sexta-feira, 5 julho, 2024
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    Alimentos altamente processados são tão viciantes quanto álcool e tabaco, especialmente em crianças

    Os pais já testemunharam isso antes: crianças escondendo embalagens de salgadinhos debaixo da cama ou pegando uma barra de chocolate extra escondido. Mas pesquisas recentes sugerem que isso pode ser mais do que apenas uma brincadeira de criança.

    A linha entre desejo e vício

    É comum ter vontade de comer um petisco doce ou salgado de vez em quando. Mas quando isso se transforma em vício? Uma análise abrangente de 281 estudos em todo o mundo, publicada no The BMJ, sugere que a linha pode ser mais tênue do que imaginamos.

    A pesquisa utilizou a Escala de Dependência Alimentar de Yale (YFAS, em inglês), criada em 2009, estabelecendo paralelos entre critérios de abuso de substâncias e dependência alimentar. Essa ferramenta ajuda a determinar se o relacionamento com alimentos como pizza e sorvete pode ser classificado como um vício.

    Os estudos revelaram uma semelhança surpreendente entre as características viciantes dos alimentos altamente processados e as do álcool e do tabaco. Enquanto o álcool e o tabaco apresentam taxas de dependência de 14% e 18%, respectivamente, os alimentos altamente processados correspondem a uma taxa de dependência de 14% entre adultos. No entanto, “o nível de dependência entre as crianças é sem precedentes”, chegando a impressionantes 12%. Isso significa que aproximadamente 1 em cada 8 crianças se enquadra na categoria de viciada em alimentos altamente processados.

    Os alimentos ultraprocessados possuem um impacto ainda maior sobre indivíduos com problemas de saúde específicos. Um terço dos pacientes que passaram por cirurgia bariátrica para tratar a obesidade e metade daqueles que enfrentam transtornos de compulsão alimentar periódica apresentam dependência alimentar, de acordo com os autores do estudo.

    A atração oculta dos alimentos ultraprocessados

    Os alimentos ultraprocessados, também conhecidos como AUP, encontraram um lugar perfeito em nossa alimentação diária. Repletos de açúcares refinados, gorduras e uma variedade de aditivos, eles foram criados não apenas para seduzir o nosso paladar, mas também para nos fazer desejar cada vez mais.

    Ashley Gearhardt, Ph.D., professora associada de psicologia da Universidade de Michigan, estuda a natureza enganosa dos AUP, descrevendo-os como uma “combinação industrial” em vez de alimento.

    “Quando você olha para o final da lista de ingredientes, parece mais um experimento químico do que um alimento”, comentou ela em um podcast. “A maior parte do conteúdo é desconhecido.”

    A atração dos AUP está relacionada ao seu impacto no sistema de recompensa do cérebro, de forma semelhante a substâncias viciantes. Assim como a nicotina, o consumo desses alimentos leva a uma liberação de dopamina, alimentando um desejo insaciável por mais.

    A Dra. Gearhardt destaca a vulnerabilidade dos nossos cérebros, especialmente quando expostos a essas substâncias viciantes desde cedo. “Quanto mais jovem a exposição, mais vulnerável o cérebro se torna”, ela explicou.Quanto maior for a exposição, maior é a possibilidade de desenvolver problemas”, alerta.

    A análise destaca a atraente combinação de carboidratos e gorduras nos AUP. Embora a maçã seja predominantemente composta por carboidratos e o salmão seja rico em gorduras, uma barra de chocolate combina ambas com maestria. Essa proporção quase igual aumenta o apelo viciante.

    “A mistura de carboidratos refinados e gorduras frequentemente encontrada nos AUP parece ter um efeito sinérgico nos sistemas de recompensa do cérebro”, aponta o estudo.

    Além disso, a velocidade com que os AUP proporcionam prazer é crucial. Projetados para serem consumidos rapidamente, eles fornecem uma dose rápida de dopamina, contrastando com a liberação mais lenta de nutrientes de alimentos minimamente processados, como nozes, que diminuem os desejos viciantes.

    O “ponto de felicidade”: o astuto manual da indústria alimentícia

    Por trás desses lanches irresistíveis está uma indústria multibilionária, constantemente inovando para encontrar o equilíbrio adequado entre doçura, salgado e gorduroso – o chamado “ponto de felicidade”. Isso vai além do simples conhecimento culinário, é uma ciência calculada que visa aumentar os nossos desejos.

    Essa estratégia lembra algo? Reflete táticas anteriormente utilizadas pelas empresas de tabaco, desde a minimização dos riscos à saúde até a abordagem cuidadosa com os jovens. Assim como as vibrantes propagandas de tabaco do passado, as grandes empresas de alimentos hoje concentram-se em atrair as crianças, garantindo que elas sejam conquistadas desde cedo.

    Isso pode não ser uma coincidência. Diante de regulamentações rigorosas, as empresas de tabaco fizeram uma mudança estratégica para a indústria alimentícia. A antiga gigante do tabaco, Phillip Morris, voltou-se para a alimentação ao fundir a Kraft-General Foods e a Nabisco, resultando em marcas conhecidas como Oreo, Ritz, Betty Crocker e Oscar Meyer.

    Um novo estudo esclarece como, de 1988 a 2001, essas empresas estrategicamente inundaram o mercado com produtos ricos em gordura, sódio e carboidratos, atraindo consumidores com alimentos extremamente saborosos e viciantes.

    A autora do estudo, Tera Fazzino, PhD, explica a diferença entre alimentos altamente processados e extremamente saborosos. Ela observa que alimentos altamente processados são caracterizados por um extenso processamento industrial, enquanto alimentos extremamente saborosos proporcionam uma experiência alimentar excessiva ou falsamente gratificante através de combinações de nutrientes.

    Fazzino destaca que, embora muitos alimentos altamente processados sejam extremamente saborosos, esses conceitos são “distintos”. Até mesmo refeições caseiras, como uma “omelete com bacon, queijo, azeite e sal”, podem se enquadrar nessa categoria.

    O estudo revelou que os alimentos das empresas de tabaco tinham 29% mais chances de conter alto teor de gordura e sódio, e 80% mais chances de conter níveis elevados de carboidratos e sódio. Essa tendência persiste, com o mercado ainda inundado de alimentos extremamente saborosos.

    Em 2018, mais de 75% dos produtos de marca norte-americanaforam reconhecidos como extremamente agradáveis ao paladar, de acordo com Fazzino. Ela sugere que a saturação do mercado com esses alimentos resulta da reformulação estratégica de seus produtos por empresas concorrentes. “As empresas concorrentes provavelmente perceberam o êxito das marcas de tabaco e reformularam seus produtos para se manterem competitivas”, explica ela.

    Essa mudança coincidiu com práticas de marketing de longa data com o objetivo de envolver os consumidores jovens. Ícones reconhecidos, como Tony, o Tigre, há muito tempo chamam a atenção das crianças. A entrada de empresas de tabaco na indústria alimentícia pode ter amplificado esses esforços de marketing, intensificando a tentativa de atrair crianças por meio da publicidade.

    O Dr. Chris van Tulleken, autor de “Ultra-Processed People”, critica essa estratégia de marketing agressiva direcionada às crianças. “Deveria ser ilegal. Sem dúvida, é antiético. É, indiscutivelmente, exploratório e predador”, disse ele.

    Ele enfatiza ainda que a motivação por trás dos alimentos ultraprocessados não é a nutrição, mas a ganância corporativa. “O objetivo da indústria dos alimentos ultraprocessados é gerar crescimento financeiro para os acionistas dessas empresas. Essa obrigação financeira é a razão pela qual os alimentos são como são”, explica, chamando a atenção para os interesses lucrativos que motivam a prevalência dos alimentos ultraprocessados.

    A Sra. Gearhardt concorda, observando o marketing agressivo voltado para as crianças, especialmente as crianças negras. “Não se trata apenas de calorias. Torna-se uma questão de hedonismo, prazer e regulação emocional, desde muito jovem”, afirma, ressaltando o impacto profundamente arraigado dos alimentos ultraprocessados.

    Você está viciado?

    Quer descobrir se sua relação com a comida é apenas uma aventura casual ou algo mais preocupante? O Estudo de Adicção Alimentar da Universidade de Yale (YFAS) pode lhe fornecer um aprofundamento.

    Este questionário de 25 perguntas foi desenvolvido para identificar sinais de uma possível dependência alimentar, concentrando-se em sintomas como desejos incontroláveis, abstinência e consumo persistente, apesar das consequências negativas. Questões como: “Nos últimos 12 meses, você teve problemas com a família ou amigos devido a comer demais?” fornecem informações sobre seus hábitos alimentares.

    A YFAS não é a unica opção. Variações personalizadas, como a YFAS-C, atendem às crianças com perguntas apropriadas para a faixa etária, enquanto a YFAS 2.0 atualizada está alinhada de perto com os critérios mais recentes para dependência de substâncias.

    No mundo atual, onde frequentemente a indulgência leva ao vício, essas ferramentas nos empoderam com autopercepção. Com insights sobre as estratégias da indústria e as fraquezas pessoais, podemos tomar decisões mais sábias no que diz respeito às escolhas alimentares.

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