Dedicado há 45 anos ao plano de desenvolvimento de um submarino de propulsão nuclear, o Brasil almeja o consentimento da Organização das Nações Unidas (ONU) para concretizar o veículo militar, contudo as tratativas esbarram em antigas resistências às inspeções minuciosas nas instalações atômicas.
Embora o Brasil seja signatário do Tratado de
Não Proliferação Nuclear (TNP), o governo sempre se recusou a aderir a um
protocolo de 1997 que possibilita o acesso facilitado a inspetores da Agência
Internacional de Energia Atômica (AIEA), que enxerga a inspeção como um perigo à soberania
e segredos industriais.
Em meados de 2004, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou a inspeção de suas ultracentrífugas, dispositivos cruciais na transformação de gás de urânio em combustível nuclear. Essa atitude gerou uma crise, e agora, as tratativas propõem inspeções ainda mais invasivas.
“Ter um submarino nuclear é legítimo. Se o país quer um, tem de fazer um acordo com a AIEA, que será muito estrita no regime de inspeções. Eu preciso dar garantias para a comunidade internacional”, afirmou Rafael Grossi, diretor-geral da AIEA, em entrevista à Folha de São Paulo veiculada nesta quinta (18).
As discussões, iniciadas em junho de 2022, agora
enfrentam desafios diplomáticos e técnicos. Grossi sugeriu que a autorização
para operar o submarino nuclear Álvaro Alberto só deverá ser concedida, se tudo
ocorrer como previsto, em até cinco anos. “Pode ser um pouco menos”, ressaltou.
“Em teoria, é possível ter um protocolo separado [sem assinar os de 1997]. Mas, na realidade, é quase um debate acadêmico. Temos de desdramatizar as coisas. Proteger segredos industriais e comerciais, mas temos de avançar a um regime aceitável. O mundo de 1997 não é o de 2020, o Brasil está mais maduro. No fim do dia, o país não tem nada a ocultar”, ressaltou.
Origem do combustível preocupa
O diretor-geral da AIEA destaca que as
tratativas incluirão um ponto crítico para o Brasil: a procedência do seu
combustível nuclear. A despeito de dominar o ciclo completo de produção, o país
carece de capacidade certificada para produzi-lo atualmente.
Após tentativas frustradas de cooperação com os
Estados Unidos, o Brasil buscou assistência da Rússia, porém, as complicações
surgidas com a Guerra da Ucrânia dificultaram as conversas. Há também desafios
técnicos, uma vez que o submarino Álvaro Alberto é a materialização do projeto
nuclear da Marinha desde 1979, mas só foi contemplado no acordo militar
Brasil-França de 2009.
O Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), orçado em R$ 65 bilhões, já entregou dois dos quatro modelos de propulsão convencional baseados no francês Scorpène. O mais recente, o Humaitá, entrou em operação na última sexta-feira (12).
O projeto prevê, ao final, a incorporação do
modelo nuclear com previsão otimista de entrar em operação em 2033, após
superar desafios relativos à integração do reator ao casco.
Enquanto o Brasil enfrenta esses desafios,
Grossi expressou o desejo de visitar o país ainda neste ano para debater a
questão. A reportagem buscou a Marinha em relação ao programa nuclear, mas não
obteve resposta.