Frescos x Decididos
*Reportagem publicada no Anuário da Justiça São Paulo 2024, divulgado nesta segunda-feira (18/3). A versão digital é gratuita, acesse pelo site do Anuário da Justiça (clique aqui para ler). A versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui).
Há um consenso de que o maior gargalo da Justiça paulista está na primeira instância. De 2019 para 2022, o estoque de processos pendentes nas varas judiciais de São Paulo aumentou 8%, passando de 16,9 milhões para 18,3 milhões. Em 2023, o número de processos aguardando julgamento em primeiro grau superou os 21 milhões. Os dados são do DataJud/CNJ.
O triste recorde tem uma explicação estatística clara: nos últimos cinco anos, com exceção de 2019, o número de casos novos ingressando nas varas foi maior do que o número de julgados pelos juízes. Mas o maior obstáculo a impedir o equilíbrio entre casos novos e julgados está concentrado em uma única classe de processos: as atividades de realização judiciais, extrajudiciais e principalmente de execuções fiscais.
Os números deixam clara a situação. Das 21,8 milhões de ações pendentes de julgamento nas varas anotadas em outubro de 2023, 12,8 milhões eram execuções fiscais. Execuções fiscais nada mais são do que atividades de cobrança de dívidas de pessoas físicas ou jurídicas para o estado ou os municípios. Ou seja, o Judiciário é usado pelo Estado como cobrador de dívidas do próprio Estado.
A execução é o passo seguinte à sentença do juiz. Enquanto a sentença é apenas a declaração de quem a Justiça entendeu estar correto na disputa jurídica analisada, a execução é a responsável por fazer a sentença valer na prática. “Praticamente todos os processos terminam em execução”, lembra Francisco Gaiga, tributarista e sócio do escritório Gaiga Advocacia. “Ela pode ser tanto um processo autônomo que se origina de um título executivo, como a CDA (Certidão de Dívida Ativa), quanto todos os processos de cunho condenatório que terminam em uma execução judicial da sentença”, explica.
Especialistas ouvidos pelo Anuário da Justiça, contudo, entendem que o aumento do volume de execuções nos últimos anos vai além de uma característica natural do funcionamento do Poder Judiciário. No final de julho de 2023, a cobrança de IPTU, um imposto municipal, era responsável por 4,1 milhões de casos pendentes enquanto a de ISS, também municipal, contava com 1 milhão. A tributação do ICMS, este de competência estadual, respondia por mais 350 mil processos, enquanto a taxa de lixo a 270 mil. Outro assunto era a cobrança de IPVA, com 82 mil casos.
Em julho de 2023, as execuções levavam quatro anos e quatro meses em média até obter a primeira sentença. Já as execuções fiscais contavam com uma demora maior de cinco anos e oito meses. Conforme os especialistas, trata-se de um exemplo de como a judicialização poderia ser menor e de como existe uma demanda que o Judiciário não consegue absorver.
Tauan Galiano Freitas, tributarista e advogado da Associação Brasileira de Revendedores de Combustíveis Independentes e Livres, afirma que há diversas razões que explicam a quantidade crescente de execuções fiscais. “A despeito do esforço da Receita Federal para obter o cumprimento das obrigações tributárias, aInsuficiência da esfera administrativa para atingir esse objetivo leva o Setor Público e empresas a buscarem a Justiça.”
Questão tributária
Uma das razões para o aumento de execuções fiscais é a elevada complexidade da questão tributária no país. “Diante de um sistema tão intrincado, não temos outra opção a não ser recorrer ao Judiciário. E observa-se que as execuções são iniciadas pelo ente público”, diz Renata Elaine Ricetti Marques, presidente do Instituto Acadêmico de Direito Tributário e Empresarial.
A boa notícia é que esse problema pode estar próximo do fim. Recentemente, após 40 anos, a reforma tributária foi aprovada pela Câmara dos Deputados, com a simplificação do sistema como um de seus princípios. O TJ-SP está atento ao volume de execuções fiscais e percebe uma tendência de aumento de novos casos no fim dos mandatos dos prefeitos, que preferem seguir pela via judicial para cobrar dívidas tributárias. “É necessário incentivar os municípios a buscarem outras formas de quitar os débitos. Protestar, por exemplo”, sugere. A Corregedoria do TJ-SP tem mantido diálogo nesse sentido com o Tribunal de Contas do Estado.
A desembargadora e ex-procuradora-geral do Estado, Maria Lia Pinto Porto, também acredita que é preciso buscar alternativas à judicialização. “Não há valor mínimo para ajuizar a cobrança, praticamente tudo é levado ao Judiciário sem análise de custo-benefício. O ideal é cobrar administrativamente dívidas de menor montante e só recorrer à via judicial quando o custo de cobrança dessa forma for justificável”, orienta.
O protesto da dívida em cartório é regulamentado pela Lei 9.492/1997 e foi validado pelo STF em 2016 por meio da ADI 5.135/DF. Outra alternativa à judicialização é a transação tributária prevista no artigo 156 do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66). A mais recente regulamentação desse mecanismo ocorreu em 2020 com a Lei 13.988, que passou a permitir que a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional firmassem acordos com os contribuintes.
Na Assembleia Legislativa de São Paulo, tramita o PL 1.245/23, com a criação de um parcelamento especial de valores inscritos na dívida ativa paulista. Em todo o estado, há um total de R$ 394 bilhões registrados como créditos a receber. A proposta possibilita a negociação do pagamento dos tributos em até 145 parcelas. Conta com o apoio da Procuradoria-Geral do Estado como forma de estabelecer um ambiente jurídico favorável à conformidade fiscal dos contribuintes inscritos na dívida ativa. “Teremos no estado novos modelos de transação tributária com prazos de parcelamento mais dilatados, benefícios melhores do que os atuais e um novo modelo de cobrança da dívida ativa”, prevê a procuradora-geral do Estado, Inês Maria dos Santos Coimbra.
Investimento ou Custo
Luiz Alfredo Bianconi, tributarista e sócio do Bianconi Advocacia, é otimista. “Estamos começando a ver uma movimentação, embora incipiente, de programas para redução do contencioso, com transações, condições de pagamento e parcelamento melhores”, analisa. “Se o poder público investisse mais nas transações tributárias, com prazos de adesão e condições melhores de quitação de débitos dos contribuintes, reduziria o contencioso. Já os contribuintes deveriam encarar como investimento, e não como custo, os dispêndios necessários para estar em conformidade tributária, contratando profissionais especializados, para dar suporte às necessidades”, sugere.
Para Davi Pillon, tributarista e sócio da Pillon Sociedade de Advogados, a falta de planejamento tributário dos contribuintes também tem seu papel na crescente judicialização. “É importante lembrar que os grandes gargalos começam justamente no despreparo dos planejamentos fiscais, sejam da esfera cível ou empresarial. Esse despreparo resulta em falhas de planejamento e execução, o que tende,Com o passar do tempo, atingimos novos níveis de equívocos que resultam em procedimentos desnecessários. O excesso de recursos previstos na legislação, aliado aos prazos da administração pública em dobro, tanto para recorrer quanto para contestar, têm impacto direto no aumento do volume de execuções.
Implementação Criminal
E se as execuções fiscais presentes no acervo da Justiça paulista deixam em suspense o futuro tributário dos contribuintes, a situação no âmbito criminal envolve a liberdade de indivíduos e o cumprimento de penas. Em outubro de 2023, havia 59 mil penas privativas de liberdade aguardando execução. Já as penas não privativas totalizavam 359 mil. Dessa forma, eram 418 mil execuções penais pendentes no total.
Em setembro de 2023, o Conselho Nacional de Justiça divulgou a soltura de 22 mil detentos em todo o país que estavam presos de maneira indevida. A análise do órgão por meio do Mutirão Processual Penal, realizado entre julho e agosto, identificou situações ilegais, como a prisão preventiva com duração superior a um ano e a detenção de gestantes.
ANUÁRIO DA JUSTIÇA SÃO PAULO 2023 | 2024
13ª Edição
ISSN: 2179244-5
Número de páginas: 332
Versão impressa: R$ 50, pré-venda na Livraria ConJur
Versão digital: disponível gratuitamente, a partir de 18 de março de 2024, no app “Anuário da Justiça” ou pelo site anuario.conjur.com.br
Anunciaram nesta edição:
Abreu Sampaio Advocacia
Adilson Macabu e Nelson Pinto Advocacia
Advocacia Rubens Ferreira e Vladimir Oliveira da Silveira
Antonio de Pádua Soubhie Nogueira Advocacia
Apamagis – Associação Paulista de Magistrados
Areosa, Martins, Tavares Advogados
Arruma Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia
Basilio Advogados
Bialski Advogados Associados
Bottini & Tamasauskas Advogados
Caselli Guimarães Advogados
Cesa – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados
D’Urso & Borges Advogados Associados
Décio Freire Advogados
Dias de Souza Advogados
Fernando José da Costa Advogados
Fidalgo Advogados
Fontes Tarso Ribeiro Advogados Associados
Fux Advogados
Guimarães Bastos Advogados
Heleno Torres Advogados
Hesketh Advogados
JBS S.A.
Laspro Consultores
Leite, Tosto e Barros Advogados
Lemos Jorge Advogados Associados
Lollato, Lopes Rangel, Ribeiro Advogados
Machado Meyer Advogados
Marsaioli & Marsaioli Advogados Associados
Martins, Franco e Teixeira Sociedade de Advogados
Mesquita Ribeiro Advogados
Milaré Advogados
Moraes Pitombo Advogados
Multiplan
Oliveira Alves Advogados
Oliveira Lima & Dall’Acqua Advogados
PX Ativos Judiciais
Pardo Advogados & Associados
PMA – Penna Marinho Advogados
Regis de Oliveira, Corigliano e Beneti Advogados Associados
RMS Advogados – Rocha, Marinho e Sales
Sergio Bermudes Advogados
Thomaz Bastos, Waisberg, Kurzweil Advogados
Tojal Renault Advogados
Warde Advogados
Zanetti e Paes de Barros Advogados