sexta-feira, 5 julho, 2024
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    A relevância da base das conclusões numa jurisdição constitucional



    Análise

    Recentemente, redigi um texto sobre a abrangência da ADI 6.096: “ADI 6.096 e o prazo decadencial: o que sobrou do artigo 24 da Lei 13.846/2019?” [1] O que defendido no momento: no mencionado julgamento, o Supremo Tribunal Federal utilizou a anulação parcial sem redução de texto para excluir uma das situações de aplicação do artigo 103 da Lei 8.213/1991. Explicando de outra forma, a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade do artigo 24 da Lei 13.846/2019 apenas para os casos de recusa, cancelamento ou término do benefício.

    Conforme observado, a Lei 9.868/1999, no parágrafo único do artigo 28, ao determinar o efeito vinculante às determinações resultantes do controle abstrato de constitucionalidade, igualou a declaração de inconstitucionalidade stricto sensu à declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto e, inclusive, à interpretação de acordo com a Constituição.

    Para exemplificar. As primeiras decisões aplicando a interpretação de acordo e a anulação parcial sem redução de texto, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: Apelação nº 7007387608, 5ª câm. Crim., TJRS, relator desembargador Aramis Nassif; também as Apelações nº 700012614046 e 700015006935.

    Nesse caso, ficou decidido que o artigo 299 do Código Penal é inconstitucional se aplicado sem qualquer comprovação da intenção do agente de colocar em risco concreto e imediato qualquer bem jurídico relevante penalmente, sob pena de incorrer em responsabilidade penal objetiva. Em outras palavras, retirou-se uma das aplicações da norma, afastando-se o sentido que é contrário à Constituição.[2]

    Tipo de inconstitucionalidade parcial
    Em resumo (e sem hesitação), neste artigo afirmo que não foi declarada a inconstitucionalidade de todo o artigo 24 da Lei 13.846/2019. Mas vamos aos motivos que me levaram a essa conclusão.

    Antes de qualquer outra análise, no entanto, vale lembrar que a ação de reclamação tem sido aceita como instrumento excepcional de esclarecimento/aperfeiçoamento e, também, de superação do conteúdo de decisões judiciais.[3] Pois bem. A Reclamação 64.675 Rio Grande Do Sul foi proposta com este objetivo, ou seja, esclarecer o alcance da ADI 6.096. Nela, o ministro Alexandre de Morais confirmou a nossa impressão:

    “Na ADI 6.096 estabeleceu-se a inconstitucionalidade da incidência do prazo prescricional ou decadencial apenas para os casos de recusa, cancelamento ou término do benefício, tendo em vista que, nessas situações, a inviabilização da rediscussão sobre a negativa teria reflexos sobre o direito material à concessão do benefício. Permitiu-se, por outro lado, a incidência do prazo decadencial nos casos de revisão do ato de concessão do benefício, como na hipótese concreta.”

    Além disso, para poder afirmar que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de todo o artigo 24 da Lei 13.846/2019, a decisão proferida nos autos da ADI 6.096 teria que, no mínimo, apresentar as razões jurídicas pelas quais entende que o segundo termo para a contagem do prazo decadencial — previsto no inciso II do artigo 103 da Lei 8.213/1991 — é inconstitucional.

    Princípio da base garante legitimidade
    Não é possível negar a aplicação de uma lei sem realizar jurisdição constitucional. Não há nenhuma linha sobre o inciso II do artigo 103 da Lei 8.213/1991, com redação emprestada pelo artigo 24 da Lei 13.846/2019, na decisão proferida na ADI 6.096. O que garante a legitimidade da formação da determinação jurídica, além da observância do contraditório e da ampla defesa, é a consagração do princípio da base das conclusões judiciais.

    Por óbvio, não se trata de defender a constitucionalidade do inciso II do artigo 103 da Lei. 8.213/1991 por exclusão (já que não objeto da ADI 6.096), mas terMantenha em mente que a justificação das decisões legais é uma garantia prevista na constituição. Não podemos afirmar a inconstitucionalidade completa do artigo 24 baseado apenas em presunções. Uma interpretação oposta serve como ponto de referência para compreender o que é considerado como “jurisdição constitucional”.

    Uma decisão devidamente fundamentada não deveria sequer necessitar de “esclarecimentos” sobre a posição ou o argumento da decisão, muito menos sobre algo que nem mesmo foi abordado na ADI 6.096, tampouco como mero “argumento secundário”! O “stare decisis”, pela importância que atribui ao precedente, garante que

    “A aplicação deste só pode ocorrer se ele foi fruto de um intenso contraditório e se estiver fundamentado, do contrário será entendido como argumento secundário que ‘não são considerados como parte do dispositivo da decisão, já que tais questões podem não ter sido submetidas (devolvidas), de forma integral, à consideração do tribunal. Portanto, as partes da decisão legal que são meros argumentos secundários ordinariamente não possuem valor ou efeito de precedente’.”[4]

    A alegação de que o Supremo Tribunal Federal declarou, na parte resolutiva, a inconstitucionalidade completa do artigo 24 da Lei 13.846/2019 torna necessário o embasamento a respeito desse ponto na própria decisão. Como resultado, tal alegação não está de acordo, tampouco alinha-se com o que se entende como jurisdição constitucional.

    A mesma interpretação é aplicável ao Tema Repetitivo 975/STJ, que nem sequer considerou o que acontece após o pedido de revisão protocolado dentro do prazo de 10 anos. É importante lembrar que a redação usada para embasar o debate foi estipulada pela Lei 10.839/2004, válida por ocasião da interposição do recurso especial.

    Justificação é garantia constitucional
    Enfim, uma interpretação oposta desconsidera um pequeno detalhe: a garantia constitucional da justificação das decisões legais. A justificação das decisões ganha importância para a legitimidade da decisão, bem como para delimitar e determinar o alcance da parte resolutiva de qualquer decisão.

    A confirmação de que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do artigo 24 da Lei 13.846/2019 somente no que diz respeito à nova redação que impõe um prazo decadencial para o direito à previdência social, e não à totalidade de sua redação, cria condições (jurídicas) para os juízes e tribunais aplicarem o inciso II do artigo 103 da Lei 8.213/1991, que confirma a existência de dois termos para a contagem do prazo decadencial.

    A dúvida levantada aqui está alinhada ao que está sendo discutido atualmente no Tema 975/STJ, no IAC 5031598-97.2021.4.04.0000/TRF-4 e no Tema 256/STJ (PUIL 3687/STJ), com proposta para encerrar a discussão e pacificar a questão.

    Insiste-se: os juízes e tribunais não poderão negar a aplicação do inciso II do artigo 103 da Lei 8.213/1991 sem realizar jurisdição constitucional. Segundo Lenio Luiz Streck, o Poder Judiciário somente pode deixar de aplicar uma lei ou dispositivo de lei nas seguintes hipóteses:

    (a) Quando a lei (o ato normativo) for inconstitucional; (b) quando for o caso de aplicação dos critérios de resolução de antinomias; (c) quando for aplicar a interpretação conforme a constituição; (d) quando aplicar a nulidade parcial sem redução de texto; (e) quando for o caso de declaração de inconstitucionalidade com redução de texto; (f) quando – isso é absolutamente comum – for o caso de deixar de aplicar uma regra em face de algum princípio, interpretando-os não como padrões retóricos ou enunciados performativos [5].

    Conclusão lógica
    Isso é (apenas) mais um argumento para confirmar a existência de dois termos para a contagem do prazo decadencial. O segundo (que depende do protocolo de pedido de revisão dentro do prazo de 10 anos a partir do primeiro dia útil do mês seguinte ao recebimento da primeira prestação) tem início a partir do momento em que se toma ciência da decisão de indeferimento.do requerimento de revisão, devendo ser observada a matéria explicitamente contestada.

    Abre-se uma pausa para recordar que, caso seja desconsiderado o segundo termo para contagem do prazo para perda do direito, ou melhor, caso seja declarada a inconstitucionalidade do inciso II do artigo 103 da Lei 8.213/1991, chegaremos à seguinte conclusão lógica: o beneficiário necessita, dentro do prazo de 10 anos (a partir do primeiro dia do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação), tomar conhecimento da circunstância que lhe permite pleitear a revisão; formalizar um requerimento administrativo de revisão de benefício, para levar a questão ao conhecimento do servidor do INSS (Tema 350/STF); e ajuizar uma demanda judicial.

    Ocorre que o beneficiário não pode depender do agendamento para a entrega dos documentos, nem do tempo que o INSS levará para analisar o seu pedido de revisão (ações ajuizadas antes de 45 dias já foram encerradas, sem análise do mérito, com base na falta de interesse processual.

    Além disso, se ao beneficiário não será possível esgotar a via administrativa, contradizendo, assim, a premissa de que o Poder Judiciário não pode ser transformado em um “balcão do INSS” — alguns procuradores do INSS reclamam da judicialização, tentando colocar a Justiça contra o cidadão.

    Não pode haver um pedido formalizado dentro do prazo para depois se alegar que ocorreu a perda do direito. O direito previdenciário não está imune à filosofia. É difícil compreender o entendimento que aposta na existência de uma “análise” da perda do direito em duas fases distintas, uma administrativa e outra judicial, uma “isolada” da outra, como se o INSS não fosse o primeiro destinatário do artigo 103 da Lei 8.213/1991.

    Diferença (e não separação) entre regra e norma
    Mas retomando a questão da fundamentação. No centro de toda a discussão está a diferença (e não separação) entre regra e norma, quer dizer: a ideia de que um dispositivo traz consigo todas as hipóteses de aplicação de um texto jurídico.[6] O mesmo vale para o Tema Repetitivo 975/STJ e a ADI 6.096, ou seja, tais decisões não abrangem todos os casos de aplicação do artigo 103 da Lei 8.213/1991.

    Veja, assim, o paradoxo, como seria possível estabelecer uma fundamentação sobre uma lei que sequer existia ao tempo do julgamento do Tema Repetitivo 975/STJ? Como é possível empregar/aplicar as razões da ADI 6.096 que sequer consideraram a possibilidade de um requerimento de revisão de benefício? Como é possível estabelecer fundamentações sem que se tenha aquilo que é condição dessa fundamentação? Isso tudo indica que essa antecipação de sentido trabalha com a ideia de que um precedente traz consigo uma norma justa, pronta e acabada, ou seja, de que ele abarca todas as futuras hipóteses de aplicação da norma.

    Poseidon tinha um filho chamado Procustos, que tinha uma cama de ferro; para adaptar seus “hóspedes” à cama, ele os esticava ou cortava seus membros. É bem possível que o mesmo esteja acontecendo aqui — e daí a falta de uma devida distinção entre as situações envolvendo a aplicação do prazo decadencial.

    Bah1: Foi o jurista Lenio Luiz Streck quem propôs a releitura do art. 299 do Código Penal a partir da Constituição. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 5. ed., rev., mod. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 159.

    Bah2: SCHUSTER, Diego Henrique. ADI 6.096 e o prazo decadencial: o que sobrou do artigo 24 da Lei 13.846/2019? In: Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 26 nov. 2023. Disponível em: < Acesso em 22 jan. 2024.

    Bah3: Vide Reclamação 4.374, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 3.9.2013; Tema 793/STF; para citar apenas estes.

    Bah4: STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto o precedente judicial e as súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. p. 67.

    Bah5: STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 5. ed., rev., mod. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 637.

    Bah6: Cf.: STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 5. ed., rev., mod. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 134 e ss.

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