terça-feira, 2 julho, 2024
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    A prisão cautelar para além das formalidades do procedimento penal


    Assim como em qualquer resolução judicial, ao determinar a prisão cautelar, o juiz também precisa estudar e respeitar os princípios e as garantias constitucionais do investigado/acusado. Todos os atos realizados durante a investigação criminal e no transcorrer do procedimento penal devem estar de acordo com a Constituição, preservando a hierarquia normativa.

    Nesse aspecto, as garantias constitucionais buscam prevenir e proteger o indivíduo de decisões arbitrárias, estabelecendo limites para determinadas ações do poder judiciário brasileiro e estabelecendo barreiras para preservar os direitos fundamentais.

    Desta maneira, Giacomolli enfatiza que a prisão antes da decisão final de uma sentença penal condenatória é a última opção, ou seja, a regra é o recolhimento ao cárcere somente após a decisão final, sendo a exceção a prisão provisória.

    Portanto, no que diz respeito à prisão cautelar, torna-se crucial a observância do princípio da provisoriedade, ou seja, a medida cautelar somente será adequada quando o caso penal e as situações processuais exigirem o encarceramento provisório do investigado/acusado. Nesse sentido, assim que desaparecem os requisitos — indícios do crime — e fundamentos — perigo para a liberdade —, a medida deve cessar imediatamente, pois a não observância da provisionalidade provoca uma prisão cautelar ilegal.

    No entanto, diante do novo texto do artigo 315 do CPP e da ADPF nº 347 do Supremo Tribunal Federal, a decisão que decreta uma prisão preventiva não pode se limitar apenas às formalidades do procedimento penal. Pelo contrário, deverá ser devidamente fundamentada de acordo com o entendimento do STF no julgamento da ADPF nº 347, analisando e ponderando também as condições materiais.

    A partir do julgamento da ADPF 347, o STF reconheceu a situação inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro, destacando uma violação massiva e generalizada dos direitos fundamentais da população carcerária.

    Portanto, a análise da prisão cautelar não pode se limitar à avaliação formal. É crucial que o juiz examine as condições materiais da unidade prisional em que o preso será encaminhado, sob pena de expedir uma ordem judicial baseada apenas nas formalidades legais, mas em desacordo com os direitos fundamentais assegurados ao preso.

    No contexto brasileiro, pouco importa se as prisões possuem vagas para recolher provisoriamente o investigado/acusado, tampouco se a unidade dispõe de condições para assegurar minimamente a integridade física e psicológica do preso, já que os decretos prisionais são limitados aos aspectos e formalidades processuais, bastando uma ordem de encarceramento.

    Entretanto, compreende-se que a decisão judicial que decreta uma prisão cautelar deve ser exaustivamente fundamentada não apenas com base nas condições formais da prisão cautelar, nos requisitos e fundamentos, mas principalmente nas condições materiais, ou seja, a casa prisional precisa garantir a dignidade da pessoa presa, caso contrário, à prisão, embora formalmente legal, será materialmente ilegal.

    Salienta-se que essa análise se faz necessária porque o Estado como garantidor, deve assegurar aos presos todos os direitos não atingidos pela privação provisória da liberdade. Portanto, a legalidade da prisão provisória não se dá apenas pelas formalidades processuais.

    Portanto, considerando o entendimento do STF no julgamento da ADPF nº 347, que reconheceu a situação inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro, entende-se que a decisão que decreta uma prisão preventiva deve demonstrar de forma fundamentada que a medida cautelar pessoal — prisão cautelar — será cumprida em conformidade com os direitos fundamentais do preso, garantindo condições materiais ao indivíduo.

    Nesse ponto, importante destacar que a decisãodo Supremo Tribunal Federal em sede de arguição de descumprimento de preceito fundamental possui efeito para todos, vinculando tanto o poder legislativo quanto o poder judiciário, ou seja, os juízes e tribunais precisam observar e respeitar a interpretação constitucional dada à norma.

    Assim, considerando que a maioria das medidas cautelares da ADPF nº 347 do STF foi direcionada ao Poder Judiciário, a ADPF merece ser levada em conta no momento em que uma prisão preventiva é decretada, especialmente quando alegada a ausência de condição material nos pedidos defensivos de liberdade — liberdade provisória e/ou revogação de prisão preventiva.

    Esse enfrentamento é necessário devido ao novo texto do artigo 315 do CPP, pois o parágrafo 2º do referido artigo indica claramente as circunstâncias em que a decisão não será considerada fundamentada e, consequentemente, será nula — por exemplo, quando a decisão deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem indicar a aplicabilidade ou não ao caso concreto (artigo 315, §2º, VI, do CPP).

    Em resumo, conclui-se que uma vez apontado o entendimento do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF nº 347 na peça defensiva, ou até mesmo na manifestação ministerial, comprovando que a unidade prisional não dispõe de vagas suficientes e condições adequadas para custódia cautelar do investigado/acusado, o Poder Judiciário/magistrado precisa obrigatoriamente fundamentar a decisão, demonstrando que, além das condições formais conforme hipóteses do CPP para decretação da prisão preventiva, o juízo também precisa justificar a presença das condições materiais. Caso contrário, a decisão será considerada carente de fundamentação, sendo nula e, consequentemente, a prisão preventiva ilegal.

     

    Referências

    GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal: abordagem conforme a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014.

    LOPES JR., Aury. Prisões Cautelares. 5. ed.- São Paulo: Saraiva, 2017.

    OLIVEIRA, Rodrigo Moraes de. “Exequibilidade humanitária do encarceramento como condição (material) de sua possibilidade.” Revista de Estudos Criminais 20.80 (2021): 213-245.

    GIACOMOLLI, Felipe; GIACOMOLLI, Nereu José. “A prisão preventiva em face da lei 13.964/2019”. Pacote Anticrime: Reformas Processuais – Reflexões Críticas à luz da Lei 13.964/2019, organizado por Rodrigo Oliveira de Camargo e Yuri Feliz (2023): 321-337

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