terça-feira, 2 julho, 2024
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    Administração de Lula busca liberar verba de emendas parlamentares em troca de apoio

    Durante o atual ano, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já efetuou a liberação de R$ 30 bilhões em emendas parlamentares. Esse total representa um aumento de 79% em comparação com o montante reservado durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), segundo afirmou o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, durante a reunião junto aos líderes do governo e dos partidos no Congresso Nacional na terça-feira (5). Embora a execução de algumas delas seja mandatória, a equipe petista tem divulgado esses números como uma estratégia para melhorar sua relação com o Parlamento, com o intuito de aprovar pautas como a reforma tributária e os vetos à desoneração da folha de pagamento, por exemplo.

    A divulgação das liberações por parte do governo feita por Padilha tem como alvo os bastidores, onde o Congresso está articulando a liberação de mais R$ 6 bilhões ainda neste ano. Dessas verbas, denominadas pelo governo como “presente de Natal” para o Parlamento, R$ 2 bilhões seriam direcionados ao Senado e R$ 4 bilhões para a Câmara. Os montantes poderiam ser usados pelos parlamentares principalmente como “emendas pix”, as quais eles podem destinar para seus municípios sem a necessidade de projetos obrigatórios de gastos já previstos pelos prefeitos.

    Essa iniciativa é considerada crucial para a aprovação de medidas importantes para Lula e sua equipe. Em outras palavras, o governo tem aproveitado a liberação das emendas para assegurar apoio em votações na Câmara e no Senado, uma vez que é ele que controla quando esse desembolso efetivamente ocorrerá.

    No caso de não haver esse desembolso, há repercussões no Congresso. Um exemplo disso foi que a hesitação do Planalto em atender ou não a solicitação sobre a liberação das emendas resultou na paralisação das votações esta semana, como a medida provisória que trata do ICMS e o projeto de lei das apostas esportivas. O relato dessas negociações foi divulgado pelo jornal O Estado de S. Paulo na sexta-feira (8).

    Conforme o analista político Lucas Batista Pinheiro, da consultoria Consillium Soluções Institucionais e Governamentais, as emendas parlamentares constituem uma maneira pela qual os congressistas podem participar do orçamento da União. “A tarefa do governo de Lula é desafiadora, pois precisa garantir a governança e fortalecer a base, satisfazendo setores do Parlamento acostumados, desde 2015, a ter uma presença significativa no orçamento. Nesse sentido, o governo sempre deve comunicar ao Parlamento que está atendendo às suas demandas para manter a base fiel em votações importantes”, afirma.

    Atualmente, as emendas individuais (RP-6) e as de bancadas estaduais (RP-7) são impositivas. Isso significa que o governo é obrigado a reservar recursos e efetuar o pagamento desse tipo de emenda, exceto quando houver um impedimento de ordem técnica. As emendas individuais se tornaram impositivas a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 86/2015. Já as emendas de bancada se tornaram impositivas com a promulgação da Emenda Constitucional nº 100/2019.

    Pinheiro destaca que o papel proeminente do Parlamento em várias atribuições do presidente da República foi estabelecido pela Constituição de 1988. “Isso resultou no que o cientista político Sérgio Abranches chamou de “Presidencialismo de Coalizão”, no qual o presidente, a fim de assegurar a governabilidade, deveria buscar uma forma de composição com o Parlamento. Tanto em 2015 (governo da ex-presidente Dilma Rousseff) quanto em 2019 (governo do ex-presidente Jair Bolsonaro) o Parlamento avançou na participação orçamentária diante de uma fragilidade na base de sustentação no Congresso”, explica.

    As emendas em cifras

    Até 5 de dezembro, da quantia reservada, o governo federal já havia efetuado o pagamento de 96%, ou seja, R$ 29 bilhões. No total, está previsto o valor de R$ 35,8 bilhões em emendas para este ano, conforme informações do Senado Federal disponibilizadas na plataforma Siga Brasil. Ao divulgar as ações do governo, Padilha também afirmou que “o ritmo de pagamento [na gestão de Lula] também é mais acelerado [do que na gestão de Bolsonaro], ou seja, não apenas a reserva, mas também o desembolso financeiro”.

    Do montante já desembolsado, 64,43% está relacionado às emendas individuais (R$ 18,7 bilhões), 20,5% às emendas de bancadas estaduais (R$ 5,9 bilhões), 14,42% são referentes às de relator-geral (RP-9) e 0,66% foram destinados às de comissão (RP-8; R$ 190 milhões). O setor da saúde é o maior receptor de recursos, já que ao menos 50% das emendas individuais devem ser direcionadas a esse setor. Neste ano, o valor repassado para que o Ministério da Saúde execute a devida destinação é de R$ 13,5 bilhões ou 46,59% do valor total das emendas pagas (incluindo individuais, de bancada, de comissão e de relator).

    No que diz respeito às bancadas estaduais, a do Pará lidera o ranking de pagamentos, com R$ 311 milhões; seguida por Minas Gerais, com R$ 298 milhões; Espírito Santo, R$ 283 milhões, Santa Catarina, R$ 279 milhões, e Maranhão, com R$ 277 milhões. A bancada de São Paulo, estado cujo Produto Interno Bruto responde por 30,2% da economia nacional, segundo dados do IBGE para 2021, direcionou R$ 252 milhões, ocupando o 11º lugar no ranking.

    Principais partidos e congressistas

    Em relação às agremiações políticas, o PL teve o maior volume de pagamento de emendas, totalizando R$ 2,41 bilhões – o que não surpreende, visto que possui o maior número de congressistas. Em seguida, vem o PSD, com R$ 2,19 bilhões; o PT, com R$ 1,96 bilhão; o PP em quarto lugar, com R$ 1,94 bilhão; e o União com R$, 1,77 bilhão. MDB e Republicanos também estão entre os sete partidos cujos parlamentares destinaram mais de R$1 bilhão em emendas, com R$ 1,76 e R$ 1,28 bilhão respectivamente. As emendas sem vinculação a partidos políticos ainda representam o maior valor pago até o momento, um total de R$ 10,3 bilhões.

    Chama a atenção o volume de recursos direcionados por alguns congressistas. A senadora Eliziane Gama, pelo PSD do Maranhão, é líder na destinação de emendas neste ano, com R$ 66, 7 milhões. Além de ser aliada do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, ela presidiu a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro. A também senadora Daniella Ribeiro, do PSD da Paraíba, preside a Comissão Mista de Orçamento (CMO) e ocupa a segunda posição no ranking dos parlamentares que tiveram mais emendas pagas, com R$ 61,47 milhões destinados a seu estado.

    Confira a tabela com os dez parlamentares que tiveram o maior volume de emendas pagas (os valores incluem emendas deste ano e restos a pagar de anos anteriores):

    Nome Posição Partido/Estado Total Pagamento R$
    Eliziane Gama Senadora PSD – MA 67.008.510,59
    Daniella Ribeiro Senadora PSD – PB 61.472.593,00
    Plínio Valério Senador PSDB – AM 58.615.105,09
    Márcio Bittar Senador União – AC 58.155.744,37
    David Alcolumbre Senador União – AP 58.085.025,25
    Luis Carlos Heinze Senador PP – RS 57.657.417,61
    Omar Aziz Senador PSD – AM 57.588.335,71
    Mara Gabrilli Senadora PSD – SP 56.521.984,50
    Otto Alencar Senador PSD – BA 56.442.066,50
    Jayme Campos Senador União – MT 55.869.089,25

    Impositivas ou nem tanto

    A negociação não se restringe apenas às RP-9 e RP-2, pois, mesmo com a obrigatoriedade para o pagamento.de emendas específicas e de grupo, não há punições caso o governo atrase a transferência dessas verbas. Ademais, se não forem quitadas no ano em que foram designadas, elas são contabilizadas no orçamento do ano seguinte como Restos a Pagar, o que pode postergar por um período indefinido a liberação dos recursos. Neste ano, há emendas de 2019 que estão sendo pagas.

    E o governo não tem que se explicar no âmbito judicial ou administrativo quando falha em fazer os repasses, a não ser na medida da conveniência política para manter e conquistar novos aliados ou não.

    O doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB) Leonardo Barreto explica que, ainda que a emenda seja obrigatória, o governo controla o tempo da liberação e que, por isso, acaba negociando com o parlamentar o quão rápido ela será liberada.

    Para limitar essa prática e garantir maior autonomia ao Congresso, parlamentares têm buscado mecanismos que obriguem o governo a fazer o repasse das emendas no ano de sua designação, com imputação de crime de responsabilidade ou multas, por exemplo, caso haja atraso. Uma das propostas mais comentadas é a da criação de um cronograma de pagamentos, defendida pelo relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias, o deputado Danilo Forte (União-CE), em novembro deste ano.

    Em seu primeiro mandato, a deputada federal Júlia Zanatta (PL-SC) apoia a iniciativa, para que haja uma previsibilidade no repasse dos recursos. “Atualmente, os deputados não sabem quando as emendas e, portanto, as verbas que destinam para os municípios de seus estados serão liberadas. A proposta do Danilo é muito inteligente porque é prejudicial não ter uma previsibilidade. É um direito do parlamentar, porém você tem que ficar implorando para o governo liberar algo que é nosso direito?”.

    Mesmo como deputada de oposição, a parlamentar catarinense conta com a impositividade das emendas específicas e de grupo para que os recursos que destinar cheguem até o seu destino. “Eu espero, no meu momento, receber as emendas empenhadas – e isso independe do meu apoio ao governo, tanto é que eu votei 100% com a oposição”, afirma.

    Luiz Felipe Freitas, cientista político e assessor legislativo da Malta Advogados, não avalia que a medida seja necessariamente ruim para o governo, mas que evitará que haja uma liberação massiva de emendas antes de votações de matérias delicadas ou importantes para o Executivo.

    “Vai mudar um pouco essa logística e caberá ao governo criar um novo método, mudar o diálogo. O que se vê é que na votação da reforma tributária houve liberação de um certo número de emendas, outras tantas para o arcabouço fiscal, creio que haverá mais emendas agora para o orçamento. Com esse calendário a lógica fica diferente”, afirma.

    Críticas às emendas específicas

    Segundo Barreto, diante de uma associação crescente entre o Executivo e o Judiciário, as emendas são um importante instrumento que o Parlamento possui para o equilíbrio entre os Poderes. “Com o Lira [presidente da Câmara, Arthur Lira, PP-AL], o volume cresceu e, hoje o Legislativo tem um orçamento para distribuir bem significativo. Para se ter ideia, um único deputado tem mais recursos para alocar do que alguns ministérios”, afirma.

    Adicionalmente, Lucas Pinheiro ainda explica que a ideia da emenda orçamentária para o parlamentar é a de que ele conhece de perto a realidade do seu estado ou município. “Esse conhecimento deve ser aliado ao planejamento, para que haja uma distribuição efetiva do recurso público”.

    O analista ainda destaca que uma das bases da administração pública é a impessoalidade, ou seja, “o uso do recurso público deve ser para a finalidade do bem da coletividade e não para atender interesse privado”.

    No entanto, nem sempre é isso que acontece, o que faz com que haja críticas às emendas. Um caso emblemático é o do ministro das Comunicações de Lula, Juscelino Filho. Enquanto era deputado federal do partido União pelo estado do Maranhão, ele teria encaminhado R$ 5 milhões de emendas de relator para pavimentar uma estrada que passa em frente a uma de suas fazendas no Maranhão, além de beneficiar outras oito propriedades de sua família.

    A denúncia foi feita pelo jornal O Estado de S. Paulo, que afirma que os recursos foram transferidos para o município de Vitorino Freire (MA), que é governado por Luanna Resende, irmã de Juscelino. A prefeitura contratou a empresa Construservice, que concorreu sozinha em uma licitação para realizar a obra. Cinco meses após a assinatura do contrato, em julho de 2022, um empresário foi preso pela Polícia Federal, acusado de pagar propina a servidores federais para obter obras na cidade. Além disso, o engenheiro da Codevasf responsável pela estrada foi afastado sob suspeita de receber R$ 250 mil em propina. O empresário e o ministro do governo Lula seguem sob investigação da PF.

    Ano eleitoral

    Além do uso de recursos para favorecimento pessoal, a proximidade do ano eleitoral, em 2024, também traz o receio de que emendas possam ser utilizadas para impulsionar campanhas de correligionários dos deputados e senadores em suas regiões.

    “É natural do agente político que evidencie as suas ações, pois, ao mesmo tempo, é uma prestação de contas do seu mandato aos eleitores. É um paradoxo, já que o agente político deve ser impessoal e transparente. Por isso, se faz necessário um equilíbrio para que a máquina pública não seja utilizada para autopromoção, mas para o bem da coletividade, dos contribuintes”, afirma Pinheiro.

    Luiz Freitas estima que o volume e o valor de emendas liberadas até as eleições do próximo ano irão aumentar. “A ideia do governo é tentar descentralizar as barganhas em torno do [Arthur] Lira, que as centraliza em torno de si. Então, o governo quer tirar um pouco do seu poder para tentar negociar diretamente com os parlamentares”. Ele afirma que o governo vê a necessidade de ganhar prefeituras em mais municípios para, desta forma, alavancar o desempenho do PT e de seus aliados em 2026.

    Barganha política com as RP-9 e RP-2

    Em 19 de dezembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu as Emendas de Relator (RP-9) que ficaram conhecidas como orçamento secreto, pois não havia a necessidade de indentificar o parlamentar responsável pela indicação dos recursos, ferindo preceitos orçamentários de transparência. Como consequência, R$ 10,6 bilhões que estavam empenhados em 2022 sob essa rubrica ficaram como Restos a Pagar no orçamento deste ano.

    Em sua decisão, o Supremo ainda determinou que caberia às pastas avaliarem, de acordo com programas e projetos existentes nas respectivas áreas, a propriedade da aplicação desses recursos. Ou seja, por meio de critérios técnicos, os ministérios passariam a analisar os repasses e iriam decidir se seguiriam adiante com o pagamento ou se cancelaria – o que abre uma margem para barganhas políticas do governo com parlamentares que queiram garantir a destinação dos recursos indicados por meio dessas emendas.

    Em 29 de agosto deste ano, o governo entregou a parlamentares um documento com detalhamento sobre a liberação de recursos de emendas, incluindo as RP-9 elencadas nos restos a pagar. Segundo o Metrópoles, que primeiramente reportou o caso, foi uma “prestação de contas sobre o uso de verba federal para atender aliados, detalhando como o Executivo tem usado o Orçamento público para conseguir apoio no Congresso Nacional”.

    O relatório teria sido usado junto à base aliada para diminuir a pressão sobre o governo, acusado de lentidão nos repasses das emendas. Conforme reportado, os pagamentos das antigas RP-9 até o fim de agosto remontavam a R$ 2,8 bilhões. À época, houve divergência de informações entre a Secretaria de Relações Institucionais (SRI) e os ministérios. Segundo a SRI, os demandantes do repasse de recursos das RP-9 estavam sendo identificados pelo governo para serem notificados da destinação das verbas. Em contrapartida, alguns ministérios disseram que seguiam sem identificar a origem das emendas, mas que as estavam analisando sob critérios técnicos.

    Impedido de utilizar as RP-9, o governo Lula se valeu das RP-2, usadas na destinação de verbas para ministérios e que incorrem na mesma falta de transparência das RP-9. Segundo o Metrópoles, foram reservados R$ 9,6 bilhões para esse tipo de repasse. O valor seria destinados às RP-9 em 2023, mas foi transformado em RP-2 – ou seja, o orçamento secreto apenas mudou de rubrica, dando seguimento às práticas de barganha política sem transparência com os recursos públicos.

    O deputado Alberto Fraga (PL-DF) afirma que o funcionamento do sistema é conhecido por todos. “Quando o governo quer consolidar a sua base em uma votação importante, ele abre o cofre e as emendas funcionam como o pagamento daquele voto que o governo vai ter em uma votação de seu interesse.” Ele ainda diz que é “lamentável” que a gestão petista adote práticas de barganha como essas. “Vários parlamentares acabam se deixando seduzir pelas emendas. É lamentável”, critica.

    O senador Oriovisto Guimarães (Podemos – PR) afirma que as emendas específicas e de bancadas estaduais são mais do que suficientes para que o parlamentar destine recursos para seus estados. “Nunca obtive e tão pouco procurei obter emendas RP9 ou RP2. Acho tudo isto uma tristeza, um empobrecimento da política. Seja do governo anterior ou deste governo, trocar votos em assuntos que envolvem o interesse de toda população brasileira por emendas é algo inadmissível do ponto de vista ético”, salienta.

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