domingo, 7 julho, 2024
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    Aliança entre Bolsonaro e Milei evidencia poder e contrastes da direita


    Além de recusarem a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a quem ambos acusam de ser corrupto e comunista, o presidente da Argentina, Javier Milei, e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), partilham também o perfil atual de políticos de direita antissistema, que mobilizam grandes públicos nas ruas e nas redes sociais. Os dois defendem a diminuição da intervenção do Estado na economia e na vida dos cidadãos. A luta implacável contra o crime organizado e a oposição do Ocidente às ditaduras de esquerda, ao terrorismo e ao chamado globalismo são causas comuns.

    Entretanto, as semelhanças entre eles começam a desaparecer quando se trata do apoio à Ucrânia na guerra contra a Rússia, defendida por Milei, ou em questões relacionadas à chamada agenda de costumes, um tema central para Bolsonaro. Embora ambos se oponham ao aborto, o político argentino libertário demonstra ser mais tolerante com novas estruturas familiares do que o ex-presidente brasileiro, além de enfatizar mais as liberdades individuais. Segundo especialistas consultados pela Gazeta do Povo, apesar das divergências ideológicas, ambos representam a ascensão da direita na América Latina, um cenário que se repete em outras regiões do mundo.

    Em sua primeira visita ao Brasil após assumir a presidência da Argentina, Milei participará no próximo fim de semana da quinta edição da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC Brasil), a versão brasileira do Conservative Political Action Conference (CPAC), o maior evento conservador dos Estados Unidos, que alcançou a marca de 50 edições. O evento em Balneário Camboriú (SC) será o local do reencontro entre Milei e Bolsonaro desde a posse do líder argentino em dezembro. Milei optou por prestigiar o CPAC Brasil de forma pessoal, em vez de comparecer oficialmente à cúpula dos presidentes do Mercosul, que será realizada no domingo (7) e na segunda-feira (8) em Assunção, no Paraguai, e que provavelmente contará com a presença do presidente Lula.

    Reunião entre Milei e Bolsonaro aprofunda simbolismo e aliança da direita

    A proximidade entre os principais líderes latino-americanos da direita possui importância simbólica e estratégica para os grupos políticos de ambos, demonstrando projeção internacional e capacidade de coordenação. A imagem de Lula enfraquecido no exterior enquanto Milei será calorosamente recebido por Bolsonaro e outros apoiadores brasileiros tem potencial para gerar grande repercussão nos canais digitais conservadores. Um dos responsáveis por aproximar os dois líderes, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), ressaltou que o CPAC Brasil 2024 será o “maior encontro de conservadores de toda a história da América Latina”, embora Milei se autodeclare como libertário e tenha adotado medidas econômicas e políticas alinhadas com o liberalismo.

    De acordo com ele, além de realizar sua aguardada palestra, Milei também terá uma reunião privada com Jair Bolsonaro. O porta-voz da Casa Rosada, Manuel Adorni, afirmou que Milei deve viajar ao Brasil no sábado, retornando à Argentina no dia seguinte, sem mencionar o encontro com Bolsonaro. O cancelamento da participação do presidente argentino na cúpula do Mercosul foi justificado por “conflitos de agenda”.

    Na semana passada, Lula afirmou que aguardava um pedido de desculpas de Milei “pelas muitas tolices que disse durante a campanha” contra ele, como requisito para que os dois pudessem se encontrar. Esse gesto foi considerado um erro diplomático, além de ter proporcionado uma nova oportunidade para que o colega argentino reiterasse suas críticas ao petista. Em resposta, Milei recusou-se a fazer qualquer retratação e descreveu Lula de forma pejorativa como um esquerdista, afirmando que ele possui um “ego inflado”. Ele também demonstrou ressentimento com a interferência de Lula nas eleições argentinas de 2023, em favor do candidato governista Sergio Massa.

    “Qual é o obstáculo? É porque o denominei de corrupto? Por acaso não foi detido por corrupção? É porque o denominei de socialista? Por acaso não é socialista? Desde quando é necessário solicitar desculpas por expressar a verdade? Ou a retidão política está tão em falta que não podemos mencionar nada à esquerda, ainda que seja verdade?”, declarou. Para completar, na terça-feira (2), Milei afirmou que quem critica os seus ataques contra Lula é “completo dinossauro idiota”.

    Milei se desloca para se tornar referência global da direita, diz expert argentino

    Leandro Gabiati, pesquisador político argentino residente no Brasil, observa que as incursões internacionais de Javier Milei revelam sua vontade de se estabelecer como um líder global da direita mais ideológica. Segundo o diretor da consultoria Dominum e professor do Ibmec-DF, as diversas viagens ao exterior, que não foram ainda visitas de Estado, incluíram discursos e reuniões com políticos, partidos e empresários que compartilham da linha ideológica do presidente argentino.

    Entre esses momentos estão confraternizações amistosas com o ex-presidente Donald Trump e a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, um dos principais ícones da direita europeia, que o convidou pessoalmente a participar da reunião de cúpula do G-7, na Itália. “Nesse contexto, a participação de Milei em eventos políticos no Brasil, promovidos por Bolsonaro e seus aliados, faz todo o sentido”, sublinha.

    Com a visita de Milei, Bolsonaro pretende, por sua vez, reforçar a expectativa de um retorno da direita ao poder no Brasil em 2026, movimento liderado pelo próprio ex-presidente. “Para Milei, a associação com Bolsonaro e outros líderes de direita fortalece sua imagem como um líder internacional de um vigoroso movimento de direita heterodoxo, que tem ganhado força eleitoralmente ao redor do mundo, como demonstrado nas recentes eleições europeias e no possível retorno de Trump à presidência dos Estados Unidos”, comentou Gabiati.

    Paralelos entre Milei e Bolsonaro ganharam impulso nas eleições argentinas

    Desde que o seu nome começou a ganhar destaque no cenário político, o economista e então parlamentar ultraliberal foi diretamente associado a Bolsonaro. No seu país e no Brasil, durante a campanha presidencial, foi apelidado de “Bolsonaro argentino” e classificado equivocadamente de direita ultrarradical. Apresentando-se como “outsider”, não ligado a grupos tradicionais, ele assumiu o poder no final de 2023 com minoria no Congresso e em meio à maior crise social e econômica da Argentina, com hiperinflação e 40% da nação em extrema pobreza.

    Com um rígido programa de austeridade, a Argentina registrou o quinto superávit fiscal primário mensal seguido, de US$ 2,57 bilhões em maio, o maior até agora sob o comando do mais importante nome do libertarianismo mundial. Essa corrente do liberalismo econômico e político tem adeptos no Brasil abrigados em grupos de estudos e no partido Novo, sendo o deputado Gilson Marques (SC), o único com mandato. Milei tem visão de gestão da economia semelhante à implementada pela então ministro Paulo Guedes, com quem é comparado.

    Ambos defendem absoluta desregulamentação de negócios e privatização de todas as estatais. Tal qual o destaque de Milei nas contas públicas, após oito anos de déficit, as contas do governo brasileiro registraram superávit primário de R$ 54,1 bilhões em 2022, sob Guedes, mesmo ainda sob efeitos da pandemia, estiagens históricas e invasão da Ucrânia.

    Guedes, que se define como liberal-democrata e classificou o governo Bolsonaro de coalizão entre liberais na economia e conservadores nos costumes, cumprimentou Milei pela vitória nas eleições. Nas suas redes sociais, lembrou recentemente que o argentino herdou um país “empobrecido por décadas de governos dirigistas de esquerda”, também chamados de desenvolvimentistas”.

    e progressistas, que “fecharam a economia argentina para o mundo”. Ele aposta na retomada do caminho da prosperidade no país vizinho.

    Para o cientista político e empresário Luiz Felipe D’Ávila, que foi candidato à Presidência em 2022 pelo Novo, no papel de líder do Executivo, Milei evoluiu em relação à sua postura de candidato. “Ele parece ter aprendido a valorizar a política. Conseguiu uma vitória importante na Câmara e no Congresso na aprovação do seu pacote de reformas estruturais. Além disso, no que estava ao alcance da Casa Rosada, ele realizou mudanças importantes, sinalizando que tem coragem para resistir a protestos e fazer o que tem de ser feito: enxugar a máquina pública, reduzir despesas, acabar com privilégios”, disse. Essa postura firme da agenda econômica é vista por ele como um diferencial na comparação com Bolsonaro.

    Pauta de costumes abriga maiores diferenças entre Milei e Bolsonaro

    As discrepâncias entre Milei e Bolsonaro, líderes dos maiores países sul-americanos, ficaram evidentes na campanha do argentino. Elas refletem a diversidade no campo da direita no mundo, a exemplo das variações do movimento na Europa, marcado pelo protecionismo econômico e pela defesa do controle migratório. Enquanto Bolsonaro foca no conservadorismo, Milei enfatiza a agenda libertária, especialmente para a economia, com a missão de atacar as chamadas “castas” de políticos e funcionários públicos. Milei chegou até a defender a extinção do Banco Central (BC) e o fim do controle cambial pelo Estado, o que ainda não concretizou em sua gestão. Bolsonaro, por sua vez, implementou a independência do BC.

    Os discursos de Milei e Bolsonaro partilham a oposição ao socialismo na região. Ambos fazem parte do Fórum de Madri, aliança internacional para frear o avanço da esquerda nas nações ibero-americanas.  Mais incisivo nas propostas de redução da intervenção estatal e liberalização econômica, Milei não adota certos princípios de ordem moral e religiosa. Ele acredita, por exemplo, que o casamento entre pessoas do mesmo sexo deve ser permitido, não por apoiar essa prática, mas por acreditar que o Estado não deve se intrometer em questões privadas dos cidadãos, desde que não prejudiquem outras pessoas. Já Bolsonaro valoriza a estrutura tradicional da família, inclusive na lei.

    Sobre as drogas, Milei chegou a defender o livre comércio com base no mesmo princípio de que o Estado não deve se propor a tentar proteger o cidadão contra ele mesmo, algo que Bolsonaro é absolutamente oposto. Na prática, contudo, Milei intensificou o combate ao narcotráfico, com um plano chamado de Bukele, inspirado na postura rígida do presidente salvadorenho Nayib Bukele, com a sua guerra às gangues e detenções em massa. No caso das armas, Milei segue a mesma abordagem de Bolsonaro. Para ele, a regulação da compra deve ser menos restritiva, permitindo aos cidadãos escolherem se querem ou não exercer a autodefesa armada.

    Apoio da Argentina à Ucrânia mostra proximidade de Milei com a Europa

    A professora de relações internacionais Natália Fingermann, docente do Ibmec e da Fipe, vê mais divergências importantes no campo internacional, lembrando que o conflito no Leste Europeu é um ponto relevante de discordância entre Milei e Bolsonaro. “A Argentina entrou para o grupo de países chamados de Ramstein, que contribuem com armamento para a Ucrânia. Bolsonaro manteve a neutralidade e até mesmo se aproximou de Putin devido às relações econômicas importantes entre Brasil e Rússia, especialmente nos fertilizantes”, disse. Além de optar por integrar a coalizão de assistência militar à Ucrânia, demonstrando sintonia com a Europa, o governo argentino está estreitando os seus laços com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a aliança militar ocidental.

    Milei endossou o esforço multilateral para recuperar dezenas de milhares de crianças ucranianas sequestradas pela Rússia, o que rendeu ao ditador Vladimir Putin uma condenação por crimes de guerra no Tribunal Penal Internacional. Em reconhecimento a esse apoio, Milei foi condecorado pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. Esse desdobramento chamou a atenção da diplomacia brasileira e gerou protestos de Moscou, sendo visto como um indicativo de que a relação geoestratégica entre Brasil e Argentina poderá enfrentar desafios ainda mais complexos nos próximos anos.

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