terça-feira, 2 julho, 2024
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    Abdicação implícita a inquirição de réu fugitivo viola ampla defesa

     

    Inclusive uma pesquisa rápida em portais especializados em jurisprudência revela que o conceito de “abdicação implícita” do direito de defesa de um acusado, em situações de mandado de captura em aberto, é mencionado diversas vezes em instâncias judiciais inferiores, tribunais colegiados e no Superior Tribunal de Justiça, ainda que não esteja previsto legalmente. Com algumas exceções, as causas são levadas ao Supremo Tribunal Federal, que tem se posicionado a favor do réu.

    Em um caso recente, o ministro Luiz Edson Fachin garantiu o direito de um acusado de associação ao tráfico — e que está foragido — de ser interrogado por meio de videoconferência. No processo (HC 233.191), consta que o acusado, durante audiência de instrução, recebeu link para participar da conferência online. Entretanto, o juiz de primeira instância negou o pedido da defesa para interrogar seu cliente e utilizou o conceito de “abdicação implícita” à defesa, alegando que o depoimento do acusado é incompatível com sua situação de foragido.

    Fachin anulou a decisão, revertendo a sentença monocrática do STJ que indeferiu o pedido liminarmente, com base na Súmula 691 do próprio STF (“Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de Habeas Corpus impetrado contra decisão do relator que, em Habeas Corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.”). A liminar de Fachin foi confirmada nesta terça-feira (30/10) na 2ª Turma por maioria, sendo o voto do ministro Nunes Marques vencido.

    No voto confirmado pela Turma, Fachin refuta a argumentação de primeira instância que invocou a “abdicação implícita” e afirma que, por si só, a argumentação é contraditória, já que foi o réu fugitivo que procurou o tribunal para prestar depoimento.

    “O fato de o réu não se apresentar à Justiça para cumprir seu mandado de prisão não implica abdicação implícita ao direito de participar da audiência virtual ou das diligências legais para exercer sua defesa”, disse Fachin.demais atos processuais, nem ao direito de defesa. Na verdade, a relação de causa e efeito estabelecida pela autoridade coatora entre réu que não aparece para a prisão cautelar e renúncia ao direito de defesa não está prevista em lei.”

    Em uma reportagem online sobre leis, advogados e advogadas especializados em direito criminal afirmam que, às vezes, existem interpretações éticas e morais sobre o direito à ampla defesa que entram em conflito com os princípios estabelecidos na Constituição brasileira. Outro ponto mencionado é que privar o réu de ser ouvido em juízo, apenas porque está foragido, constitui uma restrição ao seu direito de defesa.

    “O Código de Processo Penal estabelecia, antes da Constituição, que uma das condições para que o acusado pudesse apelar de uma sentença condenatória era ser preso. Esse dispositivo não foi aceito pela Constituição atual e foi oficialmente revogado por uma lei complementar”, diz a advogada criminalista Ludmila Leite, sócia do escritório Florêncio Filho e Camargo Aranha Advogados.

    “A situação [do interrogatório de réu foragido] é a mesma, não é o papel do juiz, que é responsável por aplicar a lei, criar condições que não estão previstas na legislação para o exercício de um direito amplamente estabelecido. Não importa se ‘parece certo’ ou não, o que importa é que é ilegal e inconstitucional.”

    A advogada criminalista Bianca Dias Sardilli, também sócia do escritório Moraes Pitombo Advogados, afirma que o Supremo Tribunal Federal já foi solicitado e decidiu em alguns Habeas Corpus (HC 233.191 e HC 116.985) que a situação do réu – nos casos analisados, o mandado de prisão em aberto – não implica na exclusão da sua participação nos atos processuais, sob pena de anulação.

    “Existe, na doutrina e na jurisprudência, incerteza sobre se o acusado pode deixar de ser interrogado (não voluntariamente) como resultado do seu direito ao silêncio, mas, considerando que a ausência desse ato leva à anulação do processo, a renúncia deve ser explícita, expressa e justificada, e não presumida a partir de uma situação em que o Estado é incapaz de cumprir o seu papel”.

    “Seu papel na condução do sistema de justiça criminal”, afirmou o advogado Guilherme Castro, do escritório Castro Advogados. Ele argumenta que nem a Constituição nem as leis inferiores exigem que o acusado esteja preso para ter o direito de comparecer às audiências.

    Segundo o advogado, já participou de audiências em que o réu estava foragido, mas mesmo assim o juiz suspendeu o mandado de prisão após o depoimento do réu, por falta de indícios de autoria.

    Natureza do depoimento

    Outro ponto mencionado pelos advogados consultados é que o depoimento do acusado é essencial para a defesa e negá-lo resulta em desproporcionalidade no processo judicial.

    “O depoimento é um ato de defesa crucial, não se deve aplicar conceitos de outros ramos do direito que sejam incompatíveis com as garantias individuais que regem o direito penal”, afirma Tiago Sousa Rocha, advogado do escritório Bottini & Tamasauskas.

    “A circunstância de o acusado estar foragido não implica em uma renúncia implícita ao direito que lhe é concedido”, diz Bruno Borragine, sócio do escritório Bialski Advogados, concordando com as posições dos especialistas entrevistados.

    Borragine também destaca que o depoimento do acusado foragido pode beneficiar sua defesa, não servindo apenas para corroborar a acusação.

    “Não há renúncia implícita [ao direito de defesa]. Pelo contrário: a possibilidade de depoimento de réus foragidos é um exemplo prático do exercício de autodefesa do acusado e está presente no sistema de Justiça do país, como parte do devido processo legal. É a garantia do acusado de participar efetivamente do processo e influenciar a convicção do juiz”, afirma Borragine.

    A influência mencionada por Borragine é o centro da discussão. Em casos analisados pelos desembargadores (como no HC 2234160-67.2022.8.26.0000, por exemplo), os magistrados consideraram que o depoimento dos réus foragidos pode ter impacto na decisão final.

    da 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo afirmaram que, de acordo com o réu escolhendo não comparecer à Justiça para que um mandado de prisão seja executado contra ele, somente sua defesa técnica seria permitida, e não a autodefesa.

    A argumentação revela a retirada de direitos condicionados à condição do acusado.

    “Importante ressaltar que ao réu foragido, com a prisão preventiva decretada, é assegurado o direito de ser representado por Defensor, constituído ou dativo, pois sua condição não priva dele o direito à defesa técnica, apenas a autodefesa, portanto a condição de foragido implica em renúncia implícita ao direito de participar da audiência ou acompanhar os atos instrutórios. A lei garante sua defesa técnica, mas exige que, para comparecer aos atos processuais, se apresente pessoalmente e aceite o cumprimento da medida restritiva imposta”, escreveu o relator Paulo Rossi em novembro passado, acompanhado por seus colegas.

    O advogado André Damiani, sócio-fundador do Damiani Sociedade de Advogados, afirma que “causa surpresa o uso da expressão ‘renúncia implícita à defesa'”. “[O termo] representa simplesmente uma estratégia retórica para tentar fazer prevalecer o punitivismo irracional que não encontra respaldo em nosso sistema jurídico.”, diz Damiani.

    Ele argumenta também que, nos casos mencionados, não houve decisão final do processo, ou seja, a própria presunção de inocência é prejudicada pelo conceito de “renúncia implícita”.

    “É por isso que o entendimento adotado pelo Supremo é de que a fuga não justifica a intensificação da perseguição estatal contra o acusado. Além disso, não há qualquer tipo de pena prevista no Código Penal pelo ato de ‘fuga’, apenas pelo ato de auxiliar a fuga de terceiros. Portanto, não se trata de defender o direito de fugir, mas sim de lutar pela revogação de uma prisão cautelar que se considere injusta enquanto se está em liberdade.”

    HC 233.191

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