sexta-feira, 5 julho, 2024
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    André Souza: A penalidade do artigo 467 da CLT e o poder público

    O parágrafo 467 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) — Decreto-Lei nº 5.452/1943 — estabelece que, “em caso de término de contrato de trabalho, havendo controversa sobre o valor das verbas rescisórias, o empregador é obrigado a pagar ao trabalhador, na data da apresentação à Justiça do Trabalho, a parte incontroversa dessas verbas, sob a penalidade de pagá-las aumentadas de cinquenta por cento”.

    No entanto, existem divergências quanto à sua aplicação quando se trata dos órgãos públicos. Argumenta-se que não é aplicável com base em dois fundamentos, que são o regime jurídico próprio ao qual os órgãos públicos estão sujeitos para o pagamento de suas dívidas, que deve seguir o procedimento do precatório, e a aplicação do Parágrafo único do mencionado artigo 467 da CLT, que expressamente estabelece que não se aplica aos órgãos públicos, embora sua vigência seja questionável.

    Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a questão se limita aos funcionários públicos, ou seja, aos servidores públicos (“lato sensu”) ligados aos órgãos públicos por vínculo empregatício, de natureza contratual, regidos pelas normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [1].

    De fato, o primeiro argumento que impediria a aplicação da penalidade do parágrafo 467 da CLT aos órgãos públicos (e que também pode ser aplicado à penalidade do parágrafo 477, §§6º e 8º, da CLT, embora não seja abordado neste estudo) baseia-se no sistema e na regulamentação aos quais esses órgãos estão sujeitos para o pagamento de suas dívidas, que são o precatório — ou Requisição de Pequeno Valor (RPV), quando for o caso —, seguindo a ordem cronológica de apresentação, conforme previsto pelo artigo 100 da Constituição.

    A expedição do precatório deve seguir o procedimento de “cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de efetuar pagamento específico pela fazenda pública”, principalmente as normas estabelecidas no artigo 535 e seu §3º, I e II, do Código de Processo Civil. Não é por outra razão que o CPC adotou a individualização e a separação, inclusive topográfica, do cumprimento de sentença que reconhece a obrigação de efetuar pagamento específico pela Fazenda Pública, como mencionado.

    Dessa forma, a administração pública só pode efetuar o pagamento de eventual condenação judicial quando houver o trânsito em julgado da respectiva sentença e após a expedição do precatório, seguindo a ordem cronológica de apresentação. Diante disso, seria proibido o pagamento direto de valores na primeira audiência na Justiça do Trabalho conforme mencionado no artigo 467 CLT, por isso a multa em questão não seria aplicável.

    Desse raciocínio decorrem outras situações executórias impraticáveis devido à necessidade de precatório, como por exemplo, a impossibilidade de execução provisória de pagamento específico contra a Fazenda Pública (diferente da obrigação de fazer), como defende a doutrina [2] e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal [3], sem desconsiderar o disposto no artigo 2º-B da Lei nº 9.494/97.

    Uma das críticas que se pode fazer a essa tese é que os débitos, na verdade, seriam resultantes da relação de emprego estabelecida pela administração pública com o funcionário público, e, mesmo que sejam verbas rescisórias, a dotação orçamentária já estaria incluída no orçamento do ente público como despesa corrente destinada ao pagamento da folha de pessoal, ou seja, já haveria disponibilidade orçamentária antes do inadimplemento das verbas rescisórias. Portanto, ao deixar de cumprir com as verbas rescisórias devidas, a administração pública estaria adiando o cumprimento através de artifício da obrigação de pagamento (que até então seria imediata), configurando desrespeito ao princípio da boa-fé objetiva.

    O segundo ponto de divergência — e que é o argumento principal a ser analisado — é a aplicação do único parágrafo do artigo 467 da CLT, que explicitamente isenta a penalidade ao estabelecer que o previsto no cabeçalho não se aplica à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às suas autarquias e fundações públicas.

    O motivo dessa divergência está contido na controvérsia sobre a validade do mencionado único parágrafo.

    Vale ressaltar que o referido único parágrafo do artigo 467 da CLT foi inserido pelo artigo 9º da Medida Provisória º 2.180-35, de 24/8/2001, enquanto que o seu “cabeçalho” foi alterado pela Lei nº 10.272, de 5/9/2001.

    Nesse sentido, o debate se concentra em saber se a Lei nº 10.272/2001 alterou apenas o “cabeçalho” do artigo 467 da CLT, mantendo em vigor o seu único parágrafo incluído pela MP 2.180-35/2001, ou se a alteração realizada abrangeu integralmente o artigo 467 da CLT, indicando assim a revogação implícita do referido único parágrafo.

    A MP 2.180-35/2001 reeditou a anterior MP 2.180-34, de 27/7/2001 [4], e tratou de efetuar várias mudanças legislativas, incluindo o artigo 467 da CLT.

    Foi publicada antes da Emenda Constitucional nº 32, de 11/9/2001, que alterou regras constitucionais, inclusive as relacionadas com as medidas provisórias (artigo 62 da Constituição Federal), e cujo artigo 2º estabeleceu queAs medidas provisórias emitidas anteriormente à publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória posterior as revogue expressamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional”.

    Aliás, a Resolução do Congresso Nacional nº 1/2002, que trata da análise das MPs, faz uma ressalva explícita em seus artigos 20 e 22, quanto à sua inaplicabilidade que posso observar é que a aplicação da Resolução do Congresso Nacional nº 1/1989 ainda é mantida para as MPs que estavam em vigor antes da EC 32/2001.

    Além disso, é importante ressaltar que o Parágrafo único do artigo 741 do CPC de 1973, com a redação fornecida pela MP 2.180-35/2001, foi alvo da ADI nº 3740/DF no STF, juntamente com outros dispositivos do mesmo diploma processual. No entanto, a ADI foi julgada improcedente, não havendo nenhuma ressalva quanto à vigência da MP 2.180-35/2001 nos votos.

    Ao analisar mais detalhadamente a MP 2.180-35/2001, podemos verificar que suas justificativas constaram do ofício E.M. nº 138, de 5/4/2000, assinado por ministros e pelo AGU. No que se refere ao artigo 467 da CLT, eles afirmaram que a determinação de não aplicação desse dispositivo às causas envolvendo a Fazenda Pública se justifica devido à incompatibilidade com o regime de execução ao qual a Fazenda Pública está sujeita. Isso ocorre porque o regime de execução dessa espécie depende da emissão de precatórios, de acordo com a Constituição Federal. Portanto, é necessário deixar claro a inaplicabilidade desse dispositivo à Fazenda Pública.

    Ao consultar o site do Congresso Nacional, não encontrei nenhuma revogação da MP 2.180-35/2001. O último registro indicou que a proposição continua em tramitação, de acordo com o art. 332 do Regimento Interno, em 21/12/2022.

    Portanto, o que podemos concluir é que a Resolução do Congresso Nacional nº 1/1989 ainda é aplicada às MPs que estavam em vigor antes da EC 32/2001. Além disso, a MP 2.180-35/2001 não teve sua vigência ressalvada na decisão da ADI nº 3740/DF e não há informações de sua revogação até o momento.se existe é que o Parágrafo singular do artigo 467 da CLT, que isenta os órgãos públicos da multa prevista em seu “começo”, foi incluído pela MP 2.180-35/2001, editada, por sua vez, antes da EC-32/2001, razão pela qual deve ser aplicado o disposto no artigo 2º da mencionada EC, que estabelece que continuariam em vigor as MPs já editadas — como é o caso da MP-2.180-35/2001 — até que medida provisória posterior as revogue explicitamente ou até decisão final do Congresso Nacional, o que não ocorreu.

    A Lei nº 10.272/2001 alterou apenas o “começo” do artigo 467 da CLT, já que não fez qualquer referência expressa ao seu Parágrafo singular que estava em vigor por força da MP nº 2.180-35/2001. Também não se observa qualquer intenção de alteração do seu Parágrafo singular quando da análise dos Projetos de Lei que resultaram na edição da referenciada Lei (PL 579/1995 da Câmara dos Deputados e o PLC 30/2001 do Senado Federal).

    Com base no artigo 12, III, “d”, da Lei Complementar nº 95/1998, poder-se-ia argumentar que a Lei nº 10.272/2001, ao transcrever completamente a nova redação do artigo 467 da CLT, fechando o texto com aspas e indicando ao seu final a sigla (NR), trataria de supressão implícita do Parágrafo singular. No entanto, tal interpretação não se compatibilizaria com o artigo 2º, §§1º e 2º, do Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), já que não há incompatibilidade entre o Parágrafo singular do artigo 467 da CLT e a nova redação do seu “começo”, bem como não há revogação expressa do Parágrafo e não há menção a eventual revogação ou modificação por lei nova que estabeleça disposições gerais ou especiais além das já existentes.

    De fato, na doutrina especializada, há divergência sobre a sua vigência e aplicação. Há autores que analisam o dispositivo sem ressalvas quanto à vigência e aplicabilidade.[9], embora faça críticas a ele [10], outros indivíduos explicitamente reconhecem sua existência [11] e, por último, argumentam que foi revogado [12].

    A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho também não é unânime em relação à vigência, pois ainda não abordou suficientemente o assunto. Ao julgar o RR-10305-71.2015.5.15.0035 [13], o TST considerou que está em vigor, enquanto que no RR-1001319-74.2020.5.02.0431 [14], decidiu pela sua revogação e consequente inaplicabilidade. Já nos autos do Ag-ARR-1000034-14.2018.5.02.0432 [15], em que o tema central era a incidência de sucumbência mínima ou recíproca, a 6ª Turma da Corte Superior Trabalhista mencionou incidentalmente a questão, opinando pela sua revogação.

    No âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho, a questão é ocasionalmente abordada, revelando a mesma divergência. Por exemplo, citam-se decisões dos Regionais da 1ª [16] e 2ª [17] Regiões, que consideraram que está em vigor, e, da 13ª [18] e 15ª [19] Regiões, que julgaram o dispositivo revogado.

    É importante considerar que a avaliação não depende das justificativas para a não aplicação da penalidade do “caput” do artigo 467 aos entes da Administração Pública e das críticas a respeito, sendo essencial que ela ocorra com base especificamente no aspecto legal.

    Por fim, é necessário ressaltar que, no caso de funcionário público cujo vínculo seja inválido por violação à regra do concurso público (artigo 37, II, e §2º, da CF), é devido apenas o pagamento das horas trabalhadas, respeitando o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS, de acordo com a compreensão do STF nos Temas 308 e 916 em Repercussão Geral e Súmula 363 do TST, que deve ser interpretada em “numerus clausus”, não permitindo ampliação em relação às consequências decorrentes da invalidade e sobre a incidência de outras verbas ou obrigações, como a anotação da CPTS, eventuais estabilidades, emissão da guia do seguro desemprego, penalidades do FGTS, décimos terceiros salários vencidos e proporcionais, aviso prévio, férias vencidas e proporcionais e seu respectivo terço, etc [20]. Portanto, além da observância de que as verbas salariais devidas são consideradas stricto sensu, não se aplicam as penalidades do artigo 477, §§6º e 8º, da CLT, e do artigo 467 da CLT, conforme reconhecido pela mencionada jurisprudência do TST [21].

    Em resumo, não há acordo sobre a vigência do Parágrafo único do artigo 467 da CLT — que isenta os entes da Administração Pública da penalidade prevista em seu caput —, sendo assunto controverso na doutrina e na jurisprudência.

    No entanto, a análise de todos os argumentos e sob o ponto de vista estritamente legal (e constitucional), é possível concluir que continua em vigor a Medida Provisória nº 2.180-35/2001,e, por conseguinte, também está plenamente em vigor o Parágrafo único do artigo 467 da CLT, que deve ser aplicado.

    Cabe, em decorrência, ao TST estabelecer sua interpretação sobre o assunto, sem prejuízo da possibilidade de análise pelo STF (sob a perspectiva da negativa de vigência da norma, da diminuição de sua eficácia e/ou da Emenda Constitucional nº 32/2001, embora se possa suscitar dúvida se a matéria teria realmente estatura constitucional, inclusive, no aspecto de se tratar apenas de interpretação da legislação ordinária). O mais indicado seria uma solução legislativa por parte do Congresso Nacional (seja examinando a MP nº 2.180-35/2001 ou editando nova lei).

    André Boccuzzi de Souza é perito em Direito Constitucional, advogado, assessor jurídico da Fundação Santo André (FSA) e professor universitário.

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