “[a] decisão do ministro Alexandre de Moraes importa em violação às prerrogativas da advocacia ao determinar que os investigados estejam submetidos à medida cautelar de “proibição de manter contato com os demais investigados, inclusive através de advogados” [não presos, tampouco investigados, repita-se], acarretando medida que afeta a atuação dos advogados constituídos para suas respectivas defesas, como também finda por identificar, lamentavelmente, o patrono como um agente que atua fora dos limites legais. Impedir advogados de interagirem ou se comunicarem prejudica o direito de defesa e impede a eleição de sua melhor estratégia. Ademais, a decisão fere a inviolabilidade dos atos e manifestações da advocacia e a garantia do sigilo de comunicação entre cliente e advogado.”

    Por fim, mas não por último, explica que os “advogados desempenham um papel crucial na representação dos interesses de seus clientes e no funcionamento adequado à administração da justiça, conforme determina o artigo 133 da Constituição Federal, e qualquer restrição à advocacia, além de violar a Lei 8.906/94 (EOAB), macula o direito de defesa, impede à independência profissional, a liberdade de atuação e a representação justa e eficaz, com a consequente mitigação da prestação jurisdicional e prejuízo à obtenção um julgamento justo decorrente do devido processo legal. Prerrogativas não são privilégios, mas instrumentos fundamentais para garantir que o jurisdicionado e a sociedade sejam adequadamente defendidos. (…)” Julgamento justo decorrente do devido processo legal. Prerrogativas não são privilégios, mas instrumentos fundamentais para garantir que o jurisdicionado e a sociedade sejam adequadamente defendidos. (…)”

    “O [Instituto de Defesa do Direito de Defesa] IDDD manifesta sua contrariedade a esse entendimento, já que medidas cautelares impostas a investigados não podem atingir seus advogados, limitando a atuação profissional e impondo verdadeira censura aos temas que seriam passíveis de abordagem pelos defensores durante a elaboração e execução da estratégia de defesa. Advogados não podem ser submetidos, direta ou indiretamente, a medidas cautelares impostas a clientes seus que estejam sendo investigados. O ordenamento jurídico não autoriza esse tipo de extrapolação.”

    “É direito do advogado [complementa o IDDD] comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, sendo indevassávelO conteúdo dessa comunicação é sobre a liberdade dos advogados em se comunicarem para discutir assuntos relacionados ao exercício da defesa de seus clientes, sem que haja possibilidade de monitoramento dessas conversas. Por outro lado, a imposição de medidas cautelares pressupõe que serão obedecidas. Dessa forma, se fosse necessário fiscalizar o cumprimento dessas medidas, seria inevitável bisbilhotar as conversas entre advogados e entre clientes e advogados, o que é inaceitável em um ambiente democrático que valoriza a importância da advocacia para a administração da justiça, conforme estabelecido no artigo 133 da Constituição Federal do Brasil. Mesmo que o crime sendo investigado seja grave, nada pode justificar a violação do direito de defesa através de restrições ilegais à prática da advocacia.

    A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo (OAB-SP) declara que discorda da limitação imposta e tomará medidas para que a decisão seja revista, garantindo que a prática da advocacia, um direito consagrado não apenas para os advogados, mas para todos os cidadãos, seja respeitada. É fundamental ressaltar que os advogados não estão sendo investigados e estão exercendo uma função essencial para a justiça, devendo ser respeitados em seu papel. A advocacia desempenha um papel crucial na defesa das garantias individuais e na manutenção do equilíbrio entre os poderes, sendo essencial para a efetividade do sistema jurídico.

    A Sociedade dos Advogados Criminais do Rio de Janeiro (Sacerj), representada pelo presidente João Carlos Castellar, em conjunto com o Conselho Consultivo e os associados, alia-se às demais instituições representativas da advocacia que discordam de parte da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, que, em caráter monocrático, afetará toda a advocacia e poderá, no futuro, estender-se a todos os advogados que atuem em casos que envolvam a participação de agentes, algo comum na prática forense. Destacam que tal decisão vai contra o estado democrático de direito e o Estatuto da OAB.

    A Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim), reconhecendo a importância do procedimento e do tema discutido na petição 12.100/DF, e que tem repercussão nacional, solicitou o ingresso no processo, como assistente ou terceira interessada, para atuar na defesa e nos interesses de uma parcela significativa da advocacia criminal nacional. Essa solicitação foi feita pessoalmente pelo procurador-geral nacional adjunto, doutor Victor Quintiere, e também foi redigida por ele em conjunto com o procurador-geral nacional, doutor Márcio Berti, e pelo presidente nacional, James Walker Jr.

    Por sua vez, a Associação Brasileira dos Advogados Criminais (Abracrim) reforça que as prerrogativas da advocacia criminal brasileira devem ser respeitadas. É crucial preservar o respeito a essas prerrogativas, visando garantir o objetivo fundamental da profissão: promover a cidadania, defender o estado democrático de direito e auxiliar a justiça. Além disso, é importante ressaltar que as medidas cautelares devem ser aplicadas apenas às pessoas investigadas (quando houver suspeita de cometimento de crime e risco à liberdade), o que não se aplica aos advogados, profissionais que não estão sendo alvos de investigação.

    O grupo Criminalista, liderado por André Callegari, com Lenio Streck como patrono e composto por cerca de 400 advogados, surpreendido com a situação, elaborou cartazes com as seguintes mensagens: “a comunicação entre advogados não pode ser proibida, uma vez que eles não estão sob investigação. Além disso, existe o direito pleno de exercer a advocacia, incluindo a livre comunicação entre cliente e advogados”, destacando que “a comunicação entre advogados é essencial”.

    E para endossar as críticas ao ministro Alexandre de Moraes, convoca-se o ministro aposentado Eros Grau (HC 95.009-4/SP): “quando a Constituição prevalece sobre todo o ordenamento jurídico, ninguém pode criar uma norma individual inconstitucional. Portanto, ao produzir uma decisão – especialmente quando se trata de restrição de direitos – é dever do magistrado refletir sobre sua inconstitucionalidade”. Como se vê, foi exatamente isso que o ministro Alexandre de Moraes deixou de fazer: cumprir a Constituição e as leis vigentes.

    Para encerrar, citando Evaristo de Moraes Filho, é triste o país em que o advogado tem que ser um herói para exercer sua profissão.

    Nada mais precisa ser dito. É oportuno reler o clássico “A Defesa tem a Palavra”, do ministro Evandro Lins e Silva. Ele fala em nome do país.

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